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Número confidencial

No dia do aniversário "Bem", ela ganhou o telefone com que tanto sonhava: um iPhone! "Leãozinho" deu o aparelho, mas esqueceu de anotar o número que estava já instalado nele. Tinha nada, não, assim que "Bem" voltasse da viagem de urgência que faria a Buenos Aires, acompanhando uma tia doente, se falariam. Um mês passaria depressa. Acostumara-se a chamar a amante de "Bem" porque era assim que tratava a esposa e não haveria risco de trocar os nomes. A mulher tinha um nome comum, mas o de "Bem", era meio estranho: Jopsla! Ninguém sabia a origem do nome, mas não vinha ao caso. "Bem" estava de bom tamanho. Novo telefone, chip novo, pré-pago, e o número não importava, pois sempre que "Bem" ligava, o que aparecia na tela de "Leãozinho" era "número confidencial" que era para disfarçar no caso da patroa atender. Por uma questão cultural, toda patroa se acha no direito de atender o celular do seu esposo e se o telefone dele tocasse assim, no meio de qualquer hora do dia, ela perguntava em tom de exigindo uma resposta: 
- Quem é, meu filho! 
Se o "Leãozinho" ficasse dizendo "alô! alô!", no terceiro "alô", já estava combinado, "Bem" desligaria imediatamente sem falar". E aí, ele respondia sem alterar, o batimento cardíaco ou inventar uma desculpa mais complicada: 
- Sei lá, Bem, é número confidencial. 
E a "Bem" da paixão ligaria meia hora depois. Tudo certo, tudo combinado, e nunca falhou. Ele, por sua vez, nunca ligava para ela, para evitar de deixar gravado um número que podia ser questionado por sua patroa há mais de trinta e cinco anos. "Bem", a bem da verdade, nasceu quinze anos após o casamento de Leãozinho com sua patroa. Ela, virgem donzela, casara-se com ele de véu e grinalda e levava muito a sério esse negócio de "até que a morte os separe", senão...! Tolerância zero! Marcação cerrada. Os encontros dos dois sempre eram pela manhã, três, quatro vezes por mês, quando Leãozinho tinha, digamos, permissão para uma caminhada na Beira-Mar. Aliás, por falar em Beira-Mar, certa vez Bem se engraçou de um cordão de ouro que recebera da esposa e ele, muito afoito, tirou do pescoço e colocou no pescoço dela. Em casa, juntou o útil ao agradável dizendo que um marginal conhecido na área havia arrancado com alguma brutalidade. "Olha aqui, olha aqui..." - apontando para a marca roxa do beijo dado só para infernizar, Bem era assim mesmo, bem moleca. Pois bem, "Bem" ganhou o telefone chique e viajou com a tia doente a Buenos Aires. A tia doente era um senhor também já entrado na idade, como Leãozinho. Bem foi, mas não gostou de Buenos Aires, reclamou que não entendia a língua e mais ainda detestou o frio. Melhor para "a tia doente" que ficou a maior parte do tempo no quarto do hotel barato perto da Calle Florida! Na outra ponta, Leãozinho contava os dias. "Assim que você chegar, quero que vá me encontrar com aquele vestido curtinho, mas vá só de vestido..." "Combinado, Leãozinho, pode deixar...". Quando Bem chegou, ligou. Mas quem atendeu? A patroa. Bem estava no banheiro... Lá de dentro, quase dá a maior bandeira ao gritar entre o ansioso e o desesperado: 
- Quem é? Quem é? É confidencial?" - deixou escapar. "É, por quê?" respondeu a patroa emendando "por acaso está esperando alguma ligação confidencial?" Bem não ligou depois de meia hora, mas se ligou ele não soube. A patroa não só desligou o telefone como fez pior: tirou a bateria.
by A. Capibaribe Neto no Diário do Nordeste

Crônica semanal de Luis Fernando Veríssimo


O Chico Caruso — cartunista, chargista, cantor e cômico — conta a anedota com perfeito sotaque alemão. Numa cervejaria lotada da Munique atual as pessoas vão pouco a pouco se dando conta da presença de uma figura conhecida entre eles. Será mesmo quem estão pensando? Não pode ser. Mas é: Adolf Hitler está ali! Começa, a princípio baixinho, mas depois aumentando de volume, um coro: “Volta, volta...”

