Nem de não ter batido palmas e sacudido bandeirinhas para o juiz Sérgio Moro enquanto este tratou da demolição política do PT.
Portanto, é bom levar a sério o que ele diz hoje,
em sua coluna na Folha, mesmo ele cumprindo o papel histriônico do tucanato.
Moro já é candidato. E sacio a fome de complemento de quem não suporta a gramática da dúvida: é candidato “a alguma coisa”. Que ele já não caiba mais no molde do juiz, disso estou certo.
Mandam-me um vídeo em que o “esposo”, Moro, lê o trecho de um discurso de Theodore Roosevelt contra a corrupção. O americano, que falava suavemente, carregava, como se sabe, um grande porrete, o imortalizado “big stick”. Encerra a gravação sem esquecer de um agradecimento: “E fica essa leitura aí para ser apresentada nessa página, que é mantida, muito gentilmente, pela minha querida esposa”.
A tal página, no Facebook, é a “Eu MORO com ele”. Traz, logo na abertura, uma foto com as palavras “DE AMOR POR VOCÊ”. No primeiro caso, um trocadilho; no segundo, uma elipse trocadilhesca: “[Moro] de amor por você”. Assim, já se sabe a quem remete o pronome “Ele”, que não mais substitui um nome, um substantivo, mas alude a um mito em fermentação.
A página da “minha [dele] gentil esposa”, para a qual “Ele” grava vídeos, faz a defesa do fim do foro especial por prerrogativa de função, chamado, sem a devida vênia jurídica, de “foro privilegiado”; reproduz a foto de uma criança de oito anos que se fantasia com os “pretos sobre preto” da vestimenta do juiz; faz militância política aberta sobre temas que estão por aí, em trânsito.
Em suma, “Eu MORO com ele”, “muito gentilmente tocada” por sua “querida esposa”, é uma página de militância política. Inclusive contra o Supremo, para onde vai boa parte dos políticos da Lava Jato com foro especial. Sugestão evidente: “Ele” pode fazer Justiça; já aqueles do STF…
E que mal há na existência de uma página com essas características? Nenhum! Desde que “Ele” não concentrasse hoje poder de vida e morte sobre a reputação de pessoas num mercado do qual “Ele” decidiu fazer parte.
É que há várias comparações possíveis: a mais comum, a de Platão, que em sua Carta VII, relata as três viagens feitas por ele ao reino dos Dionísios, realizadas na esperança de transformar os governantes tiranos, primeiro Dionísio, o Velho e depois Dionísio, o Jovem, em filósofos-reis.
Mas há outro tirano de Siracusa, o Áglatocles, do qual tomo o resumo biográfico feito pelo professor Carlos Fernandes Filho, da Universidade Federal de Campina Grande:
Tendo se distinguido na guerra, o conselho de governo de Siracusa, os oligarcas, temendo que ele aspirasse à tirania, deu ordens para eliminá-lo. Obrigado a fugir e, apoiado pelos cartagineses, tornou-se chefe de hordas e formou um exército no exílio, interior da Sicília. Assumiu a causa dos pobres contra a dos oligarcas, sublevou os soldados e conduziu o seu exército para a cidade, ordenando-lhes que saqueassem e matassem todos os membros do conselho (322 a. C.).
E, assim, aclamado pelos sobreviventes, foi eleito único general da cidade, tornou-se rei da Sicília e conhecido como o último tirano de Siracusa. No poder prometeu a remissão das dívidas e a repartição das terras entre os pobres, restabeleceu a hegemonia de sua cidade na ilha e agiu com moderação durante algum tempo. Investido de grande poder pessoal adquirido com o apoio do pobre, partiu contra a supremacia de Cartago. (…)Cruel e extravagante, pediu ajuda ao faraó Ophelas que acreditou em suas ofertas e marchou com suas tropas em seu socorro. Em sua estratégia, assassinou Ophelas e declarou-se senhor do seu exército. Sitiou, a seguir, Utica, mas temendo que seu filho Archagathus estivesse suscitando descontentamento no exército, voltou secretamente à Sicília.
Revoltados com a sua deserção, os soldados assassinaram Archagathus e seu outro filho. Enfurecido, matou todos os homens, mulheres e crianças de Siracusa que tinham parentesco com qualquer soldado do exército revoltoso. Depois capturou Egesta, onde promoveu uma matança geral contra homens da cidade e saqueou sua riquezas. As jovens e as crianças foram vendidas, como escravas, aos bruttii, no continente.(…) Doente de câncer, morreu envenenado por um de seus netos,Arcagetes, aos 71 anos, e seus bens foram confiscados e a democracia foi restaurada.
Dr. Moro eu juro que é esse o nome do neto, Arcagetes, sem “U” depois do “g”. Não posso crer que o “Tio Rei” esteja incitando à violência, como em relação ao Savonarola não se estava sugerindo incinerá-lo numa fogueira.
Não se zangue, Dr. Moro, porque Áglatocles em grego quer dizer “honesto”. Ele era sogro de Pirro. Isso, aquele Pirro cuja vitória, se se repetisse, encontraria todos mortos.