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Mensagem dominical de Paulo Coelho

O valor e o dinheiro

Ciccone German conta a história de um homem que, graças à sua imensa riqueza e sua infinita ambição, resolveu comprar tudo que estava ao seu alcance. Depois de encher suas muitas casas de roupas, móveis, automóveis, joias, o homem resolveu comprar outras coisas.

Comprou a ética e a moral, e neste momento foi criada a corrupção.

Comprou a solidariedade e a generosidade - e então a indiferença foi criada.

Comprou a justiça e suas leis - fazendo nascer na mesma hora a impunidade.

Comprou o amor e os sentimentos, e surgiu a dor e o remorso.

O homem mais poderoso do mundo comprou todos os bens materiais que queria possuir, e todos os valores que desejava dominar. Até que um dia, já embriagado por tanto poder, resolveu comprar a si mesmo.

Apesar de todo o dinheiro, não conseguiu realizar seu intento. Então, a partir deste momento, criou-se na consciência da Terra um único bem que nenhuma pessoa pode colocar um preço: seu próprio valor.


Diálogos com o Mestre IV, por Paulo Coelho

Continuo reproduzindo aqui os diálogos que o escritor teve com o seu mestre, entre os anos de 1982 a 1986.

A linguagem dos sinais 
- O que é a linguagem do sinais?
- Todo homem tem uma maneira pessoal de comunicar-se com Deus e com sua própria alma.
- Então, o homem não precisa da religião?
- As religiões são muito importantes, porque nos permitem adorar de forma coletiva, e compartilhar dos mesmos mistérios. Mas a busca espiritual é responsabilidade de cada um: se você afastar-se do seu caminho, nada vai adiantar ficar culpando o padre, o imã, o rabino, o pastor - a responsabilidade é sua. Por isso existe um alfabeto que sua alma entende, e que vai mostrando as melhores decisões em seu caminho.


- Como aprender esta linguagem?
- Como qualquer outra. Primeiro, com disciplina para educar-se a notar o sinal. Depois, com coragem para praticar a língua. Terceiro, nunca ter medo de errar enquanto pratica.
- O que faz com que a gente muitas vezes siga o sinal errado.
- Claro. Só assim aprendemos os sinais certos.
- Você podia me dar um exemplo de um sinal?
- Não. A linguagem é individual, como disse antes. Se começamos a generalizar os sinais, eles se transformam em superstição.
"Muitos mestres já cometeram o erro de usar os seus sinais para guiar seus discípulos. O que acontece é que, quando as pessoas começam sua busca espiritual, entram num mar desconhecido, e sentem-se inseguras. Então procuram agarrar-se à primeira mão que lhes é estendida - e ao fazer isso, estão deixando de lado a aventura, para tornar-se escravas da mão que as guia".
- Como posso ter certeza que estou diante de um sinal verdadeiro?
- Você nunca pode. Mas, em geral, se começar a enxergar este mundo além das convenções, verá que sua intuição começa a conduzi-lo em direção à melhor escolha - por mais absurda que pareça. Aos poucos, esta linguagem se incorpora a você e, embora continue errando de vez em quando, já está em paz com sua alma, e toma as decisões corretas.
Muitas vezes o sinal é mais prático do que imaginamos, e a propósito disso, vou lhe contar uma história.
Um homem sonhou certa vez com um anjo, que lhe dizia: "amanhã vai começar a chover, sua aldeia será inundada, mas você será salvo".
Efetivamente, no dia seguinte começou a chover. Uma equipe de socorro visitou casa por casa, evacuando os habitantes, já que havia risco de inundação. Todos saíram, menos aquele homem, que dizia à defesa civil: "Eu sonhei com um anjo, e ele disse que seria salvo".
Um dia depois, a água já cobria o primeiro andar das casas. Uma segunda equipe de socorro foi tentar resgatar o homem, que de novo se recusou a sair, alegando que tinha recebido o sinal de um anjo, e precisava mostrar sua fé ao mundo.
No terceiro dia, a situação já era crítica, e o homem estava sozinho, encarrapitado no telhado da casa - enquanto a água subia sem parar. Num esforço desesperado, uma equipe de resgate tentou mais uma vez retirá-lo dali, mas de novo ele se negou, chamando-os de demônios, gritando que queriam obrigá-lo a negar o sinal do anjo.
Pouco tempo depois, a água cobriu o telhado, e o homem morreu afogado. Como era um ótimo cristão, foi para o Céu, e encontrou São Pedro, que o convidou para entrar. O homem recusou-se, dizendo que Deus o havia enganado; tinha enviado um anjo dizendo que ele seria salvo, quando na verdade fora o único habitante da aldeia que havia morrido.
São Pedro disse que Deus não mentia, e prometeu voltar com explicações. Entrou no Paraíso e retornou meia hora depois, dizendo:
"Realmente Deus mandou um anjo para avisar-lhe que seria salvo. Mas disse que o senhor recusou, por três vezes, o socorro que Ele lhe enviou sob a forma de equipes de resgate!".
Continua na próxima semana



Paulo Coelho: diálogo com o Mestre III

O mistério

- O que estamos fazendo nesta Terra?

- Sinceramente? Não sei. Já procurei em muitos cantos, em lugares iluminados e escuros; hoje estou convencido que ninguém sabe - apenas Deus.

- Não é uma boa resposta, para um mestre.

- É uma resposta honesta. Conheço muita gente que irá explicar-lhe em detalhes a razão da existência. Não acredite, são pessoas ainda presas à antiga linguagem, e só acreditam nas coisas que têm explicação.

- Quer dizer que não há uma razão para viver?

- Você não entendeu o que estou dizendo. Eu disse que não sei a razão. Mas claro que existe um motivo para estar aqui, e Deus o conhece.

