AP 470 insólitas prisões

"Quatro da madrugada: instante entre a noite e o amanhecer, quando as decisões lá no topo já se firmaram, quando o que deverá acontecer já aconteceu. Alguém bate à porta, urgente. Quem é? Não se sabe."
Com essa matriz política, Jan Kott abre sua reflexão sobre o golpe de Estado urdido em "Ricardo 3º", peça em que a violência dilacera as tramas do cotidiano: súbito, a força física e a intimidação moral irrompem nos afazeres, no lazer, no sono. "Quem dentre nós, pelo menos uma vez na vida, não foi assim despertado?" O ensaio de Kott sobre "Ricardo 3º" faz dessa figura uma grande metáfora da "húbris" política, desvelando a essência do ato despótico e sua perene ameaça.
Assistimos, aqui e agora, à reiteração dessas práticas. As detenções dos réus da ação penal 470 ocorreram após um processo transparente, mas o foram com bizarria do prisma ético. Sua imposição intempestiva, em longo feriado, valeu-se do emblemático Dia da República e da suspensão, no calendário, de três dias úteis. Pergunta-se o porque da pressa: Joaquim Barbosa valeu-se do recesso para decidir sozinho, ignorando seus pares?
A efetivação repentina dessas prisões, após um lento processo, insere o monopólio estatal da força física no cotidiano das pessoas. Noite que enseja emboscadas, ou feriado que paralisa a vida pública e privada, ambas as situações cancelam as garantias constitucionais.
Não visamos, aqui, a procedência das prisões, mas seu arbitrário "modus faciendi". O uso do feriado não é inédito nas práticas políticas autoritárias: entre nós, basta citar os ardilosos planos econômicos, como o de Collor. Há mesmo uma história dessas tocaias: nas imagens acentuadas por Kott, o golpe de Ricardo 3º condensa-se na semana de Todos os Santos e Finados, tropos polissêmicos onde o dia dos mortos e o morticínio do tirano conjugam-se: os assassinatos, processos e decapitações não por acaso efetivam-se quando a vida social está suspensa, em luto. Inglaterra elisabetana ou República brasileira, a conivência com tais condutas resulta na mesma inversão de valores e práticas já presentes na democracia grega e sintetizadas por Platão como raízes do poder tirânico.
Por fim, completando os atentados à cidadania, juntas médicas ratificaram o desrespeito a um preso doente. No laudo sobre a saúde de José Genoino, afirma-se que ele pode suportar o cárcere: bastam remédios, dieta, exercícios regulares e (pasme-se!) evitar "fatores psicológicos estressantes". Os doutores ironizam ou ignoram o que significa uma prisão, enunciando um oximoro: cadeia sem trauma.
As juntas que se pronunciaram sobre Genoino --e talvez as que examinam Jefferson-- esqueceram-se de que avaliam prisioneiros cujas vidas não se assemelham à dos pacientes abstratos cujos diagnósticos pautam-se pelos parâmetros rotinizados oferecidos pela tecnologia médica. Lendo seus pareceres, tem-se o sentimento de que a submissão aos poderosos avalizou tais contrassensos. Tanto mais grave torna-se essa conduta quando distinguimos a atual crise nos meios médicos brasileiros e lembramos o quanto a bioética vem sendo debatida mundialmente.
Após a renúncia de Genoino, as circunstâncias de sua captura podem parecer episódicas, mas, nelas, o imprudente uso do poder evidencia o vezo, perene no Estado brasileiro, de afrontar o cidadão.
A crítica ao "modus operandi" das prisões não implicam tolerância ao crime; pelo contrário, ela pressupõe que sentenças legais não autorizam sua execução ilegítima.
Vale recordar que as denúncias contra a democracia martelam a tese de que nela é ínsita a impunidade. Já dizia Platão ao invectivar o regime ateniense das liberdades que, na polis "licenciosa", condenados à morte ou ao exílio não "deixam a praça, circulam em público, como se fossem indiferentes a todos, invisíveis, como fantasmas de heróis". Pelo visto, alguns magistrados são platônicos e gostariam de banir a democracia para sempre.
MARIA SYLVIA CARVALHO FRANCO é professora titular aposentada de filosofia da USP e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