Hitler resiste, mas, finalmente, o clamor se torna irresistível. Ele, então, se ergue, pede silêncio, e declara:
— Está bem, eu volto. Mas desta vez não vou ser bonzinho não!
Uma versão ampliada da anedota deu num romance chamado “Ele está de volta’’, do filho de mãe alemã e pai húngaro Timur Vermes, que fez sensação na Alemanha e está fazendo o mesmo no resto do mundo. Já existe uma tradução em português.
No romance, narrado na primeira pessoa, Hitler inexplicavelmente volta à vida — nem ele sabe explicar como — e encontra uma Alemanha em plena crise moral, com uma juventude imbecilizada pela televisão, YouTube, reality shows e similares, invadida por raças escuras que no seu tempo eram caçadas como inferiores — e governada por uma mulher! Hitler tem uma solução radical para todos os problemas da Alemanha e o romance acaba com ele sendo cortejado por vários partidos para voltar à política.
Timur Vermes escreveu uma sátira histórica (a ascensão do nazismo e os anos de vigência do Terceiro Reich são recontados do ponto de vista do ex-führer redivivo) e política, mas ela também pode ser lida como nostalgia disfarçada.
Na França, faz sucesso parecido com o do livro do Vermes um filme intitulado “O que foi que fizemos ao bom Deus?”, sobre a família de um católico conservador cujas quatro filhas se casam, respectivamente, com um judeu, um muçulmano, um asiático e um negro, para desespero dos pais. No fim, tudo acaba bem e o filme é uma cálida lição de tolerância — ou não é.
Há quem o veja como um alerta contra o multiculturalismo e a miscigenação. Tudo depende da identidade ideológica de quem o vê. O crítico do “Le Monde’’ disse que o filme parece feito de encomenda para a Frente Nacional, xenófoba e reacionária. Já o crítico do direitista “Le Figaro” adorou.
O livro “Ele está de volta’’ termina com a criação de um slogan para Hitler usar na sua campanha eleitoral. O slogan é “Não foi tudo ruim’’.

Crônica dominical de Luis Fernando Veríssimo

Progressão
A senhora, quem é?
— A esposa, doutor.
— Muito bem. Conte-nos o que houve.
— Não sei, doutor. Ele chegou em casa, depois de esperar horas na fila de um banco, ser assaltado no ônibus, passar pelo supermercado sem poder comprar nada e começado a ver o “Jornal Nacional”.
— E foi ficando vermelho. Entendi. Ele está cheio. Ou, para usar o termo científico, pê da cara.
— É grave, doutor?
— Se conseguirmos controlar a tempo, não. O perigo é ele passar para uma fase mais aguda, quando em vez de vermelho ficará fulo.
— Fulo?
— Uma cor indefinida, entre o vermelho e o roxo. Nesta fase, o importante é ele ficar em isolamento, sem receber notícia de espécie alguma, principalmente do Brasil.
— O que eu posso fazer, doutor?
— Fale com ele sobre a seleção, sobre como o Felipão parece estar acertando e como faremos bonito na Copa. E outras coisas boas. Só cuidando com a dosagem, para não parecer gozação. Os efeitos colaterais podem ser sérios.
— O que pode acontecer?

Literatura

Livros infantis para adultos

zFfos
Para uma boa parte dos amantes dos livros, uma prática bastante comum ainda é visitar livrarias e passear dentro delas, conhecendo obras das mais variadas fontes e origens.  Num rápido pulo a uma livraria próxima de sua casa, é possível perceber a divisão por seções adotada pela maioria delas.
Em algumas, essa divisão é mais clara e em outras, menos, de modo que os frequentadores conseguem facilmente identificar onde podem estar os livros de suas preferências.
Com essa organização, as livrarias podem direcionar os compradores de acordo com seus campos de interesse e assim aumentar seu poder. Claro que essa não é uma prática exclusiva das livrarias, uma vez que as bibliotecas a fazem para proporcionar uma melhor identificação da posição das obras que, de outro modo, se tornariam praticamente impossíveis de serem encontradas.
De toda maneira, esse texto não é sobre organização de bibliotecas ou posição de livros nas estantes das livrarias. Hoje vamos falar sobre livros que nos últimos anos foram rotulados de “infantis” mas que podem ser prazerosamente lidos por adultos.