- Por que não nos revela?

- Revela a cada um de nós, mas numa linguagem que às vezes não aceitamos, porque ela não é lógica - e estamos por demais acostumados a receitas e fórmulas.

"O nosso coração sabe por que estamos aqui. Quem escutar o coração, seguir os sinais, e viver sua Lenda Pessoal, vai entender que está participando de algo, mesmo que não compreenda racionalmente. Diz a tradição que, no segundo antes da nossa morte, a gente se dá conta da verdadeira razão da existência. E neste momento, nasce o Inferno e o Paraíso.

- Não entendi.

- O Inferno é, nesta fração de segundo, olhar para trás e saber que desperdiçamos uma oportunidade de honrar a Deus e dignificar o milagre da vida. O Paraíso é poder dizer, neste momento: "Cometi alguns erros, mas não fui covarde: vivi minha vida, e fiz o que devia fazer". Tanto o Inferno como o Paraíso irão nos acompanhar por muito tempo, mas não para sempre.

- Como posso saber se estou vivendo minha vida?

- Porque, ao invés de amargura, você sente entusiasmo. Essa é a única diferença. De resto, há que respeitar o Mistério, e aceitar - com humildade - que Deus tem um plano para nós. Um plano generoso, que nos conduz em direção à Sua presença, e que justifica estes milhões de estrelas, planetas, buracos negros, etc. Que estamos vendo nesta noite, aqui em Oslo (estávamos na Noruega).

- É muito difícil viver sem uma explicação.

- Você pode explicar porque o homem necessita de dar e receber amor? Não. E você vive com isso, não vive? Não apenas você vive com isso, como é a coisa mais importante da vida: o amor. E não existe explicação nenhuma.

"Da mesma forma, tampouco há explicação para a vida. Mas existe uma razão para estarmos aqui, e você precisa ser humilde o suficiente para aceitar isso. Confie em minhas palavras; a vida de cada um dos seres humanos tem um sentido, embora ele cometa o erro de passar grande parte do seu tempo na terra buscando uma resposta, enquanto se esquece de viver.

"Posso lhe dar um exemplo de uma época em que cheguei perto de entender tudo isso. Eu tinha comparecido à festa de comemoração dos 50 anos da minha formatura do ginásio. Ali, na escola onde estudei enquanto adolescente, encontrei muitos amigos. Bebemos, fizemos as mesmas piadas de meio século atrás.

Em um dado momento, olhei para o pátio da escola. Então, me vi criança, brincando com eles, olhando a vida com surpresa e intensidade. De repente, aquela criança que eu fui pareceu ganhar forma e se aproximou de mim".

"Me olhou nos olhos, e sorriu. Então, eu entendi que não havia traído os meus sonhos de infância. Que a criança que tinha sido um dia, ainda estava orgulhosa de mim. Que a mesma razão que eu tinha para viver quando criança, continuava viva em meu coração".

"Procure viver com a mesma intensidade de uma criança. Ela não pede explicações; mergulha em cada dia como se fosse uma aventura diferente e, de noite, dorme cansada e feliz".


Paulo Coelho: Diálogos com o Mestre - II

Reproduzindo aqui alguns trechos de conversas do escritor com o seu mestre, no período de 1982 a 1986.

A lenda pessoal

- O que é a Lenda Pessoal?

- É a sua bênção, o caminho que Deus escolheu para você aqui na Terra. Sempre que um homem faz aquilo que lhe dá entusiasmo, está seguindo sua Lenda. Acontece que nem todos têm coragem de enfrentar-se com os próprios sonhos.

- Por que razão?

- Existem quatro obstáculos. O primeiro: ele escuta, desde criança, que tudo o que desejou viver é impossível. Cresce com essa ideia, e à medida que acumula anos, acumula também camadas de preconceitos, medos, culpas. Chega um momento em sua Lenda Pessoal está tão enterrada em sua alma, que não consegue mais vê-la. Mas ela permanece ali.

"Se ele tem coragem de desenterrar seus sonhos, então enfrenta o segundo obstáculo: o amor. Já sabe o que deseja fazer, mas pensa que irá ferir aqueles que estão à sua volta, se largar tudo para seguir seus sonhos. Não entende que o amor é um impulso extra, e não algo que o impede de seguir adiante. Não entende que aqueles que realmente lhe desejam bem, estão torcendo para que seja feliz, e estão prontos para acompanhá-los nesta aventura".

"Depois de aceitar que o amor é um estímulo, o homem está diante do terceiro obstáculo: o medo das derrotas que irá encontrar em seu caminho. Um homem que luta pelo seu sonho, sofre muito mais quando algo não dá certo, porque não tem a famosa desculpa: "ah, na verdade eu não queria bem isso...". Ele quer, sabe que ali está apostando tudo, e sabe também que o caminho da Lenda Pessoal é tão difícil como qualquer outro caminho - com a diferença que nesta jornada está o seu coração. Então, um guerreiro da luz precisa estar preparado para ter paciência nos momentos difíceis, e saber que o Universo está conspirando a seu favor, mesmo que ele não entenda.

- As derrotas são necessárias?

- Necessárias ou não, elas acontecem. Quando começa a lutar por seus sonhos, o homem não tem experiência, e comete muitos erros. Mas o segredo da vida é cair sete vezes, e levantar-se oito vezes.

- Por que é tão importante viver a Lenda Pessoal, se vamos sofrer mais que os outros?

- Porque, depois de superada as derrotas - e sempre as superamos - nos sentimos com muito mais euforia e confiança. No silêncio do coração, sabemos que estamos sendo dignos do milagre da vida. Cada dia, cada hora, é parte do Bom Combate. Passamos a viver com entusiasmo e prazer. O sofrimento muito intenso e inesperado termina passando mais rápido que o sofrimento aparentemente tolerável: este se arrasta por anos, e vai corroendo nossa alma sem que percebamos o que está acontecendo - até que um dia já não podemos nos livrar da amargura, e ela nos acompanha o resto de nossas vidas.