depois de censores togados, jornais-censores

A Associação Nacional de Jornais (ANJ) estuda a possibilidade de acionar o grupo espanhol Prisa, editor do diário El País – um dos melhores do mundo –, por infringir os preceitos constitucionais do artigo 222 da Carta Magna de 1988, que impõe um limite de 30% à participação estrangeira no capital das empresas de comunicação sediadas no país.
A notícia saiu praticamente igual – quase um release – na Folha de S. Paulo (27/11) e no Estadão (29/11), motivada pelo lançamento, no dia 26/11, do esplêndido e oportuno site do jornal em português.
Na pátria do corporativismo até mesmo a grande imprensa é contra a livre concorrência e a favor da reserva de mercado. A ANJ é uma intransigente defensora da liberdade de expressão – exceto quando esta liberdade confronta os interesses comerciais dos associados.
O artigo 222 da Constituição foi alterado às pressas em 28/05/2002 porque o empresariado de comunicação temia que o assunto fosse decidido no eventual mandato de Lula da Silva, àquela altura cotado para sair vitorioso no pleito presidencial de outubro seguinte (ver "Reforma do Artigo 222 abriu setor ao capital estrangeiro").
O texto da emenda foi supervisionado pelas entidades corporativas (ANJ, ANER, ABERT) e, graças a esta vigilância, previa que os limites para a participação estrangeira estendiam-se aos veículos de comunicação social “independente da tecnologia utilizada”. Para contentar a FENAJ foi incluída uma cláusula oriunda do artigo 221 que exigia a presença de brasileiros natos no comando e nos quadros intermediários dos veículos com capital estrangeiro.
Àquela altura, grandes grupos jornalísticos brasileiros já haviam negociado com grupos internacionais a venda de seus ativos em áreas não-essenciais, especialmente gráficas. Capitalizaram-se confortavelmente sem ferir a lei que patrocinavam com tanto empenho.
Ao denunciar a manobra neste OI este observador foi acusado de “mentiroso” por um jornalão. Ganhou a questão na justiça, mas abriu mão de qualquer indenização por danos morais. Como castigo o OI foi obrigado a mudar de provedor.
Práticas inquisitoriais
É possível que a bela iniciativa do El País tenha amparo legal. À primeira vista não tem. O mais importante é que tem um poderoso amparo moral, social e político.
Além de xenófoba e mesquinha, a ameaça da ANJ fere os legítimos anseios da sociedade brasileira por uma imprensa pluralista e diversificada. Fere os princípios da solidariedade institucional que ao longo de quatro séculos garantiu a sobrevivência do chamado “Quarto Poder” nos quatro cantos do mundo. Fere, sobretudo, os jornalistas brasileiros contratados para produzir e adaptar o material em português, hoje na rua da amargura depois das demissões em massa ocorridas a partir de abril.
Neste país tão afeito às práticas inquisitoriais não será de estranhar que depois de juízes favoráveis a mordaças agora apareçam jornais-censores.

por Alberto Dines no Observatório da Imprensa

privilegiados e perseguidos

No país da novilíngua, direito assegurado em lei é tratado como privilégio
 
Há muito tempo nós sabemos que o uso de palavras inadequadas é uma das formas menos inocentes e mais eficazes de manipulação política.
 
Permite esconder a realidade, confundir o cidadão comum e estimular reações que não têm apoio nos fatos.  
 
Estudioso aplicado dos regimes stalinistas, a quem acusava de manipular uma ideologia igualitária criada pelo pensamento comunista para construir uma  ditadura opressiva, George Orwell criou o termo novilíngua para explicar o fenômeno.
 
Com isso, explicava, era possível fazer uma coisa – e fingir que se praticava seu oposto.  
 
Cinco décadas depois da morte de Josef Stalin, velhas técnicas stalinistas de propaganda foram despidas de sua origem primeira e servem a qualquer causa, a qualquer ideologia, mesmo a mais conservadora: esconder  fatos desagradáveis, falhas humanas, gestos incoerentes, contradições e mesmo mentiras.
 
É tudo retórica. Seu método, no entanto, é o mesmo. Consiste em usar uma questão real para deformá-la ao sabor de propósitos  e conveniências de momento.  
 
No Brasil de 2013 a novilíngua está na primeira página dos jornais.
 
Empregar o termo “privilegiados” para se referir aos condenados na ação penal 470 e usar a expressão “privilégios” para se referir às condições no presídio da Papuda é prestar um favor desnecessário às autoridades comandadas por Joaquim Barbosa.
 
Um exame criterioso dos fatos mostra que, pelo contrário, desde o início o STF tomou  um conjunto de medidas jurídicas que é adequado classificar como perseguição em vez de prestação de favor ou benefício indevido.
 
Já era absurdo falar em privilégio para cidadãos condenados num julgamento “exemplar” onde foram aceitas várias medidas excepcionais e nada exemplares. Para quem ainda fica surpreso quando lê isso, vamos recordar rapidamente. Quem já está cansado de ouvir os argumentos, pode pular para o final do ítem “F”.  
 