O primeiro homem

Era um dia como outro qualquer no Paraíso. O sol havia acabado de nascer. Elefantes tomavam banho no lago, leões se espreguiçavam e pássaros voavam de uma árvore para outra.
Era um dia como outro qualquer no Paraíso, exceto pelo fato de que, sob a sombra de uma árvore mais afastada, uma dupla observava tudo atentamente e em silêncio.
– Vai fazer um dia bonito hoje, comentou a serpente.
Deus ergueu os olhos e olhou de um lado para o outro antes de responder.

Artigo semanal de Leonardo Boff

"A beleza salvará o mundo": Dostoiewski nos ensina como

Dos gregos aprendemos e isso atravessou os séculos, que todo ser, por diferente que seja, possui três características transcendentais (estão sempre presentes pouco importa a situação, o lugar e o tempo): ele é o unum, o verum e o bonum, quer dizer ele goza de uma unidade interna que o mantem na existência, ele é verdadeiro, porque se mostra assim como de fato é e é bom porque desempenha bem o seu lugar junto aos demais ajudando-os a existirem e coexistirem.

Crônica semanal de A. Capibaribe Neto

A melhor bússola
Uma bússola do meio do nada só indica o Norte e a direção que contrapõe a ele. No meio do nada, é impossível saber o que existe nesse Norte se não se tem noção do que existia ali quando se perdeu. Quem, não se lembra do pavor que era, quando criança, se perder da mãe em plena Praça do Ferreira. E hoje mesmo, em uma praia, um clube que seja ou qualquer lugar...
Já adulto estive perdido assim e foram várias vezes. Brasil afora, no meio da mata; na Itália, Islândia, em Tállin. E não podia demonstrar pavor, cara de assustado, pagar mico, dizer pura e simplesmente "estou perdido!" "Pra onde o senhor quer ir?" - e se eu não soubesse? Saí por aí muitas vezes caminhando na direção de um nascente qualquer ou de um poente preguiçoso. Ia em busca de uma luz especial, uma sombra, não para descansar, mas para inseri-la no contexto dessa luz que havia encontrado, dando especial forma a um rosto, a uma paisagem, um beco, um portal, uma criança, uma ruga.
Certa vez, eu me perdi na terra de Papai Noel, nos confins da Finlândia, caminhando por uma trilha da floresta de eucaliptos. O silêncio era de doer nos ouvidos, mas era um silêncio mágico que atraía, que envolvia e, depois de muito caminhar, não sabia mais de onde tinha vindo nem como fazer o caminho de volta.
Senti um aperto no peito, uma verdadeira sensação de estar perdido em um lugar extremamente longe demais: a Laplândia, onde se fabricam os brinquedos das crianças do mundo inteiro que acreditam em Natal...! Não carregava uma bússola, não tinha noção de nada e o caminho que me trouxera até ali se cruzava com muitos outros... Eram rastros de trenós. E aí, parei.
Olhei para um lado, para o outro. Acima de mim, um céu de estrelas brilhantes como jamais houvera visto em toda a vida. Estavam todas fora de lugar. A estrela que indicava o Norte não indicava mais nada. Eu já estava no Norte. E o Cruzeiro do Sul? Nada. A sensação de estar perdido era mais sufocante ainda por não escutar o som de absolutamente nada...
De repente, o uivo distante de um lobo. Onde eu fora me meter? Imagine-se dentro de um enorme salão bebericando uma boa taça de vinho... E aí, tudo fica às escuras. Onde estaria uma mesa para pousar a taça? Onde estaria a garrafa do vinho? Onde estaria o rosto simpático que congelou na nossa memória justo quando tudo escureceu? Ora, dentro em breve, estaríamos vendo a mesa, a garrafa e até o rosto, mas o céu não acende suas luzes quando não é noite de Lua.
Lembro que ri. Não sei de que, mas ri. Talvez debochando de mim mesmo. E agora? Quando saíra do hotel, a temperatura era de 26 graus abaixo de zero. Se ficasse parado, poderia congelar. E antes que o pavor desse lugar ao desespero, uma cortina de luzes verdes começou a se agitar no firmamento. A Aurora Boreal começara seu espetáculo naquela noite especial! Podia até morrer, mas morreria assistindo a um dos maiores espetáculos da Terra. E pensei: a Aurora Boreal acontece no Norte, então, ali era o Norte. Basta voltar na direção contrária. E voltei feliz para o Sul...

