É assim mesmo

E quero ver o covarde e terrorista EUA fique putim

Crônica dominical de Luis Fernando Veríssimo

Recebo outra carta da ravissante Dora Avante. Dorinha, como se sabe, diz que só Deus e o Pitanguy conhecem sua verdadeira idade, e confia na discrição dos dois. Ela confirma que foi a primeira mulher a fazer topless numa praia brasileira, mas nega que teve que parar porque o Padre Anchieta protestou.

Mesmo assim, a história da Dorinha se confunde com a História do Brasil e ela conta que o que alguns presidentes fizeram, figurativamente, com o país fizeram com ela, na cama — às vezes figurativamente também, suspira.

Dorinha mantém até hoje o que chama de “laços estreitos” com figuras importantes da República, mas nada que envolva arreios ou chicote. Ficou muito enternecida com o uso repetido do termo “Vaquinha” que tem visto no noticiário atual, porque era assim que chamava, carinhosamente, seu quarto ou quinto marido, entre outras razões porque nunca se lembrava do seu nome.

Dorinha e seu grupo de carteado e pressão política, as Socialaites Socialistas, que pregam a instalação no Brasil do socialismo soviético na sua etapa mais avançada, que é a volta ao feudalismo czarista, se reuniram para planejar sua participação no... Mas deixemos que a própria Dorinha nos conte. Sua carta veio escrita com tinta turquesa em papel rosa, cheirando a Engorge moi, um perfume proibido em vários países.

 “Caríssimo: roto-beijos!

É carnaval, e como acontece todos os anos, tivemos que escolher entre a purificação de nossas almas e uma profunda reflexão sobre a condição humana, saindo na Sapucaí, ou o abandono lascivo de um convento.

Você sabe como fiquei traumatizada depois do meu acidente há dois anos, quando desfilei como destaque fantasiada de Pássaro do Paraíso, perdi o equilíbrio e caí do pedestal, abanando freneticamente minhas asas de acrílico na vã tentativa de sair voando em vez de me estatelar no asfalto. Que vexame.

No ano passado decidimos que ninguém sairia de destaque, desfilaríamos todas no chão, com o povo, ou coisa parecida. Mas como só havia vagas na ala dos turistas, que na escola chamam de Ala Scholl, acabamos no meio de uma delegação do Rotary Club do Paraná que parou na frente do camarote da Brahma, para ver os artistas, e se recusava a andar, prejudicando nossa cronometragem.

Este ano resolvemos sair de Black Bloc Estilizado, com o rosto tapado e o resto do corpo completamente nu. Não sei qual será a reação das arquibancadas, e das autoridades. Por via das dúvidas, já preparei meu recurso infringente.

Da tua Dorinha, na expectativa.”