 A) Negou-se o direito a um duplo grau de jurisdição, garantia constitucional reservada a todo brasileiro que não tem foro privilegiado e assegurado aos mensaleiros PSDB-MG  e também no DEM do Distrito Federal.
 
 B) Na falta de provas capazes de demonstrar a culpa dos réus além de qualquer dúvida razoável, aceitou-se uma teoria exótica, do domínio do fato, que não tem a mais remota ligação com o caso em questão.
 
 C) As penas foram agravadas artificialmente, em debates onde se disse, explicitamente, que a prioridade era garantir que os réus fossem encarcerados – e não que a justiça deveria ser feita.
 
 D) Os réus foram acusados de desviar R$ 73,8 milhões do Banco do Brasil mas a própria instituição nega, oito anos depois da denúncia, que qualquer centavo tenha sido extraído indevidamente de seus cofres.
 
 E) Os petistas foram acusados de encobrir o esquema através de contratos fictícios com o Banco Rural mas a Polícia Federal garante que foram verdadeiros e envolviam empréstimos reais.  
 
 F) investigações que poderiam ajudar na inocência de determinados réus até hoje se encontram sob segredo de justiça. O julgamento já acabou e o segredo continua.
 
 Também é errado falar em privilégio na fase de execução das penas. Presos num feriado de 15 de novembro, até hoje réus com direito a cumprir pena em regime semiaberto são mantidos em regime fechado – a última novidade é avisar que mesmo quem tiver conseguido trabalho fora da prisão deverá, em nome da” igualdade,” aguardar no fim da fila pelo exame de seus pedidos. Sabemos o que isso significa, certo? Também sabemos que o fatiamento dos mandatos de prisão foi anunciado como uma medida que iria beneficiar os réus. Na prática, o que se vê é uma forma de garantir que fiquem em regime fechado – de qualquer maneira.
 
Os presos foram deslocados para a Papuda em dia de feriado nacional, num esforço obvio para usar seu infortúnio – a perda de liberdade é sempre um infortúnio para cidadãos convencidos de seu valor,  certo? -- como ilustração para um evento de propaganda.
 
Um preso como José Genoíno está proibido de dar entrevistas, o  que   atenta contra a liberdade de expressão.
 
Que privilégios são estes?  
 
Na realidade, o que se quer é negar o direito de uma pessoa pelo fato de que nem sempre ele se encontra ao alcance de todos.
 
Equivale a obrigar um cidadão a pagar,  como indivíduo, pelas irresponsabilidades e omissões acumuladas por gerações e gerações que estiveram a frente do Estado.
 
Qualquer calouro de ciência política sabe que, num país onde a distribuição de renda e a desigualdade seguem uma tragédia, a luta pela igualdade é necessária e positiva.
 
Mas, na situação atual, basta que os meios de comunicação, que definem o que é a opinião publicada, que muitos confundem com a opinião pública, tenham disposição de dar crédito a novilíngua quando ela convém. Pela falta de um componente indispensável a seu trabalho, o espírito críticos, eles  referendam a manipulação do “privilégio” e do “privilegiado.”
 
Na ficção de Orwell, a função do ministério da Verdade era divulgar mentiras, não é mesmo?
 
Só quem nunca abriu um gibi de sociologia acredita que a vida real é um simples decalque das planilhas de renda do IBGE.
 
A experiência demonstra que uma pessoa pode ser privilegiada, do ponto de vista econômico e social, mas perseguida – até com violência -- do ponto de vista político.  
 
Milionário, o empresário Rubens Paiva foi preso, torturado e massacrado num ritual animalesco sob o regime militar.
 
Mortos com um tiro na nunca, na guerrilha do Araguaia, quando estavam desarmados e dominados, dezenas de militantes do PC do B haviam saído de famílias de classe média, tinham diplomas universitários e seriam, em comparação aos demais brasileiros, cidadãos privilegiados.
 
E até hoje o Estado brasileiro não foi capaz de dar qualquer notícia sobre o paradeiro de Rubens Paiva nem desses estudantes do Araguaia,  situação que transforma a dor de seus familiares num sofrimento idêntico ao dos parentes de Amarildo, o humilde pedreiro torturado e morto pela PM numa favela do Rio de Janeiro em 2013.
 
Nenhum torturador de Rubens Paiva foi preso, nem julgado nem condenado. Idem para os estudantes do PC do B. Idem, possivelmente, para os carrascos de Amarildo.
 
Centenas de milhares de brasileiros são vítimas, todos os dias, da incompetência da policia para prender e controlar a violência de criminosos comuns. Milhões de mandados de prisão destinados a prender ladrões de automóvel, assaltantes de resistência, quadrilhas de sequestradores, não são cumpridos.
 