- E qual é o quarto obstáculo?

- Depois de desenterrar seu sonho, usar a força do amor para apoiá-lo, passar muitos anos convivendo com as cicatrizes, o homem nota - do dia para a noite - que o que sempre desejou está ali, a sua espera, talvez no dia seguinte. Então vem o quarto obstáculo: o medo de realizar o sonho pelo qual lutou toda a sua vida.

- Isso não faz o menor sentido.

- Oscar Wilde dizia: "a gente sempre destrói aquilo que mais ama". E é verdade. A simples possibilidade de conseguir o que deseja faz com que a alma do homem comum encha-se de culpa. Ele olha a sua volta, e vê que muitos não conseguiram, e então acha que não merece. Esquece tudo o que superou, tudo que sofreu , tudo que teve que renunciar para chegar até onde chegou. Conheço muita gente que, ao ter a Lenda Pessoal ao alcance da mão, fez uma série de bobagens e terminou sem chegar até seu objetivo - quando faltava apenas um passo.

"Este é o mais perigoso dos obstáculos, porque tem uma certa aura de santidade: renunciar à alegria e à conquista. Mas se o homem entende que é digno daquilo pelo qual lutou tanto, então ele se transforma num instrumento de Deus, ajuda a Alma do Mundo, e entende por que está aqui".

Continua na próxima Semana


Mensagem dominical, por Paulo Coelho

O todo em tudo

Quando Ketu completou 12 anos de idade, foi mandado para um mestre, com o qual estudou até completar 24. Ao terminar seu aprendizado, voltou para casa cheio de orgulho. Disse-lhe o pai:
- Como podemos conhecer aquilo que não vemos? Como podemos saber que Deus, o Todo Poderoso, está em toda parte? O rapaz começou a recitar as escrituras sagradas, mas o pai o interrompeu:
- Isso é muito complicado; não existe uma maneira mais simples de aprendermos sobre a existência de Deus?

Crônica dominical de Paulo Coelho

Fragmento de um diário inexistente IV

Fort Lauderdale, fevereiro de 1994 - Depois de uma exaustiva manhã dando palestras para crianças, vou almoçar com uma amiga advogada, Shelley Mitchel. No restaurante, sentamos numa mesa ao lado de um bêbado, que insiste em puxar conversa o tempo todo. Fala do sofrimento por ter sido abandonado por sua mulher, diz o quanto está triste, pergunta-nos o que deve fazer.
A certa altura, Shelley pede ao bêbado para ficar quieto. Mas ele insiste:
- Por quê? Eu falei de amor como um homem sóbrio nunca fala. Demonstrei alegria e tristeza, tentei comunicar-me com estranhos. O que há de errado nisto?
- O momento não é apropriado - responde ela.
- Quer dizer que existe hora certa para sofrer por amor?
Depois desta frase, convidamos o bêbado para a nossa mesa.
Rio de Janeiro, 1972
Na época em que eu praticava meditação zen-budista, havia um momento em que o mestre ia até o canto do dojô (local onde os discípulos se reuniam) e voltava com uma varinha de bambu. Todos os alunos que não haviam conseguido se concentrar direito, precisavam levantar a mão neste momento; então o mestre se aproximava, e dava três golpes em cada ombro.
No primeiro dia, isto me pareceu medieval e absurdo. Mais tarde, entendi que muitas vezes é necessário colocar no plano físico a dor espiritual, para ver o mal que ela causa. No caminho de Santiago, aprendi um exercício que consistia em cravar a unha do indicador no polegar quando pensasse algo prejudicial.
As terríveis consequências dos pensamentos negativos são percebidas muito tarde. Mas fazendo com que eles - através da dor - se manifestem no plano físico, nos damos conta do mal que nos causam, e terminamos por evitá-los.
San Martin de Unx, dezembro de 1994
Caminho por uma aldeia deserta na Espanha, e escuto uma banda de música. É feriado, todos estão se divertindo numa festa em uma casa particular - menos eu. Estou só, e não tenho com quem conversar. Há quatro meses estou viajando para a promoção dos meus livros, e me pergunto se afinal vale a pena tudo isto - se não devia largar tudo agora, e voltar para o Brasil. As ruas da aldeia são estreitas, anoitece, e a solidão fica mais difícil de aguentar.
De repente, ouço a voz de um homem cantando; deve ser o único na cidade que não foi à festa. "Por quê?", pergunto para mim mesmo. Será que não gostam dele? Será que ele não gosta de festas? De qualquer maneira, escuto sua voz, e sinto que está alegre. Consigo entender alguns versos da canção:
"Nestes dias todos os ventos do mundo/ sopram na direção de quem sonha./ Nestes dias a chuva sempre desenha/ o rosto de quem amamos".
Anoto os versos num bloco que às vezes carrego comigo. Nunca conhecerei este homem. Nunca saberei seu rosto ou sua idade. E ele nunca saberá que, nesta tarde gelada, me ensinou que eu não estava sozinho, e me devolveu a alegria e a coragem.
Rio de Janeiro, 1994
Um padre da Igreja da Ressurreição, em Copacabana, aguardava pacientemente seu momento de comprar carne no supermercado, quando uma mulher tentou "furar" a fila.
Começou então um festival de agressões verbais dos outros fregueses, que a mulher respondia com igual veemência. Quando a situação parecia insuportável, alguém gritou: "Ei, madame, Deus te ama!".
- Foi impressionante - conta o padre. - Num momento em que todos pensavam em ódio, alguém falou de amor. Na mesma hora, a agitação desapareceu por encanto. A mulher se encaminhou para o seu lugar correto na fila, e os fregueses se desculparam por reagirem tão agressivamente.