Crônica semanal de Luis Fernando Veríssimo


Eu e ele, por Luis Fernando Veríssimo

No vertiginoso mundo dos computadores o meu, que devo ter há uns quatro ou cinco anos, já pode ser definido como uma carroça. Nosso convívio não tem sido muito confortável. Ele produz um texto limpo, e é só o que lhe peço.

Desde que literalmente metíamos a mão no barro e depois gravávamos nossos símbolos primitivos com cunhas em tabletes até as laudas arrancadas da máquina de escrever para serem revisadas com esferográfica, não havia maneira de escrever que não deixasse vestígio nos dedos.
Nem o abnegado monge copiando escrituras na sua cela asséptica estava livre do tinteiro virado. Agora, não. Damos ordens ao computador, que faz o trabalho sujo por nós. Deixamos de ser trabalhadores braçais e viramos gerentes de texto. Ficamos pós-industriais. Com os dedos limpos.
Mas com um custo. Nosso trabalho ficou menos respeitável. O que ganhamos em asseio perdemos em autoridade. A um computador não se olha de cima, como se olhava uma máquina de escrever. Ele nos olha na cara. Tela no olho.
A máquina de escrever fazia o que você queria, mesmo que fosse a tapa. Já o computador impõe certas regras. Se erramos, ele nos avisa. Não diz “Burro!”, mas está implícito na sua correção. Ele é mais inteligente do que você. Sabe mais coisas, e está subentendido que você jamais aproveitará metade do que ele sabe.
Que ele só desenvolverá todo o seu potencial quando estiver sendo programado por um igual. Isto é, outro computador. A máquina de escrever podia ter recursos que você também nunca usaria (abandonei a minha sem saber para o que servia “tabulador”, por exemplo), mas não tinha a mesma empáfia, o mesmo ar de quem só aguenta os humanos por falta de coisa melhor, no momento.
Eu e o computador jamais seríamos íntimos. Nosso relacionamento é puramente profissional. Mesmo porque, acho que ele não se rebaixaria ao ponto de ser meu amigo. E seu ar de reprovação cresce. Agora mesmo, pedi para ele enviar esta crônica para o jornal e ele perguntou: “Tem certeza?”