Vítimas de assalto e de roubo muitas vezes sequer se animam a fazer qualquer denúncia porque tem certeza de que será inútil – ou mesmo arriscado, caso tenham de identificar suspeitos.
 
Estrutura de classe? Privilégio?
 
Do playboy Doca Street ao doutor Osmany Ramos, sem falar em vários casos de médicos-monstro de nossos consultórios, e até banqueiros especialmente inescrupulosos, o inferno de nosso sistema prisional possui exemplos de habitantes dos degraus superiores que foram colocados atrás das grades.  Embora a impunidade seja grande, vez por outra até figurões do judiciário são apanhados e denunciados.
 
O discurso contra o privilégio dos prisioneiros da ação penal 470 também alimenta  uma operação de marketing político. É uma arma eleitoral, na realidade.
 
Procura associar a condição de riqueza e privilégio econômico a lideranças de um governo que tem um histórico reconhecido de combate a desigualdade na renda e na ampliação das oportunidades para os mais pobres. A tentativa é mostrar que todos os governos são iguais e que nenhum político tem valor.
 
É aquilo que os estudiosos chamam de desconstrução.
 
E assim voltamos ao período em que nasceu a novilíngua. Foi o tempo dos Grandes Expurgos, quando, através da violência e da ditadura, Josef Stalin eliminou uma geração inteira de combatentes e lideranças  da vida política da antiga União Soviética e consolidou um poder absoluto que manteve até a morte, quase vinte anos depois. 
 
“Morte aos cães!” gritava o procurador geral, Andrey Vichinsky. Aos condenados, punidos com a pena de morte, exigia-se que aceitassem suas penas, admitissem suas falhas, confessassem erros e, em especial, traições. Sim, esta palavra, traição, era essencial. O importante, de qualquer modo, era que morressem depois de confessar.  Não podia haver ilusão quanto a seu destino na história. Estavam condenados e precisavam admitir sua culpa, sua falha, sua fraqueza.
 
É assim que, 80 anos depois, em outro país, em outro contexto, sob outro regime, se fala em privilégios e privilegiados. É uma parte importante dos combatentes da ditadura, onde se encontram, e eu duvido que seja pura coincidência, os mais decididos, mais resolutos, mais corajosos, aqueles que mais estiveram comprometidos com mudanças reais e com a construção de uma democracia de conteúdo social, aliada dos mais pobres, dos excluídos, dos negros, que devem ser silenciados.
 
Um quarto de século depois da democratização do país, os brasileiros convivem, pela primeira vez, com um sistema plítico onde a polarização política reflete, menos remotamente do que gostariam nossos sociólogos da aristocracia, uma certa divisão de interesses de classe na sociedade. Não vamos criar fantasias nem caricaturas. Todos sabemos dos limites e falhas inesquecíveis do governo Lula-Dilma desde 2003.
 
Mas eu acho difícil negar que, apesar disso, os brasileiros  vivem uma situação nova na sociedade, onde as camadas inferiores obtiveram  direitos e conquistas.
 
Deixo para os historiadores e os eruditos verdadeiros e independentes, que não estão na folha de pagamentos da novilingua industrial, nem usam uma bola de cristal de uma cigana sobrancelhuda que só faz profecias para anunciar desastres, a tarefa de encontrar um outro governo, em nossa história, que tenha demonstrado um empenho tão profundo com a preservação do emprego, a melhoria do consumo e a distribuição de renda. Num período de capitalismo de abismo, este é o grande diferencial, a primeira fronteira, o ponto de partida, a luta inicial. É a resistência, num universo onde economistas do Estado mínimo dizem que comer bife todo dia é extravagância.  
 
É por causa disso que palavras fora do lugar, como “privilégio” e “privilegiados” têm tanta importância. É ali que está o alvo a ser atingido pela novilíngua.
 
Não são os prisioneiros, alguns competentes, outros trapalhões, outros as duas coisas. Talvez até haja corruptos entre eles, vamos admitir, até porque sabemos que podemos encontrar essas pessoas em todos os cantos de nosso universo político, em casos até mais cínicos e escancarados. Mas nós sabemos que, sem provas, isso é igual a nada.
 
O que se quer, muito simplesmente, é impedir o debate sereno de fatos e provas que podem mostrar o que houve – e não aquilo que se quer fazer acreditar que aconteceu no julgamento da AP 470. 
 
Paulo Moreira Leite na IstoÉ
Leia também: Omissão de togados faz o capitão-do-mato pintar e bordar

Você põe a mão no fogo por você?