Coluna semanal de Paulo Coelho

Três histórias sobre a mesma procura


  • A alegria e o amor

- Um fiel aproximou-se do rabino Briguilino:
- De que maneira devo usar meus dias, para que Deus fique contente com meus atos?
- Só existe uma alternativa: procure viver com amor - respondeu o rabino. Minutos depois, outro discípulo aproximou-se e fez a mesma pergunta.
- Só existe uma alternativa: procure viver com alegria.
O primeiro discípulo ficou surpreso:
- Mas o conselho que o senhor me deu foi diferente!
- Ao contrário - disse o rabino Briguilino. - Foi exatamente igual.
  • A certeza e a dúvida

Briguilino estava reunido com seus discípulos certa manhã, quando um homem se aproximou:
- Existe Deus?- perguntou.
- Existe - respondeu Briguilino.
Depois do almoço aproximou-se outro homem.
- Existe Deus? - quis saber.
- Não, não existe - disse Briguilino.
No final da tarde, um terceiro homem fez a mesma pergunta: - Existe Deus?
- Você terá que decidir - respondeu Buda.
Assim que o homem foi embora, um discípulo comentou, revoltado:
- Mestre, que absurdo! Como o Sr. Dá respostas diferentes para a mesma pergunta?
- Porque são pessoas diferentes, e cada uma chegará a Deus por seu próprio caminho. 
  • O primeiro acreditará em minha palavra. 
  • O segundo fará tudo para provar que eu estou errado. 
  • O terceiro só acredita naquilo que é capaz de escolher por si mesmo.
  • Continuar no mesmo caminho

O monge Briguilino, acompanhado de um discípulo, parou numa aldeia. Um velho perguntou:
- Santo homem, como me aproximo de Deus?
- Divirta-se. Louve a Deus com sua alegria - foi a resposta.
Um jovem perguntou:
- O que faço para me aproximar de Deus?
- Não se divirta tanto - disse Briguilino.
Quando o jovem partiu, o discípulo comentou:
- Parece que o senhor não sabe direito se devemos ou não nos divertir.
O monge Briguilino respondeu:
- A busca espiritual é uma ponte sem corrimão atravessando um abismo. Se alguém está muito perto do lado direito, eu digo "para a esquerda!".
Se aproximam do lado esquerdo, eu digo "para a direita". E assim eles continuam no Caminho.

Paulo Coelho

Fragmentos de um diário inexistente
Davos, Suíça, Janeiro 1999 - Depois de um dia extenuante no World Economic Forum, recebo um recado no hotel. Lorde Menuhin - que também está em Davos para uma série de conferências - deseja conversar comigo.
Minha primeira reação é de incredulidade: "Lord Menuhin? O mais importante músico erudito deste século? Talvez ele tenha me confundido com outra pessoa".
Retorno a ligação, o próprio Menuhin atende ao telefone. Sou convidado a ir a seu concerto; no final, ele estende um livro meu, que lhe tinha sido dado por sua secretária (para minha surpresa, não é "O Alquimista"), e que tinha provocado sua curiosidade por meu trabalho.
Nos três dias que seguem - até o final do fórum - tenho o raro privilégio de conversar, almoçar, conviver com ele. Discutimos um grande projeto para o final de 1999, com o objetivo de pisar no próximo milênio com esperança, mas também com plena consciência dos erros do passado.
Menos de um mês depois vem o concerto em Berlim, o fulminante ataque do coração, e a morte deste jovem de 83 anos, cujo violino Eistein teve o privilégio de ouvir, que foi o primeiro judeu a tocar na Alemanha pós-guerra, porque entendeu que a única saída para o mundo era tentar superar as feridas com alegria e entusiasmo. Lord Menuhin será lembrado não apenas como um dos maiores músicos da humanidade, mas também como alguém profundamente comprometido com o ser humano, a justiça social, a dignidade que tanto falta as pessoas que hoje tentam controlar nosso destino.
Num destes almoços em Davos, Lord Menuhin colocou-me frente a frente com um brilhante cientista francês e uma (nem tão brilhante) terapeuta americana. O cientista era convictamente ateu, o que provocou uma discussão apaixonada sobre a existência de Deus - a qual Menuhin, um homem religioso, assistia com um sorriso. No final, quando os ânimos serenaram, Lord Menuhin comentou da necessidade de sempre lutar contra as injustiças, mas sempre mantendo o respeito pelas opiniões opostas. E todos nós ouvimos uma deliciosa história judaica:
"Quando estava em seu leito de morte, Jacob chamou a mulher Sarah":
- Querida Sarah, quero fazer meu testamento. Vou deixar para meu primogênito Abraão metade da minha herança. Afinal de contas, ele é um homem de fé.
- Não faça isso, Jacob! Abraão não precisa de tanto dinheiro, já tem seu emprego, sua firma, já tem até mesmo fé em nossa religião. Deixa para Isaac, que está vivendo muitos conflitos existenciais sobre a existência de Deus, e ainda não se ajeitou na vida.
- Está bem, deixarei para Isaac. E Abraão ficará com minhas ações.
- Já disse meu adorado Jacob, que Abraão não precisa de nada! Eu fico com as ações, e poderei prover qualquer um de nossos filhos, se algum dia necessitarem.
- Você tem razão, Sarah. Vamos então as nossas propriedades em Israel. Acho que devo deixar para Deborah.
- Deborah? Você enlouqueceu Jacob. Ela já tem propriedades em Israel, você quer que se transforme em uma mulher de negócios, e termine arruinando seu casamento? Acho que nossa filha Michele precisa muito mais de ajuda!
Jacob, reunindo suas últimas energias, levantou-se indignado:
- Minha querida Sarah, você tem sido uma excelente esposa, uma excelente mãe, e sei que quer o melhor para cada um de seus filhos. Mas por favor, respeite meus pontos de vista! Afinal de contas, quem é que está morrendo? É você ou sou eu?