Jânio de Freitas - uma frase imensa

"Foi feito para isso mesmo" Joaquim Barbosa - presidente do STF -

Palavras simples, para uma frase simples. E, no entanto, talvez a mais importante frase dita no Supremo Tribunal Federal nos 29 anos desde a queda da ditadura.
Um ministro considerara importante demonstrar que determinadas penas, aplicadas pelo STF, foram agravadas desproporcionalmente, em até mais 75% do que as aplicadas a crimes de maior gravidade. Valeu-se de percentuais para dar ideia quantitativa dos agravamentos desproporcionais. Diante da reação temperamental de um colega, o ministro suscitou a hipótese de que o abandono da técnica judicial, para agravar mais as penas, visasse um destes dois objetivos: evitar o reconhecimento de que o crime estava prescrito ou impedir que os réus gozassem do direito ao regime semiaberto de prisão, em vez do regime fechado a que foram condenados.
Hipótese de gritante insensatez. Imaginar a mais alta corte do país a fraudar os princípios básicos de aplicação de justiça, com a concordância da maioria de seus integrantes, é admitir a ruína do sistema de Justiça do país. A função do Supremo na democracia é sustentar esse sistema, viga mestra do Estado de Direito.
O ministro mal concluiu a hipótese, porém, quando alguém bradou no Supremo Tribunal Federal: "Foi feito para isso sim!". Alguém, não. O próprio presidente do Supremo Tribunal Federal e presidente do Conselho Nacional de Justiça. Ninguém no país, tanto pelos cargos como pela intimidade com o caso discutido, em melhor situação para dar autenticidade ao revelado por sua incontinência agressiva.
Não faz diferença se a manipulação do agravamento de pena se deu em tal ou qual processo, contra tais ou quais réus. O sentido do que "foi feito" não mudaria conforme o processo ou os réus. O que "foi feito" não o foi, com toda a certeza, por motivos materiais. Nem por motivos religiosos. Nem por motivos jurídicos, como evidenciado pela inexistência de justificação, teórica ou prática, pelos autores da manipulação, depois de desnudada pelo presidente do Supremo.
Restam, pois, motivos políticos. E nem isso importa para o sentido essencial do que "foi feito", que é renegar um valor básico do direito brasileiro –a combinação de prioridade aos direitos do réu e segurança do julgamento– e o de fazê-lo com a violação dos requisitos de equilíbrio e coerência delimitados em leis.
Quaisquer que fossem os seus motivos, o que "foi feito" só foi possível pela presença de um fator recente no Supremo Tribunal Federal: a truculência. "O Estado de S. Paulo" reagiu com forte editorial na sexta-feira, mas a tolerância com a truculência tem sido a regra geral, inclusive na maioria do próprio Supremo. A sem-cerimônia com que o presidente excede os seus poderes e interfere, com brutalidade, nas falas de ministros, só se compara à facilidade com que lhes distribui insultos. E, como sempre, a truculência faz adeptos: a adesão do decano da corte, outrora muito zeloso de tal condição, foi agora exibida outra vez com um discurso, a título de voto, tão raivoso e descontrolado que pareceu, até no vocabulário, imitação de Carlos Lacerda nos seus piores momentos.
Nomes? Não fazem hoje e não farão diferença, quando acharmos que teria sido melhor não nos curvarmos tanto à truculência.
QUADRILHA
O resultado, na quinta-feira, da decisão do Supremo quanto à formação de quadrilha, não foi o noticiado 6 a 5 favorável a oito dos condenados no mensalão. Foi de 7 a 4. O ministro Marco Aurélio Mello adotou a tese de que era questão prescrita e reformou seu voto, que se somou aos dados, pela inocência dos acusados, de Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Teori Zavascki. Derrotados com a formação de quadrilha foram Celso de Mello, Gilmar Mendes, Luiz Fux e Joaquim Barbosa.

Crônica dominical de Paulo Coelho

O presente de insultos - Perto de Tokyo vivia um grande samurai, já idoso, que agora se dedicava a ensinar o zen budismo aos jovens. Apesar de sua idade, corria a lenda de que ainda era capaz de derrotar qualquer adversário.
Certa tarde, um guerreiro - conhecido por sua total falta de escrúpulos - apareceu por ali. Era famoso por utilizar a técnica da provocação: esperava que seu adversário fizesse o primeiro movimento e, dotado de uma inteligência privilegiada para reparar os erros cometidos, contra-atacava com velocidade fulminante.
O jovem e impaciente guerreiro jamais havia perdido uma luta. Conhecendo a reputação do samurai, estava ali para derrotá-lo, e aumentar sua fama.
Todos os estudantes se manifestaram contra a ideia, mas o velho aceitou o desafio.
Foram todos para a praça da cidade, e o jovem começou a insultar o velho mestre. Chutou algumas pedras em sua direção, cuspiu em seu rosto, gritou todos os insultos conhecidos - ofendendo inclusive seus ancestrais. Durante horas fez tudo para provocá-lo, mas o velho permaneceu impassível. No final da tarde, sentindo-se já exausto e humilhado, o impetuoso guerreiro retirou-se.
Desapontados pelo fato de que o mestre aceitara tantos insultos e provocações, os alunos perguntaram:
- Como o senhor pode suportar tanta indignidade? Por que não usou sua espada, mesmo sabendo que podia perder a luta, ao invés de mostrar-se covarde diante de todos nós?
- Se alguém chega até você com um presente, e você não o aceita, a quem pertence o presente? - perguntou o samurai.
- A quem tentou entregá-lo - respondeu um dos discípulos.
- O mesmo vale para a inveja, a raiva, e os insultos - disse o mestre. - Quando não são aceitos, continuam pertencendo a quem os carregava consigo.
Onde está o guarda-chuva
Ao cabo de dez anos de aprendizagem, Zenno achava que já podia ser elevado à categoria de mestre zen. Em um dia chuvoso, foi visitar o famoso professor Nan-in.
Ao entrar na casa de Nan-in, este perguntou:
- Você deixou o seu guarda-chuva e os seus sapatos do lado de fora?
- Evidente - respondeu Tenno. - É o que manda a boa educação. Eu agiria assim dessa maneira em qualquer lugar.
- Então me diga: você colocou o guarda-chuva do lado direito ou do lado esquerdo dos seus sapatos?
- Não tenho a menor ideia, mestre.
- O zen budismo é a arte da consciência total do que fazemos - disse Nan-in. - A falta de atenção nos pequenos detalhes pode destruir por completo a vida de um homem. Um pai que sai correndo de casa, nunca pode esquecer um punhal ao alcance do seu filho pequeno. Um samurai que não olha todos os dias a sua espada, terminará encontrando-a enferrujada quando mais precisar dela. Um jovem que esquece de dar flores a sua amada, vai acabar por perdê-la.
E Zenno compreendeu que, embora conhecesse bem as técnicas zen do mundo espiritual, havia se esquecido de aplicá-las no mundo dos homens.
Algumas reflexões do zen budismo