O Conselho Nacional de Justiça lançou nas redes sociais uma campanha instigante. Tomando como mote o Dia Internacional de Combate à Corrupção, celebrado nesta segunda, 9 de dezembro, o órgão convidou o brasileiro a olhar, por assim dizer, para o próprio rabo.
O objetivo da campanha do CNJ é o de estimular o cidadão que se queixa da corrupção no setor público a ser mais ético também na sua vida particular. Quem compra um produto pirata, por exemplo, não está senão alimentando uma rede de criminalidade que envolve corrupção policial, sonegação de tributos e exploração de mão de obra ilegal.
No combate à ‘propinocracia’, o grito de ‘pega ladrão’ é muito útil. Mas convém olhar ao redor antes de soltar a voz. Quem molha a mão de um agente de trânsito para não ser multado comete o crime de corrupção ativa. Quem vende o próprio voto é um corrupto passivo.
O médico que faz ao cliente aquela fatídica pergunta —“com ou recibo ou sem recibo?”— está afirmando, com outras palavras, o seguinte: “Eu sonego imposto. E quem me ajuda a sonegar paga um pouco menos”. Eis a pergunta essencial: você levaria a mão no fogo por si mesmo?
Josias de Souza

O capitalismo falhou?

Sabe aquelas seitas que acreditam em extraterrestres e anunciam para seus seguidores que no próximo ano, no dia 28 de outubro, precisamente às 4:05, a raça superior vai chegar e salvar a humanidade? Claro, os extraterrestres nunca chegam. Mas isso não impede a seita de seguir acreditando. Apenas aumenta a crença.
Se essas seitas te soam desagradavelmente familares, me permita te fazer uma pergunta.
O capitalismo falhou? Ou, se preferir, ele está falhando? Deixe-me ser claro. Eu não quero dizer: o capitalismo é imprestável, inútil, péssimo. Eu quero dizer: o capitalismo está falhando em ser o melhor modo de organizar o trabalho, a vida e o lazer humanos?
Imagine um país chamado Capitalismoestão. Imagine que o emblema desse país fosse uma grande mão invisível. Em toda praça de toda a cidade, sua bandeira fosse estendida orgulhosamente. Preços fossem seus ídolos, mercados fossem seus templos, produtos suas orações, e todos soubessem a que a grande mão serve: aos imortais ideais de competição, autosuficiência, riquezas.
Onde o valor de um homem fosse medido por seus bens, a medida de tempo das pessoas fosse equivalente a quanto elas ganham, e, ao mesmo tempo, milhões de indivíduos trabalhassem diligentemente hora após hora nas chamadas “inovações”. Bons feitos divinamente ordenados por seus titãs, os mercados.
Mesmo assim, algo estava errado em Capitalismoestão. Toda sociedade estava afundando. As classes médias, colapsando. Já havia se passado uma década perdida, e outra estava por vir. Seus jovens tinham se tornado uma geração perdida, procurando desesperadamente por oportunidades. A renda média, estagnada por décadas.
A economia sofrido uma grande recessão, e então se “recuperado”, mas durante a “recuperação”, o 1% mais rico tivesse obtido 95% dos ganhos. Milhões tivessem encarado o desemprego crônico e a pobreza. A mobilidade social ruim e piorando. A expectativa de vida, caindo.

Em resumo, a vida no Capitalismo estão estava ficando menor, degradante, infeliz e dura. Enquanto isso, outras nações ricas – aquelas que não veneravam a mão invisível tão completa, total, obediente e inabalavelmente – prosperavam.