Paulo Coelho - Coluna dominical

Um discípulo tinha tanta fé nos poderes guru Sanjai, que o chamou certa vez à beira do rio.
- Mestre, tudo que aprendi com o senhor fez com que minha vida mudasse. Fui capaz de reatar meu casamento, acertar-me nos negócios de minha família, e fazer caridade com todos na vizinhança. Tudo que eu pedi em seu nome, com fé, eu consegui.
Sanjai olhou para o discípulo, e seu coração encheu-se de orgulho.
O discípulo aproximou-se da margem do rio:
- Minha fé em seus ensinamentos e em sua divindade é tanta, que basta pronunciar seu nome e conseguirei caminhar sobre as águas.
Antes que o mestre pudesse dizer alguma coisa, o discípulo entrou no rio, gritando:
- Louvado seja Sanjai! Louvado seja Sanjai!
Deu o primeiro passo.
E outro.
E um terceiro. Seu corpo começou a levitar, e o rapaz conseguiu chegar ao outro lado do rio sem sequer molhar os pés.
Sanjai olhou surpreso para o discípulo, que acenava da margem, com um sorriso nos lábios.
"Quer dizer que sou muito mais iluminado do que penso? Eu poderei ter o mosteiro mais famoso da região! Eu poderei igualar-me aos grandes santos e gurus!".
Decidido a repetir o feito, aproximou-se da margem, e começou a gritar, enquanto caminhava rio adentro:
- Louvado seja Sanjai! Louvado seja Sanjai!
Deu o primeiro passo, o segundo, e no terceiro já estava sendo carregado pela correnteza. Como não sabia nadar, foi preciso que o discípulo se atirasse na água e o salvasse da morte certa.
Quando os dois chegaram à margem, exaustos, Sanjai ficou em silêncio por longo tempo. Finalmente, comentou:
- Espero que você entenda com sabedoria o que aconteceu hoje. Tudo que eu lhe ensinei foram as sagradas escrituras, e a maneira correta de comportar-se. Entretanto, isso não bastaria, se você não acrescentasse o que estava faltando: a fé de que tais ensinamentos poderiam melhorar sua vida.
"Eu lhe ensinei, porque meus mestres me ensinaram. Mas, enquanto eu pensava e estudava, você praticava o que tinha aprendido. Obrigado por me fazer entender que, muitas vezes, o homem não acredita no que deseja que os outros acreditem".

Os três livros

O monge Tetsugen tinha um sonho: imprimir um livro em japonês, com todos os versículos sagrados. Decidido a transformar este sonho em realidade, começou a viajar pelo país, arrecadando o dinheiro necessário.
Entretanto, assim que conseguiu a quantia para iniciar o trabalho, o rio Uji transbordou, provocando uma catástrofe de proporções gigantescas. Vendo os desabrigados, Tetsugen resolveu gastar todo o dinheiro para aliviar o sofrimento do povo.
Mas logo recomeçou a lutar por seu sonho: bateu de porta em porta, caminhou por diversas ilhas do Japão, e de novo conseguiu o que precisava. Quando voltava - exultante - para Edo, uma epidemia de cólera alastrou-se pelo país. Novamente, o monge usou o dinheiro para curar os doentes e ajudar a família dos mortos.
Perseverante, voltou ao seu projeto original. Colocou-se novamente em campo e, quase 20 anos depois, conseguiu editar 7 mil exemplares dos versículos sagrados.
Dizem que Tetsugen, na realidade, fez três edições dos textos sagrados.
Só que as duas primeiras são invisíveis.
por Paulo Coelho em sua Coluna dominical no Diário do Nordeste

Coluna dominical de Paulo Coelho

O vaso de porcelana e a rosa

O Grande Mestre e o Guardião dividiam a administração de um mosteiro zen. Certo dia, o Guardião morreu e foi preciso substituí-lo.
O Grande Mestre reuniu todos os discípulos para escolher quem teria a honra de trabalhar diretamente ao seu lado.
- Vou apresentar um problema - disse o Grande Mestre. - E aquele que o resolver primeiro, será o novo Guardião do templo.
Terminado o seu curtíssimo discurso, colocou um banquinho no centro da sala. Em cima estava um vaso de porcelana caríssimo, com uma rosa vermelha a enfeitá-lo.
- Eis o problema - disse o Grande Mestre.
Os discípulos contemplavam, perplexos, o que viam: os desenhos sofisticados e raros da porcelana, a frescura e a elegância da flor. O que representava aquilo? O que fazer? Qual seria o enigma?
Depois de alguns minutos, um dos discípulos levantou-se, olhou o mestre e os alunos a sua volta. Depois, caminhou resolutamente até o vaso, e atirou-o no chão, destruindo-o.
- Você é o novo Guardião - disse o Grande Mestre para o aluno.
Assim que ele voltou ao seu lugar, explicou:
- Eu fui bem claro: disse que vocês estavam diante de um problema. Não importa quão belo e fascinante seja, um problema tem que ser eliminado.
"Um problema é um problema; pode ser um vaso de porcelana muito raro, um lindo amor que já não faz mais sentido, um caminho que precisa ser abandonado - mas que insistimos em percorrê-lo porque nos traz conforto".
"Só existe uma maneira de lidar com um problema: atacando-o de frente. Nessas horas, não se pode ter piedade, nem ser tentado pelo lado fascinante que qualquer conflito carrega consigo".
Uma linda estória enviada por Alessandra Marin via e-mail