Contrato de união instável

Faz sentido artigos determinarem como devemos nos sentir?
Estou namorando há 1 ano e uns meses e, há algum tempo, decidimos morar juntos.
Depois de boas conversas sobre os rumos do relacionamento, ele se mudou pra minha casa, de mala e cuia. Imediatamente, uma luz vermelha piscou no meu painel de alerta:
“cuidado, isso pode configurar uma união estável”
Pra quem não sabe, juridicamente, uma união estável se assemelha a um casamento de fato e indica uma comunhão de vida e de interesses. Alguns dos requisitos legais da união estável são publicidade e estabilidade da relação, além da existência de um “caráter familiar”. Ainda que a coabitação não seja requisito essencial, é dado relevante usado pelos juízes pra determinar a intenção do casal de construir uma família (affectio societatis familiar).
O instituto é regulado pelo Código Civil – o que implica na regulamentação das relações patrimoniais do casal (divisão de bens) e na existência de regras pertinentes ao direito sucessório (questões relativas à herança).
Além da minha própria consciência, os bons e velhos amigos advogados, ao saberem da notícia, não falharam em lançar baldes de comentários precavidos: “vão fazer contrato de convivência?”, “faz, não custa nada!”, “melhor prevenir do que remediar”, “não preciso nem dizer, você já tomou todas as precauções, né?”, e um dos melhores, “tira isso da frente, Anna”.
Comecei então a pensar no que vou chamar aqui de “acordos afetivos” (como o acordo de união estável e acordos pré nupciais, por exemplo), com outros olhos, outros vieses.
A intenção do texto não é trazer informações jurídicas sobre os institutos, nem dissecar questões importantes relacionadas – como divisão patrimonial e sucessão. A ideia, aqui é trazer à tona outra perspectiva, mais sutil e humana, que também está por detrás dos contratos e é tão importante quanto todo o resto.
Compartilho, então, os estalos que tive.