A história do Capitalismoestão soa como a dos Estados Unidos para você?
Agora, me permita refutar essa ideia.
Talvez o que é praticado nos Estados Unidos não tenha nada de capitalismo. Parece ser uma mistura tóxica de capitalismo para os pobres, esmagados em contextos Darwinianos brutais; e socialismo para os ricos, para quem parece não haver limites de empréstimos, subsídios e privilégios. É um coquetel letal de favoritismo para os poderosos e luta infindável para os fracos. Uma quimera.
Então o que é esse sistema instável se não é bem capitalismo?
Eu o chamaria de “Crescementismo”. Não é só um sistema ou um conjunto de regras. É um modo de pensar, uma ideologia, um agrupamento de estimadas crenças. E que se solidificou em um dogma. Um dogma que está obviamente falhando, mas não pode ser destruído, porque virou uma questão de fé, a crença central de um culto, cujos padres e ministrantes ameaçam misteriosa, terrível e divina vingança sempre que sua autoridade é questionada.
O Crescementismo diz: crescimento a qualquer custo. Quando há crescimento, há sucesso; quando não, há falha.
O Crescementismo está disposto a sacrificar tudo por mais crescimento. Até mesmo os direitos ditos inalienáveis que guiaram a sociedade. Você está preocupado com o aumento da espionagem extrajudicial em massa, ataques de drones, seguranças privadas, contratantes militares ou mesmo apenas com as ferramentas que fornecem para o governo e empresas privadas informações detalhadas sobre o que você diz, faz e busca? Pena! Essas são nossas indústrias do crescimento, e ai do que ou de quem estiver no caminho delas.
Quem se importa com liberdade de expressão, direito de reunião, ou direito de privacidade quando tudo o que precisamos são bons empregos geradores de crescimento? Empregos como se tornar mordomo ou empregada (ou coach, consultor e “prestador de serviço”) para os super ricos, que podem comprar o “direito” de não serem revistados, impedidos ou vigiados. Os céus impeçam as pessoas de protestarem. Ora, isso pode prejudicar o crescimento!
O Crescimentismo, então, é antiético com a democracia. Direitos humanos e políticos básicos, da perspectiva de um crescimentista, são incômodas fontes de ineficiencia que devem ser eliminadas, apagadas. Elas criam fricção social e tensão que fazem das pessoas trabalhadores menos produtivos e os encorajam a questionar, agitar, desafiar, rebelar e pensar. Droga! Nós não queremos cidadãos, queremos força de trabalho.
O Crescimentismo acredita que o crescimento é o grande ponto, o alfa e o omega, o único propósito de todo o esforço humano – e, portanto, todo o esforço humano deve ser direcionado para o crescimento.
Esse é o grande erro do Crescimentismo. Porque o crescimento não é um fim em si mesmo. É um meio. Um meio para, na melhor das hipóteses, expandir o eudemonismo, a capacidade de viver significativamente bem e feliz. E um meio, ao menos, para aumentar a liberdade humana.
E porque é um meio, não um fim, crescimento é necessário, mas não suficiente. Para que? Prosperidade. E em lugar algum isso é mais evidente que nos Estados Unidos, onde a economia está “crescendo” mas a maioria das pessoas abaixo de 40 anos está bem pior que suas gerações anteriores.
Mas esperem! O João da Silva agora tem riquezas com as quais nunca teria sonhado. TVs 3D gigantes com subwoofers do tamanho de pequenos países. Um venti-soy-latte-ccino maior do que um barril de cerveja… por $3.99! Logo, terá um carro voador, um robô-mordomo,uma casa auto-limpante, óculos falantes que te dizem a temperatura. É impressionante!
“Toda manhã eu acordo no lado errado do capitalismo”
Todos esses brinquedos são bons. Mas não são substitutos para sociedades funcionais ou real prosperidade humana; ou para o fato de que é necessária uma sociedade funcional para gerar real prosperidade humana.
Uma boa educação, transporte, energia, saúde, comunidade, comida, todos esses e outros são as fundações de real prosperidade. Real prosperidade não é ter um supergadget em todos os bolsos enquanto formação educacional, renda, riqueza, comunidade, oportunidades e expectativa de vida estão caindo e insegurança, solidão, pobreza, desigualdade estão em disparada.
Supergadgets que reduzam eu e você a algo como miseráveis zumbis obesos que nunca tenham lido um livro, não possuem direitos e não se lembram por que eles importam… bom, se esse é o lado positivo do capitalismo, talvez essa seja uma barganha que só um tolo aceitaria.
Se lembram das seitas que acreditam em extraterrestres? Eles nunca chegam. Os líderes dizem:
“Seguidores! Os extraterrestres se atrasaram em Júpiter. O próprio fato deles não estarem aqui é como sabemos que eles estão a caminho. Eles estarão aqui ano que vem, mesmo dia, mesma hora! Apenas aguardem!”
Soa familiar? É a história que o crescementismo segue contando a todos nós, sobre nossas vidas. Que um dia, se acreditarmos no poder mágico do crescimento, seremos salvos. Está logo após a esquina. A economia está pegando embalo. O PIB está crescendo novamente. Apenas segurem mais um pouco. Ah, as coisas não melhoraram pra você nesse trimestre? Elas com certeza vão no próximo!
Crescementismo é um tipo de seita. Como todas as seitas, nos pede para negar a realidade, para nos sacrificar, para cortar nossos laços com todos que amamos e para nos deixar levar por pensamentos místicos. Seus altos sacerdotes nos confortam com encantamentos que têm se mostrado simplesmente errados por décadas. Seus ministrantes recitam as preces que falharam, por anos, em nos trazer chuva. E ainda assim dizem: mantenham a fé. Um dia a salvação será sua.
O maior crime do Crescimentismo – e sim, é um crime, já que está nos custando, nesse momento, vidas que deveríamos estar vivendo, ao invés do dias em que ficamos limitados – é impedir a sociedade de desenvolver um conceito sofisticado de prosperidade. E consequentemente, de como alcançá-la. Ele está falhando por estar nos impedindo de ir além da antiga, enferrujada ideia de que posperidade se resume a coisas e adornos, bugigangas brilhantes e futilidades – e que, ao contrário, poderia ser saúde, amizade, propósito, sabedoria, resiliência, felicidade, um senso marcante de que nossos dias fizeram sentido.
Minha resposta, então, é essa. O Capitalismo virou Crescementismo. E o Crescementismo é para essa época o que a alquimia foi para uma passada. Uma fútil, mística e risível busca para transformar chumbo em ouro. Mas chumbo é apenas chumbo. E a verdadeira riqueza da vida é ter vivido com sentido.