Coluna dominical de Paulo Coelho

Há anos morreu Carlos Castaneda, sem dúvida o mais importante escritor da geração hippie, embora jamais tenha sido aceito pela intelectualidade. Mas Castaneda pouco se importava com isso.
Na ocasião, publiquei uma coluna com alguns trechos de seus livros editados no Brasil - e foi surpreendente o número de correspondência recebida. Muitos perguntavam: "mas ele viveu tudo o que diz?". Não tenho ideia, e isto tampouco tem importância - o que conta é a sua maneira de repensar o mundo. Para celebrar o primeiro aniversário de sua morte, seguem textos de "A Roda do Tempo" ("The Wheel of time"), ainda inédito no Brasil, onde o próprio Castaneda selecionou o que lhe parecia mais importante de tudo que publicou:
Um guerreiro aceita a responsabilidade de seus atos - mesmo os mais triviais. O homem comum nunca assume seus erros, mas assume qualquer vitória, mesmo que seja dos outros. Ele é um ganhador ou um perdedor, e pode transformar-se em perseguidor ou vítima, mas jamais chegará a condição de guerreiro, porque não merece.
Um guerreiro às vezes deve ser disponível, e às vezes deve estar oculto. É inútil para um guerreiro estar todo tempo disponível, assim como é inútil esconder-se quando todos sabem onde ele está escondido. Alternando a disponibilidade com a indisponibilidade, ele não se cansa à toa, e não cansa aqueles que estão ao seu lado.
Para o homem comum, o mundo é estranho porque, quando não está cansado de viver, está sofrendo por coisas que acredita não merecer. Para um guerreiro, o mundo é estranho porque é estupendo, pavoroso, misterioso, insondável. A arte do guerreiro consiste em equilibrar o terror de ser um homem, com a maravilha de ser um homem.
Os atos têm poder. Especialmente quando o guerreiro sabe que cada luta pode ser sua última batalha. Existe uma estranha felicidade em agir com pleno conhecimento da ideia que podemos morrer no próximo minuto.
O mais difícil neste mundo é adotar a postura de um guerreiro. De nada serve estar triste, queixar-se, o dizer que alguém está nos fazendo mal. Ninguém está fazendo nada a ninguém, e muito menos a um guerreiro.
A confiança do guerreiro não é a confiança do homem comum. O homem comum busca a aprovação nos olhos do espectador, e chama a isso de certeza. O guerreiro busca ser impecável perante si mesmo, e chama a isso de humildade. O homem comum está ligado aos seus semelhantes, o guerreiro está conectado com o infinito.
Há muitas coisas que um guerreiro pode fazer em um determinado momento, e que não podia fazer há alguns anos. Não foram as coisas que mudaram; o que mudou foi a ideia que o guerreiro tinha a respeito de si mesmo.
O poder sempre coloca ao alcance do guerreiro um centímetro cúbico de sorte. A arte do guerreiro consiste em ser permanentemente fluido, para consegui-lo utilizar.
Todo mundo dispõe de suficiente poder para conseguir alguma coisa. O segredo do guerreiro consiste em desviar a energia que antes dedicava a suas fraquezas, e utilizá-la em seu propósito nesta vida.

Mensagem dominical

O velho que estragava tudo
G.I. Gurdjieff foi uma das mais intrigantes personalidades deste século.
Bastante conhecido nos círculos que estudam ocultismo, é ainda ignorado como um importante estudioso da psicologia humana.
A história a seguir passa-se quando ele, já morando em Paris, França, criou seu famoso Instituto para o desenvolvimento do homem.
As aulas eram sempre bem concorridas. Mas entre os alunos, havia um velho - sempre de mau humor - que não parava de criticar o que ali era ensinado. Dizia que Gurdjieff era um charlatão, seus métodos não tinham qualquer base científica, e o fato de considerar-se um "mago" nada tinha a ver com sua verdadeira condição. Os alunos sentiam-se importunados pela presença daquele velho, mas Gurdjieff parecia não se importar.
Um belo dia, ele abandonou o grupo. Todos se sentiram aliviados, achando que dali por diante as aulas seriam mais tranquilas e produtivas. Para surpresa dos alunos, porém, Gurdjieff foi até a casa do homem, e pediu para que voltasse a frequentar o Instituto.
O velho recusou-se no início, e só aceitou quando lhe foi oferecido um salário para assistir as aulas.
A história logo se espalhou. Os estudantes, revoltados, queriam saber como um mestre podia recompensar alguém que não tinha aprendido coisa alguma.
- Na verdade, eu o estou pagando para que continue a dar suas aulas - foi a resposta.
- Como? - insistiram os alunos. - Tudo que ele faz vai totalmente contra aquilo que o senhor nos está ensinando!
- Exatamente - comentou Gurdjeff. - Sem ele por perto, vocês custariam muito a aprender o que é raiva, intolerância, impaciência, falta de compaixão.
"Entretanto, com este velho servindo de exemplo vivo, mostrando que tais sentimentos tornam a vida de qualquer comunidade um inferno, o aprendizado é muito mais rápido".
"Vocês me pagam para aprender a viver em harmonia, e eu contratei este homem para ajudar a ensiná-los - pelo caminho oposto".
by Paulo Coelho

da Coluna de Paulo Coelho

Sem piscar os olhos
Durante uma guerra civil na Coreia, certo general avançava implacavelmente com suas tropas, tomando província atrás de província, e destruindo tudo o que encontrava a sua frente. O povo de uma cidade, ao saber que o general se aproximava - e tendo ouvido histórias de sua crueldade - fugiu para uma montanha nas cercanias.
As tropas encontraram as casas vazias. Depois de muito vasculhar, descobriram um monge Zen, que havia permanecido no local. O general mandou que ele viesse a sua presença, mas o monge não obedeceu.
Furioso, o general foi até ele:

Coluna domingal de Paulo Coelho

O nagual Elias e a segunda chance

Carlos Castaneda conta como o mestre do seu mestre, Julian Osório, se transformou em um nagual - espécie de feiticeiro, segundo certas tradições mexicanas.
Julian trabalhava como ator em um teatro itinerante no interior do México. Entretanto, a vida de artista era apenas um pretexto para fugir das convenções impostas por sua tribo: na verdade, o que Julian mais gostava era beber e seduzir mulheres - qualquer tipo de mulher, que encontrava durante suas apresentações teatrais. Exagerou tanto, exigiu tanto da saúde, que terminou contraindo tuberculose.
Elias, um feiticeiro muito conhecido entre os índios iaques, dava seu passeio vespertino quando encontrou Julian caído no campo; sangrava pela boca, e a hemorragia era tão intensa, que Elias - capaz de ver o mundo espiritual - percebeu que a morte do pobre ator já estava próxima.
Usando algumas ervas que carregava na bolsa, conseguiu estancar a hemorragia. Depois, virou-se para Julian:
- Não posso curá-lo - disse. - Tudo que podia fazer, já fiz. Sua morte já está bem próxima.
- Não quero morrer, sou jovem - respondeu Julian.
Elias, como todo nagual, estava mais interessado em comportar-se como um guerreiro - concentrando sua energia na batalha da sua vida - do que ajudando alguém que nunca tinha respeitado o milagre da existência. Entretanto, sem conseguir explicar porque, resolveu atender o pedido.
- Vou às cinco da madrugada para as montanhas - disse. - Espere-me na saída do povoado. Não falte. Se você não vier, vai morrer antes do que pensa: seu único recurso é aceitar meu convite. Nunca poderei reparar o dom que você já fez ao seu corpo, mas posso desviar seu avanço até o precipício da morte. Todos os seres humanos caem neste abismo, mais cedo ou mais tarde; você está a alguns passos dele, e não posso fazê-lo recuar.
- O que pode fazer então?
- Posso fazer com que caminhe pela borda do abismo. Vou desviar seus passos para que você siga pela enorme extensão desta margem entre a vida e a morte; pode andar para a direita ou para a esquerda, mas, enquanto você não cair nele, continuará vivo.
O nagual Elias não esperava grande coisa do ator, um homem preguiçoso, libertino, e covarde. Ficou surpreso quando, às cinco da manhã do dia seguinte, encontrou-o esperando num dos extremos do lugarejo. Levou-o para as montanhas, ensinou-o os segredos dos antigos naguais mexicanos, e com o tempo Julian Osório se transformou num dos mais respeitados feiticeiros iaques. Nunca ficou curado da tuberculose, mas viveu até os 107 anos, sempre caminhando na beira do abismo.
Quando chegou o momento adequado, começou a aceitar discípulos, e foi o responsável pelo treinamento de Don Juan Matus, que por sua vez ensinou as antigas tradições a Carlos Castaneda. Castaneda, com sua série de livros, terminou popularizando estas tradições no mundo inteiro.
Uma tarde, conversando com outra discípula de D. Juan, Florinda, esta comentou:
- É importante para todos nós examinar o caminho do nagual Julian à beira do abismo. Nos faz entender que todos temos uma segunda chance, mesmo que já estamos muito próximos de desistir.
Castaneda concordou: examinar o caminho de Julian significava entender sua extraordinária luta para manter-se vivo. Entendeu que esta luta era travada segundo a segundo, sem qualquer descanso, contra os hábitos errados e a autopiedade. Não era uma batalha esporádica, mas um esforço disciplinado e constante para manter o equilíbrio; qualquer distração ou momento de debilidade poderia arrojá-lo no abismo da morte.
Só havia uma maneira de vencer as tentações de sua antiga vida: enfocar toda a sua atenção na beira do abismo, concentrar-se em cada passo, manter a calma, não ter apego a nada além do momento presente.
Acho que todas estas lições servem para cada um de nós.

