Frank de la Rue disse 'não entender' porque a direção do jornal se irritou com blogue de paródia Falha de S. Paulo, fora do ar há dois anos, nem porque a Justiça acatou ação contra iniciativa
Em visita extraoficial ao país, o relator especial das Nações Unidas para Promoção e Proteção do Direito à Liberdade de Opinião e Expressão, Frank de la Rue, criticou hoje (13) o jornal Folha de S. Paulo e a Justiça brasileira pelas ações judiciais que há dois anos tiraram do ar o blogue Falha de S. Paulo. O site foi criado em 2010, durante as últimas eleições presidenciais, para criticar o que seus autores consideravam uma "partidarização excessiva" do diário mais influente do Brasil.
Ao saber da iniciativa, a direção da Folha não gostou e processou os proprietários do blogue: pediu uma multa de R$ 10 mil por dia em que a página permanecesse no ar. A Justiça assentiu com a sanção financeira, mas a reduziu para R$ 1 mil diários. E concedeu uma liminar ao jornal cassando o domínio da Falha na internet – que desde então, e menos de um mês depois de ser criada, deixou de existir.
"É interessante essa ironia que vocês fizeram com Folha e Falha", pontuou De la Rue, "porque uma das formas de jornalismo mais combatidas hoje em dia, e que deve ser defendida, é o jornalismo irônico, burlesco." O relator da ONU comparou as penas judiciais sofridas pelo blogue Falha de S. Paulo, no Brasil, aos ataques que o jornal dinamarquês Jyllands-Posten e seu cartunista, Kurt Westergaard, sofreram em 2006 após publicarem uma charge de Maomé. A caricatura trazia o profeta maior do Islã com uma bomba no turbante, e provocou manifestações violentas em países muçulmanos – inclusive tentativas de assassinato do desenhista.
"Achei a charge bastante ruim, no sentido mais político da palavra: não era um momento oportuno, nem a forma oportuna de provocar", ponderou, "mas nunca irei censurar uma caricatura ou uma publicação irônica." Frank de la Rue lembrou ainda que o jornal norte-americano The New York Times já sofreu no passado sátiras semelhantes à Falha (uma página chamada Not New York Times) e não acionou judicialmente seus críticos. "É o mais lógico", avaliou. "A ironia é uma forma de expressão legítima. Não entendo porque a Folha de S. Paulo se incomodou com a iniciativa nem porque os juízes, pior ainda, aceitaram a ação. É terrível."
O relator da ONU sobre liberdade de expressão esteve nesta quinta-feira em São Paulo para uma reunião com blogueiros, sindicalistas e entidades que defendem a democratização da comunicação no país. O encontro ocorreu no auditório do Sindicato dos Engenheiros, no centro da capital. De la Rue ouviu relatos sobre abusos praticados por governos, Justiça, empresas e criminosos contra a liberdade de expressão no Brasil. Foi nesse contexto que soube das sanções judiciais contra o blogue Falha de S. Paulo, após intervenção de um de seus idealizadores, o jornalista Lino Ito Bocchini, que havia sido formalmente convidado para a audiência.
De acordo com Bocchini, a Folha embasa sua ação no argumento de que o blogue estaria fazendo uso indevido da logomarca do jornal ao trocar a letra "o" pelo "a". Na visão da empresa que publica o diário, esse jogo de palavras, inserido numa mesma identidade visual, poderia confundir o leitor. "É apenas uma desculpa", defende Bocchini. "A batalha judicial agora está na segunda instância, e acreditamos que uma manifestação da Relatoria Especial da ONU pode ajudar os desembargadores do Tribunal de Justiça." De la Rue prometeu que usaria de suas prerrogativas para fazer uma comunicação formal ao Estado brasileiro sobre o assunto.
"O acosso judicial é uma forma de limitar o trabalho de jornalistas, de censurá-los", avaliou o funcionário das Nações Unidas. "Ainda que não haja condenação, mover uma ação na Justiça já é uma agressão econômica, porque implica em gastos com advogados e defesa." O relator classificou como "grave" o fato de que no Brasil haja "dois níveis" de liberdade de expressão: a liberdade dos grandes meios de comunicação, que em geral é respeitada, e a dos meios de comunicação independentes e alternativos, que sofrem restrições maiores. "Um dos princípios que defendo é que a liberdade de expressão, como todos os direitos humanos, deve ser universal."
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