Fernando Brito - escrito para sua filha

Escrito sobre a caneta

Disse a você que cabia um mundo dentro de qualquer pequena coisa, um simples objeto do dia-a-dia.
A caneta estava à mão e – que malandragem a minha! – a escolhi como tema.
Caneta é fácil!
Inda se fosse um prego, uma tampa de lata, um pedaço de biscoito, talvez precisasse ser poeta. Mas  caneta?
Caneta cabe um infinito dentro!
Mas a se a caneta é fácil, não é óbvia.
Não é uma caneta e pronto!
Um pedaço de plástico, com um canudo também de plástico por dentro, cheio de tinta, com uma ponta roliça – feita daquele palavrão, tungstênio – e uma tampa, é claro, pra tampar.
Não, isso seria fazer pouco caso da caneta, como quem olha uma pessoa e diz:  olha, lá estão cabeça, tronco e membros!
Caneta tem jeitos, intimidades, profundezas.
Está vendo esta da qual falamos?
Aparentemente transparente?  Pois ali dentro estão terras e mares, pessoas e bichos, amores, ódios, tristezas e sorrisos, como numa Arca de Noé onde sobrevivem à nossa falta de tempo.
Estão ali apertados, presos, olhando invisíveis, como que nos pedindo para que os libertemos, para voltar a ser m-a-r, a ser g-a-t-o, a ser c-ã-o, a serem os nomes que se confundem com eles próprios.
Veja aquela coluna azul, esta atmosfera de tinta onde estão estes viventes dos três reinos (quem disse que pedra e água não vivem?) .
Para que eles sobrevivam, a caneta deve ser azul como um céu carregado de ar profundo.
Caneta que não é azul, é arremedo de caneta. Perde a vida profusa que toda ela deve conter.
Caneta preta? Cor de máquina, de computador, de letra de forma pré-moldada, de documentos e jornais, de verdades absolutas que não querem resposta, contestação. Preto é letra de forma, certa demais.
Vermelho é o contrário, cor de coisa errada, de nota baixa, condenação de nosso próprio escrito.
Roxo? Verde? Funéreo, um e plácido o outro, ambos demais. Já imaginou uma declaração de amor, um carinho, em roxo? Uma saudade, um adeus, em verde claro?
Azul, tem de ser azul a minha caneta, azul profundo e discreto, para que quem brilhe e chame a atenção seja a palavra escrita.
Além da cor, é importante para a boa expressão o estado da tinta. Como ensinam os professores de física, todo líquido toma a forma  daquilo que o contém.
E o que contém a tinta deitada sobre o papel é a palavra, se amoldando, líquida, ao que se quer dizer, sem faltar pedaços ou se derramar pelas bordas, deitada ou de pé conforme o talho do escrevinhador.
Além do estado físico adequado, deve a tinta gozar de bom estado de nervos.
Fria e esquecida nas gavetas, ela resseca; quente demais, tem o mau hábito de estourar, de preferência no bolso das camisas novas, de vez que canetas devem ser conduzidas sempre perto do coração.
Agora tratemos das vantagens da caneta sobre o lápis na escrita, na qual reina absoluta, deixando ao seu primo o império dos desenhos.
A tinta é indelével, como diziam as embalagens engraçadas dos tinteiros de antigamente, enquanto o grafite se apaga com a borracha.
De um lado, isso condena o arrependimento e o erro com a punição do rabisco evidente, envergonhante.
De outro, dá-nos a sensação de eternidade: risco na pedra, entalhe na árvore, destinados a sobreviver ao escritor e seus sentimentos.
Todos nós queremos ser vistos, queremos ser lembrados. Quem não quer uma máquina fotográfica, uma filmadora? E como, por nascimento ou idade, uma certa hora acabamos sendo mais bonitos por dentro que por fora, a caneta acaba nos dando os melhores retratos, os mais expressivos, os mais verdadeiros.
Canetas têm múltiplas utilidades. Além de escrever, servem para tirar cera do ouvido, emprestam suas tampinhas para esgravatar a sujeira das unhas e transmudam-se em zarabatanas para os moleques atirarem bolinhas de papel na nuca dos professores. Mas, além disso, já foram – ainda são – tantas outras coisas…
Já foram espadas, flechas de Cupido, cetros de reis sábios, chicotes de tiranos, serviram de grades de prisão, alfanjes no pescoço dos condenados, chaves para algemas de presos, tanta coisa…
São objetos poderosíssimos que, com um ajuste ali, outro aqui, vêm desafiando os séculos.
Dizem até que são encantadas, varinhas de condão detentoras do poder misterioso de materializar os nossos sonhos.
Termino aqui esta minha ode à caneta, que escrevi com uma delas, no ônibus, e passo a limpo no computador.  Corrijo, assim, discretamente, as vacilações da mente e a insegurança da mão humanas.
É que a caneta, ela sim, é uma máquina perfeita, delicada demais para um bruto como eu.

A vida tem sentido?