Coluna dominical de Paulo Coelho

Aqueles que têm fé estão acostumados a aceitar a presença de Deus nos lugares sagrados, mas quando o conseguem reconhecer no cotidiano? Foi pensando nesta pergunta, que Joanna Laufer e Kenneth Lewis resolveram entrevistar, durante dois anos, pessoas de diversas áreas, para que contassem como a fé pode participar das atividades diárias. Eis aqui algumas destas respostas:
"Cantar é uma arte extremamente pessoal. Um instrumentista normalmente lida com algo externo a ele, mas o cantor é seu próprio instrumento. Certa noite de 1989, eu estava doente, mas não podia adiar um recital. Então, pouco antes de começar a cantar, eu rezei e disse: 'Meu Deus, este trabalho aqui tem mais a ver com você do que comigo'. Naquele momento, eu acreditei que ia cantar somente para Ele, e passei a ignorar a plateia, os músicos, até mesmo minha indisposição física. Foi um dos melhores concertos que já dei em minha vida" - Leontyne Price.
"É interessante notar que, quando se trata de Ciência, nós aceitamos com muito mais facilidade aquilo que não vemos. Entretanto, ao falarmos de um mundo espiritual, sempre aparece alguém querendo exigir provas, testemunhos, documentações".
"Existe um tipo de mecanismo chamado 'câmara de nuvem', onde um cientista pode traçar o caminho de partículas subatômicas, que jamais serão vistas, mas cuja prova de sua existência são as marcas que deixam nesta máquina. Ora, se traçarmos um paralelo, entenderemos que, embora Deus jamais possa ser visto, Ele deixa também suas marcas nas pessoas, e é só uma questão de notá-las" - Rabi Schindler.
"Em 1938, quando eu tinha seis anos, um grupo de nazistas entrou em nossa casa em Frankfurt, e levou meu pai para um campo de concentração. Dias depois, minha mãe me colocou num trem que viajava para a França. Eu ainda penso na última vez que a vi, me dando adeus na estação, chorando, sem que eu pudesse compreender direito porque aquilo tudo estava acontecendo".
"Muitas coisas nesta vida me deixam confuso, e passar por uma experiência destas, ainda na infância, é estar no limite da própria fé em um mundo espiritual. Entretanto, mesmo assim ainda sou capaz de entender que tudo que faço é pela graça de Deus".
"E isto me traz à memória uma história atribuída ao grande rabino Bal Shen Tov. Conta-se que ele estava no topo de uma colina, com um grupo de estudantes, quando viu um grupo de cossacos atacarem a cidade e começarem a massacrar as pessoas".
"Vendo muitos de seus amigos, lá embaixo, morrendo e pedindo misericórdia, o rabino exclamou:
- Ah, se eu pudesse ser Deus!"
"Um discípulo, chocado, virou-se para ele:
- Mestre, como ousa proferir uma blasfêmia destas? Quer dizer que, se o senhor fosse Deus, ia agir de maneira diferente? Quer dizer que o senhor acha que Deus muitas vezes faz o que é errado?".
"O rabino olhou nos olhos do discípulo, e disse:
- Deus sempre está certo. Mas se eu pudesse ser Deus, eu saberia entender o que está acontecendo" - Benjamin Hirsch.

São Dimas, o primeiro santo

por Paulo Coelho
Num dos momentos mais trágicos da crucificação, um dos ladrões percebe que o homem que morre ao seu lado é o Filho de Deus. 
- "Senhor, lembra-Te de mim quando estiveres no Paraíso", diz o ladrão. 
- "Em verdade, estarás hoje comigo no Paraíso", responde Jesus, transformando um bandido no primeiro santo da Igreja Católica: São Dimas.
Não sabemos por que razão este homem, Dimas, foi condenado à morte. Na Bíblia, ele confessa a sua culpa, dizendo que foi crucificado pelos crimes que cometeu.
Suponhamos que tenha feito algo de cruel, tenebroso o suficiente para terminar daquela maneira; mesmo assim, nos últimos minutos de sua existência, um ato de fé o redime - e o glorifica.
Lembremos deste exemplo quando, por alguma razão, nos julgarmos incapazes e indignos de ter uma vida espiritual.

Crônica dominical de Paulo Coelho

O presente de insultos - Perto de Tokyo vivia um grande samurai, já idoso, que agora se dedicava a ensinar o zen budismo aos jovens. Apesar de sua idade, corria a lenda de que ainda era capaz de derrotar qualquer adversário.
Certa tarde, um guerreiro - conhecido por sua total falta de escrúpulos - apareceu por ali. Era famoso por utilizar a técnica da provocação: esperava que seu adversário fizesse o primeiro movimento e, dotado de uma inteligência privilegiada para reparar os erros cometidos, contra-atacava com velocidade fulminante.
O jovem e impaciente guerreiro jamais havia perdido uma luta. Conhecendo a reputação do samurai, estava ali para derrotá-lo, e aumentar sua fama.
Todos os estudantes se manifestaram contra a ideia, mas o velho aceitou o desafio.
Foram todos para a praça da cidade, e o jovem começou a insultar o velho mestre. Chutou algumas pedras em sua direção, cuspiu em seu rosto, gritou todos os insultos conhecidos - ofendendo inclusive seus ancestrais. Durante horas fez tudo para provocá-lo, mas o velho permaneceu impassível. No final da tarde, sentindo-se já exausto e humilhado, o impetuoso guerreiro retirou-se.
Desapontados pelo fato de que o mestre aceitara tantos insultos e provocações, os alunos perguntaram:
- Como o senhor pode suportar tanta indignidade? Por que não usou sua espada, mesmo sabendo que podia perder a luta, ao invés de mostrar-se covarde diante de todos nós?
- Se alguém chega até você com um presente, e você não o aceita, a quem pertence o presente? - perguntou o samurai.
- A quem tentou entregá-lo - respondeu um dos discípulos.
- O mesmo vale para a inveja, a raiva, e os insultos - disse o mestre. - Quando não são aceitos, continuam pertencendo a quem os carregava consigo.
Onde está o guarda-chuva
Ao cabo de dez anos de aprendizagem, Zenno achava que já podia ser elevado à categoria de mestre zen. Em um dia chuvoso, foi visitar o famoso professor Nan-in.
Ao entrar na casa de Nan-in, este perguntou:
- Você deixou o seu guarda-chuva e os seus sapatos do lado de fora?
- Evidente - respondeu Tenno. - É o que manda a boa educação. Eu agiria assim dessa maneira em qualquer lugar.
- Então me diga: você colocou o guarda-chuva do lado direito ou do lado esquerdo dos seus sapatos?
- Não tenho a menor ideia, mestre.
- O zen budismo é a arte da consciência total do que fazemos - disse Nan-in. - A falta de atenção nos pequenos detalhes pode destruir por completo a vida de um homem. Um pai que sai correndo de casa, nunca pode esquecer um punhal ao alcance do seu filho pequeno. Um samurai que não olha todos os dias a sua espada, terminará encontrando-a enferrujada quando mais precisar dela. Um jovem que esquece de dar flores a sua amada, vai acabar por perdê-la.
E Zenno compreendeu que, embora conhecesse bem as técnicas zen do mundo espiritual, havia se esquecido de aplicá-las no mundo dos homens.
Algumas reflexões do zen budismo