1. Acordos afetivos são ótimos pra tapar o sol com a peneira

Os contratos são, em sua maioria, garantias. Eles existem para afirmar algo com valor legal, garantir suas cláusulas e exigir-lhes cumprimento caso alguma parte não obedeça o combinado. Ou seja, têm sua pitada de desconfiança, de proteção, de prenúncio da merda.
Nos contratos relacionados à uniões afetivas e casamentos, como o contrato de convivência e o acordo pré nupcial, isso fica ainda mais patente.
Em um acordo pré nupcial, por exemplo, o casal estabelece, por escrito, deveres e direitos de cada um quanto a compromissos legais, patrimônio existente, obrigações com os filhos, entre outros. Ok, bacana. Olhando assim, de relance, a gente tende a achar bom: indica que o casal está informado, sabe das grandes possibilidades do casamento não durar, de existir uma separação conturbada. Logo, um documento facilita os trâmites e desenrola a confusão demorada do divórcio.
Mas o que está por detrás dessas afirmações objetivas? Quais as motivações silenciosas, sutis que nos movem a assinar acordos pré nupciais de 101 páginas?
Será que, ao escolher definir regras, escrevê-las em um contrato e registrar em cartório não estamos, sem pensar, tomando uma boa dose de um placebo e desviando do fato de que precisamos colocar um bom tanto de esforço em cultivar uma relação verdadeiramente aberta, madura, com boas bases de confiança e diálogo?
Em termos práticos, porque é que estamos dizendo: não, imagina, a gente conversa, a gente confia um no outro, e, ao mesmo tempo, despejando um bando de cláusulas e regras em um papel, só para caso se…?
O que está sendo realmente construído pelo casal? Que tipo de relação o contrato está ou não maquiando?
Alguns advogados de família dizem que “contratos reforçam a confiança”. Eu prefiro dizer que “um diálogo aberto e a confiança reforçam a confiança”.

2. Acordos afetivos não criam uma realidade nova

De forma geral, os contratos estão aí para firmar, formalizar, algo que já existe de fato, ou que se pretende factivelmente praticar. Eles também vêm garantir que, caso haja descumprimento, quebra, o pacto seja cumprido à força, executado judicialmente.
Aprendi, à duras penas, que não adianta criar um universo paralelo perfeito, escrever no papel e colher a assinatura de testemunhas se tudo aquilo, de fato, não fizer sentido prático: se não houver real intenção e possibilidades objetivas de concretização.
No caso específico dos acordos afetivos, não faz o menor sentido determinar, formalmente e por escrito, modos de agir, se o casal não estiver, na vida, atento e disposto à cultivar uma boa relação.
Um exemplo de cláusula comum em acordos de união estável:
Será que uma cláusula pode garantir comprometimento, respeito e consideração?
A minha experiência como advogada (e ser humano) diz, com todas as forças, que não.

3. Não faz sentido fazer um contrato, então?

Nada disso.
Não estou dizendo, de jeito nenhum, que os contratos não funcionam, não têm utilidade. Pelo contrário. O questionamento aqui vai um pouco mais fundo, é um bocado mais delicado. E é aí que mora a armadilha.
Um acordo pode (e até deve) ser feito pelos casais que decidirem dividir a mesma casa, casar. Mas sem chutar pra fora do campo de visão tudo o que realmente importa.
A relação vale a pena? Te transforma, pra muito além da esfera do relacionamento? Questiona as estruturas postas de controle, apego, ciúme e desconfiança? Quais as bases que sustentam essa relação? Há uma comunicação minimamente tranquila, aberta e disposta? Quais são os medos, receios, condicionantes e ressalvas que ressoam forte dentro de cada um? Eles estão sendo vistos, colocados na mesa, trucados? Há cultivo de real parceria?
Em resumo, os contratos de convivência não são bons pra todos os casais. Podem vir como muleta para uma estrutura ruim, viciada, cega. Ou, do contrário, pra chancelar e cuidar de algo que já está sendo semeado. Aí sim. Um contrato pode ser bom pra um casal que já cultiva o que os contratos geralmente buscam alcançar.
"Tá vendo, esse fdp me pediu em casamento agora. Vou aceitar só pra ele aprender como as coisas funcionam comigo!"
“Tá vendo, esse fdp me pediu em casamento agora. Vou aceitar só pra ele aprender como as coisas funcionam comigo!”
Por isso, e depois de falarmos bastante sobre o assunto, Guilherme e eu resolvemos firmar, primeiro, um Contrato de União Instável.
ins.ta.bi.li.da.de
sf (lat instabilitate)
ato de variar, mudar
falta de permanência

A ideia por detrás é reconhecer o que já acontece no dia a dia da maioria dos casais. Talvez, botando em cheque as reais bases da nossa própria relação, exista alguma esperança de respondermos as perguntas lá de cima.
E aí, topa o desafio de fazer o mesmo? Para facilitar, disponibilizamos nossa primeira tentativa pra vocês.