“O alquimista em busca da pedra filosofal”, por Joseph Wright (1771)
O problema com alquimia é funcionar apenas ao nos dizer o que desesperadamente queremos ouvir: “Psiu, aqui está o segredo! A fórmula secreta! A receita escondida! – que nos deixa incapazes de pensar, sentir, sonhar, questionar, desafiar, rebelar”.
A ciência seguiu emperrada por séculos enquanto os alquimistas procuravam em vão pela Pedra Filosofal, a qual eles sabiam, apenas sabiam, que tinha de ser possível. E nós também estamos emperrados, atraídos pelo brilho sedutor do Crescementismo.
Mas nunca houve um atalho para transformar chumbo em ouro. E não há atalho para construir sociedades que funcionem, nas quais todas as pessoas tenham a chance de viver uma vida que importe. E, para cada um de nós, não há atalho para viver uma vida com propósito.
Então, talvez, seja hora para deixarmos esse culto. Os extraterrestres provavelmente não vão chegar. A quinquilharia barata de plátisco que nos rodeia provavelmente não vale o que pagamos – não só em dinheiro (ou melhor, em crédito) para tê-las, mas em liberdade, tempo e lágrimas.
Talvez seja hora de cada um de nós respirar fundo, dizer ao Crescementismo para se ferrar e trilhar nosso próprio e novo caminho.
* * *
Nota do editor: texto publicado originalmente na Harvard Business Review, traduzido com aval do autor. Agradecemos a Eduardo Pinheiro pela dica e a Anna Haddad pela ajuda na tradução.
Leia também: O padrão Veja de jornalismo

Não é fisiologismo

O PT não existiria sem José DIrceu.
Lula não existiria sem o PT.
Lula é grato.
Dirceu sabe disso .
Triste são os que postou"esquecem".
O melhor para o criminoso e condenado - sem provas - é que são os cães que ladram.

Parafraseando o DITADOR ernesto geisel - os filhos do roberto marinho vão bem. A Globo vai mal

São muitos os sinais de que a crise que se instalou no Jardim Botânico veio para ficar. 

Crescem os rumores de que a empresa não terá condições de honrar despesas e folha de pagamentos em 2014 e que, por isso, encomendou um estudo de cortes, sobretudo em relação aos salários pagos dos figurões. Pela primeira vez na história, a emissora tem no comando um gestor que veio do jornalismo, acostumado a baixos custos de produção. Ele estaria assombrado com o que tem visto na Central Globo de Produção, gastos que vão muito além dos padrões de mercado. 


 "Ali deve haver muita corrupção", diz um veterano, que já ocupou cargos de gestão. "Imagina-se que haja superfaturamento, coisas que funcionam assim há anos. E se ele mexer ali ele cai", conclui. Como sabemos que a corda sempre estoura do lado mais fraco, dificilmente os cortes atingirão as estrelas de primeira grandeza e sim os salários intermediários e os pequenos larápios, que como nos bancos "desviam clip e elástico". Mas o fato é que a sangria desencadeará vazamentos, matéria-prima para jornalista nenhum botar defeito em 2014. Afinal, "casa onde falta o pão, todo mundo briga e ninguém tem razão". E o que há por trás deste "fenômeno"? 

O cenário é de queda significativa no faturamento. Dificilmente a Globo conseguirá manter o BV, o bônus de volume, pago às agências de publicidade toda vez que ela concentra anúncios no mesmo canal. A razão? Queda na audiência. Não há argumento que prove ao anunciante que a manutenção de uma campanha nacional numa emissora é vantajoso, se ela não leva a mensagem ao público que promete. Estão portanto, diante de um enorme impasse, jamais visto antes. 


Analistas consultados por este blog dizem que é hora de "revisar índices". O anúncio de que as emissoras de TV concorrentes acabam de contratar outro instituto para fazer medições - utilizando, inclusive, mais medidores - está obrigando o Ibope, que sempre foi "da casa", a rever sua "metodologia".