Entardecer: a viagem ao começo da noite
“Vi o fim de mil vidas, de jovens e velhos. E cada um deles estava tão seguro de sua realidade, de que sua experiência sensorial formava um indivíduo único, dotado de propósito, de significado, tão seguro de que era mais do que um fantoche orgânico. Bom, a verdade sempre aparece, e todo mundo percebe que, quando as cordas são cortadas, todos caímos.
Não importa se eles já estão mortos, você ainda consegue ler em seus olhos. E o que você vê? Que eles deram boas-vindas à morte. Não no início, mas exatamente no último instante.
Isso é um alívio inconfundível, pois antes eles estavam com medo e aí percebem pela primeira vez como é fácil simplesmente se entregar.
E eles percebem naquele último nanosegundo que eles, que você, você mesmo, que todo esse grande drama não passa de um ajuntamento de presunção e de tola vontade, e que você pode finalmente se deixar levar, agora que não precisa suportar tudo com tanta firmeza, e ver que sua vida, que todo seu amor, seu ódio, suas lembranças, sua dor, tudo isso foi uma mesma coisa: tudo o mesmo sonho, um sonho que você teve dentro de um quarto trancado em sua cabeça, um sonho sobre ser uma pessoa.”
Ao lermos essas palavras, ditas pelo personagem Rustin Cohle (interpretado pelo vencedor do Oscar, Matthew McConaughey) do seriado True Detectives, é quase impossível resistir à tentação de clicarmos em outra aba do navegador, consultarmos outra notícia qualquer ou qualquer atualização no Facebook.
Os mais descuidados em relação às suas próprias vidas, os menos interessantes dentre os seres humanos podem até esboçar uma frase padrão como “bobagem, o importante é deixar a vida me levar” e recorrer a alguma difusa lembrança sobre suas convicções espirituais — mas nada muito complicado ou sério porque cansa.
Trata-se de puro instinto de autopreservação.
As palavras do personagens são quase tóxicas, radioativas para nossos egos, ciosos que somos de nossa importância.
Porém, há uma desonestidade fundamental em lermos essas palavras e desviarmos nossos olhos delas sem ao menos uma detida reflexão. E se trata do pior tipo de desonestidade: aquela que cometemos contra nós mesmos.
É desonesto não porque as palavras de Rustin sejam necessariamente verdadeiras, mas porque só podemos ser francos diante de nós próprios após experimentarmos a visão de mundo que nos é duramente proposta por elas, encarando a questão sobre se tais palavras descrevem ou não uma verdade. Afinal, o personagem Rustin e todos aqueles pensadores e filósofos reais que ele representa não pretendem expressar uma opinião, mas descrever um fato.
Então, se a descrição feita for falsa, apenas perderemos um pouco de nosso tempo com uma bobagem. Mas se a descrição for real, então nossa desonestidade resultará em que só descobriremos a verdade sobre nossas próprias vidas quando esse conhecimento não for de utilidade alguma.
E acontece que mesmo uma verdade dura, amarga, é mais útil e preciosa para nossas vidas do que todas as ilusões coloridas que possamos ter a respeito dela, e acredito nisso pois tenho um lema que me guia: às vezes há uma grande potência em reconhecer o quão pouco se pode. Leia mais>>>

Trabalhadores dão vida aos livros de Luiz Ruffato







Boletim de notícias da Rede Brasil Atual - nº 27 - São Paulo, 21/abr/2014
http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/93/reflexoes-sobre-um-golpe-em-nossa-historia-1268.html

Trabalhadores dão vida aos livros de Luiz Ruffato

De origem pobre no interior de Minas, escritor faz de trabalhadores urbanos e subempregados seus protagonistas. Para ele, a democracia só será plena com educação


http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/93/historias-mal-contadas-5536.html

Drogas: política paulista se baseia em modelo fracassado dos Estados Unidos

Para psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, no Brasil ainda se luta por direitos básicos que na Europa vigoram há décadas

http://www.redebrasilatual.com.br/blogs/helena/2014/03/eduardo-cunha-afunda-o-pmdb-ao-comprar-briga-com-internautas-no-marco-civil-2616.html

Flávio Aguiar: Gabo e um milagre chamado Vietnã

Leitura do artigo 'The Vietnam Wars' me despertou para um outro Gabo, tão fascinante quanto o primeiro. Era o repórter, no caso, do Vietnã do pós-guerra

http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/93/lousa-giz-e-chumbo-1093.html

Portugal: 40 anos depois, praga do mercado ameaça os cravos

No aniversário da revolução que interrompeu décadas de autoritarismo, o sistema econômico avança sobre a democracia

http://www.redebrasilatual.com.br/educacao/2014/03/alunos-professores-e-funcionarios-da-usp-leste-debatem-exigencias-para-novo-campus-5834.html

Federais ampliam em 176% as vagas para cotistas

Para estudantes brancos de escolas públicas e de baixa renda, o crescimento foi de 29,5%, segundo pesquisa da UERJ. Já nas estaduais avanço é menor. Resistência é maior em SP

Reconstituição confirma que policial atirou contra Douglas antes de sair da viatura

Há sete meses, jovem morreu sem saber por quê na periferia de São Paulo. PM diz que arma disparou quando sua mão foi atingida pela porta 

http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/93/o-brasil-da-midia-e-o-pais-real-2268.html

Mauro Santayana: o Brasil e a distorção econômica

Encaminhar-nos para o modelo de subordinação é o verdadeiro objetivo da campanha de contrainformação. Não podemos permiti-lo