* * *

Contrato de União Instável
Anna Haddad

É advogada faz-tudo. Inventa, planeja, provoca e escreve. Entrou em crise com o mundo dos diplomas e fundou a plataforma de crowdlearning Cinese. Acredita em Deus, no Mário Quintana, no poder de articulação das pessoas e em uma educação livre e desestruturada. Tá por aí, mais nas ruas do que nas redes.

Outros artigos escritos por 

Se mete EUA

El País
O presidente russo, Vladimir Putin, recebeu a autorização do Parlamento para utilizar as tropas russas na península onde se encontra principal base da Frota do Mar Negro. Com seu pedidoe posterior aprovação, Putin dá uma resposta afirmativa ao que era pedido tanto pelos senadores como pelos deputados russos. O presidente russo pediu o uso das tropas "pela situação extraordinária na Ucrânia e a ameaça que pesa sobre a vida dos cidadãos russos". Rússia decidiu intervir militarmente na Crimeia contrariando as advertências que tanto Europa como Estados Unidos tinham feito ao Kremlin. O pedido é feito em um momento de forte tensão na região ucraniana de Crimeia e depois da saída do presidente Viktor Yanucovich, deposto em uma revolta há uma semana.

"Tendo em vista a situação extraordinária criada na Ucrânia e a ameaça à vida de cidadãos da Federação Russa, de nossos compatriotas e dos efetivos do contingente militar das Forças Armadas da Rússia empregadas em território ucraniano (na República Autônoma da Crimeia), em concordância com o ponto 'g' da primeira parte do artigo 102 da Constituição apresento diante do Conselho da Federação o pedido de utilizar as Forças Armadas da Federação Russa em território da Ucrânia até a normalização da situação sociopolítica nesse país", diz o documento que Putin enviou à câmera alta do Parlamento russo.

Antes de o líder russo enviar o pedido oficial pedindo a autorização para utilizar o Exército em um país estrangeiro, a presidenta do Conselho da Federação ou Senado, Valentina Matvienko, dizia que não reconhece os novos dirigentes que governam em Kiev, e que deviam enviar um "contingente militar limitado" para garantir a segurança da Frota do Mar Negro e dos cidadãos russos que vivem ali. Matvienko disse que Crimeia, como república autônoma, e seus habitantes têm direito de decidir sobre seu destino. "Já teve tentativas de se tomar a sede do Ministério do Interior" na Crimeia e por isso "deve-se atuar para parar a escalada da tensão", disse a presidenta do Senado russo.

A Duma Estatal, a câmera baixa do Parlamento russo, pronunciou-se no mesmo sentido. O primeiro-ministro da Crimeia, Serguéi Axiónov, pediu neste sábado pela manhã a ajuda a Putin para garantir "a paz e a tranquilidade" no território da península. A resposta do Kremlin não demorou e, nesta mesma manhã, um responsável pela administração presidencial russa declarou à agência Ria Novosti que a "Rússia não vai ignorar este pedido" de ajuda da região, povoada maioritariamente por russos e inclinada a Moscou, informa Pilar Bonet.

O Governo da Crimeia reconheceu que os soldados destacados para a região sem identificação são militares da frota russa do Mar Negro
À divisão gerada pela tensão na Crimeia somaram-se também as declarações das novas autoridades de Kiev, que denunciam a "provocação" que seria a exibição de 6.000 soldados russos na Crimeia e que fizeram com que o governo ucraniano colocasse em alerta máximo seu exército de soldados.

O presidente interino ucraniano, Olexandre Tourtchinov, publicou um decreto no qual se nega a reconhecer a legitimidade de Aksiónov porque "sua eleição se produziu em violação das leis ucranianas". Por sua vez, as autoridades da Crimeia responderam adiantando o referendo para decidir o futuro da região autônoma no domingo 30 de março, segundo anunciou o porta-voz do Governo na região, Sergiy Aksyonov. A data original estava prevista para 25 de maio.

