[...] Ao contrário do que repetem à exaustão seus demonizadores, o PT é o partido brasileiro mais profundamente comprometido com a democracia. Um olhar cursório sobre a história política do Brasil nos últimos 30 anos facilmente leva a essa constatação, que nada tem a ver com o fato de contar com antigos "revolucionários" entre seus principais quadros.
Mas há algo de inexperiência também.
Quando FHC chegou à presidência trouxe consigo a experiência do seu próprio partido em grandes governos estaduais (SP, por exemplo) e, especialmente, o traquejo de longa data dos pefelistas (agora demistas) no manejo da máquina estatal federal ao longo dos 20 e tantos anos de ditadura.
Por isso, jamais titubeou em se cercar de todas as garantias contra marolas, crises institucionais e todo o resto que é capaz de atrapalhar o transcorrer normal de um projeto de governo (que, no caso dele, como sabemos, não existia).
Daí a proeminëncia de figuras como Gilmar Mendes, Ellen Gracie e Geraldo Brindeiro.
FHC jamais nomeou um ministro, um procurador, um magistrado do TCU, um líder no congresso ou qualquer outro agente de administração ou fiscalização que lhe pudesse causar problemas.
O mesmo fazem os governadores, todos os governadores do PSDB (a inofensividade do MP paulista dá provas históricas disso).
O que vimos ao longo desse ano mostra que os tucanos é que fizeram e fazem certo e que não há outra maneira de proceder, por mais que isso desaponte as nossas mais legítimas expectativas de transparência.
Do ponto de vista dos ideais republicanos, é claro que pode-se, e talvez deva-se, chamar esse modo de organizar e garantir o funcionamento do governo de "aparelhamento".
Mas talvez seja razoável, também, desconfiar um pouco do ideal.
Porque de fato é absurdo que, em nome de uma suposta independencia ou republicanismo, órgãos de fiscalização e de magistratura (e aí deve-se incluir também o TCU, a CGU e a PF) se lancem a conspirar entre si e com a imprensa e a oposição para não dar descanso ao governo legitimamente escolhido para dirigir o país, não perdendo oportunidade de provocar uma crise, levantar uma suspeita, atrapalhar e conturbar o exercício normal das funções de governo por aqueles que o povo escolheu.
Se isso é republicanismo, legalismo ou proteção ao estado de direito precisamos repensar se devemos, de fato, atribuir um valor absoluto a essas altissonantes formas de ação.
Na prática, esse procedimento parece tornar o exercício democrático do governo impossível - sem que, de outro lado, tenhamos a compensação de saber com a certeza devida que a justiça e a equidade estão sendo efetivamente servidas por quem está ali para guardar a constituição e a lei.
Enfim, parece-me que, neste ponto particular, o governo e o PT precisam fazer uma profunda e alentada reflexão sobre qual o melhor modo de proceder - para que não se coloque em risco, como está acontecendo, em nome de ideais abstratos e, pelo menos no nosso contexto, sem nenhuma efetividade objetiva, um projeto de governo que tem sido reiteradamente chancelado pela imensa maioria do país.
O que tem acontecido na prática é que o país tem sido feito refém por um grupo diminuto de illuminati (na magistratura, na imprensa, etc), que, apesar de excelentes na arte de tumultuar, não parecem ter qualquer noção do que fazer para o bem do país - incapazes que sempre foram e são de apontar um caminho e de exercer uma liderança positiva que vá além de tirar o maior benefício possível do poder (o que eles sabem muito bem).