Faz tempo que os dados são questionados. Desde a extinta TV Manchete, dos Bloch, que nos anos 90 desafiou a Globo nos terrenos em que ela se gabava de ter mais competência: telenovela, telejornalismo e nas grandes coberturas, como o Carnaval. No fim da mesma década, outro concorrente também acusou o Ibope de manipulação, o SBT. Silvio Santos chegou a banir os medidores de sua emissora, sinal de que não confiava nos números. Mas, nem n'um caso, nem n'outro, anunciantes, agências e TV Globo foram alcançados. 


Recentemente a TV Record engrossou o coro, acusando o Ibope de consolidar seus números para baixo e os da emissora concorrente para cima. Foi isso o que finalmente desencadeou a busca por um sistema de medição mais isento. Estava criado enfim o caldo de cultura necessário para questionar na prática a ética concorrencial da emissora dos Marinho. 


Sim, o que realmente está "pegando" para o lado deles é que pela primeira vez não há a sustentação política de outros tempos. Dia sim, outro também, a emissora apanha nas redes sociais. Suas ações e seus métodos são questionados o tempo todo. 


Em junho, uma multidão de manifestantes decidiu marchar em direção à filial da empresa, em São Paulo, para, sobre a Ponte Estaiada, novo cartão postal da cidade, gritar palavras de ordem contra a manipulação e o monopólio exercidos pelo grupo. "Aquilo criou uma instabilidade enorme. Ficamos com medo de invasão, de vandalismo. É como se tivéssemos virado escudo do patrão", disse um funcionário, que depois do expediente foi obrigado a esperar a multidão dispersar, antes de deixar o prédio naquela noite. 


Todos se lembram que jornalistas renomados passaram a ser hostilizados nas coberturas. Carros depredados e incendiados, reportagens abortadas por questão de segurança e um enorme esforço teve que ser feito nos meses seguintes para tentar resgatar a imagem e confiança da comunidade. Só que o estrago já estava feito. Hoje, a emissora é tratada com desprezo. Seu noticiário perdeu credibilidade e nem a recente dança das cadeiras implementada surtiu efeito. 


Fátima Bernardes e Zeca Camargo partiram para a linha de shows, o que para a Central Globo de Produção foi mais um sinal de que o jornalismo avança sobre a programação. Resultado: boicotes. Está difícil trabalhar em alguns programas, que viraram alvo de fogo amigo, ou seja, concorrência interna. Mais um fator de desestabilização. 


A pá de cal foi o escândalo de que a Globo operou em paraíso fiscal para burlar o fisco, e não pagar impostos. Dívida estimada, com multa e juros, em um bilhão de reais. Isso mesmo, um bilhão, tudo auditado, documentado, julgado, condenado, mas que não foi à cobrança por causa de uma ação espetacular, que teria envolvido suborno, subtração de documento de fé pública, chantagem, intimidação e até troca de tiros, o que trouxe à tona um modus operandi típico dos melhores roteiros dos filmes exibidos no Tela Quente. Há quem sustente que a emissora teria comprado os documentos roubados da Receita Federal mas que, no dia e local combinados, teria forjado um flagrante policial, com o requinte de enviar, inclusive, uma equipe de TV para cobrir o caso. 


Parece que desta vez, por mais que haja ainda alguma costura política em Brasília, a ordem é tocar o processo adiante. "Deixar a Globo Sangrar" seria o mantra entoado em Bossa Nova, bem baixinho, uma alusão à celebre declaração de Fernando Henrique Cardoso aos caciques tucanos, quando do escândalo do Mensalão e da possibilidade de impeachment do presidente Lula. Até hoje o processo surrupiado da Receita "não deu as caras". Mas é um dos melhores dossiês de campanha e chantagem soltos na praça. 


Ao figurar sorridentes em fotos que ilustraram a notícia de que hoje somam a maior fortuna do país, os irmãos Marinho também não contribuem em nada para melhorar a imagem do grupo. Num país injusto e desigual como o nosso, a notícia tem efeito devastador sobre a imagem do conglomerado. A opinião pública começa a achar, ainda que empiricamente, que eles são os típicos criminosos do colarinho branco. Pessoas que frequentam as colunas sociais, "descoladas", celebridades, mas que não valem, no jargão da turma que anda de trem: "uma marmita azeda". Com uma combinação dessas, o que esperar? Com a palavra nosso cultuado Marcos Valle: Hoje é um novo dia; De um novo tempo que começou; Nesses novos dias, as alegrias; Serão de todos, é só querer; Todos os nossos sonhos serão verdade; O futuro já começou... Procurada sem muito interesse em saber sua opinião, reconheço, a emissora não comentou.