"Provocação russa"

O primeiro-ministro ucraniano, Arseni Yatseniuk, denunciou a "provocação" pela "presença inadequada de tropas russas em território de Crimeia", embora descarte que Kiev vá responder "com o uso da força" à exibição de 6.000 soldados russos. Yatseniuk pediu à Rússia que "retire as tropas de imediato" e que "não provoque um confronto", advertindo o Kremlin de que "a responsabilidade recairá exclusivamente sob a Rússia e pessoalmente no líder do país", em referência ao presidente russo, Vladimir Putin, informa Silvia Blanco. "É inaceitável que se tenha veículos blindados russos no centro de cidades ucranianas", disse, em referência à presença de homens armados em uniformes sem identificação junto ao Parlamento da Crimeia em Simferópol. Enquanto isso, pôs em alerta máximo suas tropas na Crimeia e a Guarda Costeira saiu para evitar a captura de bases ou de barcos por militares russos, informa a agência Interfax.

Na manhã deste sábado, o Governo da Crimeia reconheceu que os soldados dispersados pela região sem identificação são militares da frota russa do Mar Negro, que vigiam edifícios oficiais e bases em virtude de um acordo entre Simferópol e Moscou. Axiónov, que é o líder do partido pró-Rússia Unidade Russa, pôs baixo sob seu controle “temporário” todas as instituições armadas da Crimeia: o Ministério do Interior, o Ministério de Situações de Emergência, a frota, o serviço de impostos e os guardas da fronteira.

Não está claro qual é o grau de controle real que Axiónov, um ex-militar e empresário, exerce sobre estas entidades ucranianas, mas o novo primeiro-ministro da autonomia justificou sua decisão afirmando que na Crimeia atuam “grupos armados não identificados com equipamento militar” e que “as estruturas de força com base na Crimeia não são capazes de controlar a situação de um modo eficaz”. Aksionov acusou as autoridades de Kiev de ter nomeado seu representante das estruturas militares (ucranianas entende-se) que atuam na Crimeia sem ter acertado antes a candidatura com o Soviet Supremo local, tal como está previsto pela legislação. As novas autoridades de Kiev nomearam como como chefe da polícia de Crimeia Igor Avrutski.

“Tendo em conta o exposto, compreendendo minha responsabilidade pela vida e pela segurança dos cidadãos, dirijo-me ao presidente da Federação Russa, Vladimir Putin, para que ajude a assegurar a paz e a tranquilidade no território da República Autônoma da Crimeia”, assinala o comunicado distribuído no sábado. Aksiónov substituiu no cargo, na sexta-feira,Anatoli Mogiliov, um servidor público de Donetsk, Estado natal do ex-presidente ucraniano deposto Víctor Yanukovich, e era considerado o representante do clã do ex-governante na Crimeia.

Escalada da tensão na região

Barcos da guarda da fronteira da Ucrânia foram colocados em estado de alerta e deixaram suas bases no Mar Negro para evitar a captura de bases militares e de barcos por parte da Rússia, informa a agência Interfax.

Os efetivos sem identificação que circulam pela Crimeia e ocupam as instalações estratégicas só podem ser russos ou filiados com os russos, devido o tamanho da equipe, o nível de armamento, a disciplina e a organização, afirmam comentaristas independentes em Moscou. E, além disso, a ação poderia estar preparada há tempos, segundo Lev Shlosberg, deputado do parlamento da província russa de Pskov e membro da direção do partido Yábloko. Em seu blog, publicado no site da emissora Eco de Moscou, Sghlosberg cita um membro da divisão paraquedista número 76 com base em Pskov, que afirmou que essa divisão, dividida em grupos, seria enviada para a Ucrania desde a semana passada. O deputado cita como fonte a um dos participantes na operação. Para cada dez soldados há um caminhão militar completamente equipado com armas de fogo. Além disso, a cada soldado conta com 5.000 balas, diz a fonte. Ao chegar à Ucrânia, tiveram atribuídas as correspondentes missões sem que fossem informados onde estavam, ressalta o deputado, que acrescenta ainda que os quartéis da divisão número 76 de Pskov estão praticamente vazios.

Coisas de que Joaquim Barbosa se esqueceu de ficar triste

O presidente do Supremo, relator da AP 470, esbravejador-geral da Nação, candidato em campanha a um cargo sabe-se lá do que nas eleições de outubro, decretou solenemente:

"É uma tarde triste para o Supremo".

É curioso como Joaquim Barbosa se mostra triste com algumas coisas, e não com outras.

Alguém o viu expressar tristeza com o fato de o processo contra o mensalão tucano não atribuir o mesmo crime de quadrilha a Eduardo Azeredo (PSDB-MG) & Companhia Limitada?

O inquérito da Procuradoria-Geral da República (INQ 2.280, hoje Ação Penal 536), que sustenta a denúncia contra Azeredo, foi apresentado pelo mesmo Procurador (Roberto Gurgel), ao mesmo STF que julgou o mensalão petista, e caiu nas mãos do mesmo relator, ele mesmo, Joaquim Barbosa.

O que dizia o Procurador? Que o mensalão tucano "retrata a mesma estrutura operacional de desvio de recursos públicos, lavagem de dinheiro e simulação de empréstimos bancários objeto da denúncia que deu causa a ação penal 470, recebida por essa Corte Suprema, e envolve basicamente as mesmas empresas do grupo de Marcos Valério e o mesmo grupo financeiro (Banco Rural)”.

Se é tudo a mesma coisa, se são os mesmos crimes, praticados pelas mesmas empresas, com o mesmo operador, cadê o crime de quadrilha, de que Barbosa faz tanta questão para os petistas?

Alguém viu o presidente do Supremo expressar sua tristeza sobre o assunto?
 
Alguém o viu decretar a tristeza no STF quando o processo contra os tucanos, ao contrário do ocorrido com a AP 470, foi desmembrado, tirando do STF uma parte da responsabilidade por seu julgamento?

Talvez muitos não se lembrem, mas as decisões de desmembrar o processo do mensalão tucano e de livrar Azeredo e os demais da imputação do crime de quadrilha partiram do próprio Joaquim Barbosa.

Foi ele o primeiro relator do mensalão tucano. Foi ele quem recomendou tratamento distinto aos tucanos.

Justificou, sem qualquer prurido, que os réus estariam livres da imputação do crime de formação de quadrilha “até mesmo porque já estaria prescrito pela pena em abstrato”, disse e escreveu Barbosa, em uma dessas tardes tristes.

Mais que isso, livrou os tucanos também da imputação de corrupção ativa e corrupção passiva.

O que se tem visto, reiteradamente, são dois pesos, duas medidas e um espetáculo de arbítrio de um presidente que resolveu usar o plenário do STF como tribuna para uma campanha eleitoral antecipada de sua possível e badalada candidatura, sabe-se lá por qual "partido de mentirinha", como ele mesmo qualificou a todos.

E as tantas outras tristezas não decretadas?

Vimos a maioria que compõe hoje o STF ser destratada como se fosse cúmplice de um crime; um outro bando de criminosos, portanto, simplesmente por divergirem de seu presidente e derrotá-lo quanto a uma única acusação da AP 470.

Que exemplo!

Sempre que um ministro do Supremo, seja ele quem for, trocar argumentos por agressões, será uma tarde triste para o Supremo.

Há uma avalanche de questões importantes, que dormem há décadas no STF, e que seriam suficientes para que se decretasse que todas as suas tardes são tristes.

Não só há decisões, certas para uns, erradas para outros. Há sempre uma tarde triste no STF pela falta de julgamentos importantes. Cerca de metade das ações de inconstitucionalidade impetradas junto ao Supremo simplesmente não são julgadas.

Dessas, a maioria simplesmente é extinta por perda de objeto. Ou seja, o longo tempo decorrido é quem cuida de dar cabo da ação, tornando qualquer decisão desnecessária ou inaplicável. Joaquim Barbosa se esquece de ficar triste com essa situação e de decretar seu luto imperial.

Por exemplo, o STF ainda não julgou as ações feitas por correntistas de poupança contra planos econômicos, alguns da década de 1980. Tal julgamento tem sido sucessivamente adiado. Triste. Quem sabe, semana que vem?

É triste, por exemplo, a demora do STF em julgar a Lei do Piso salarial nacional dos professores. Nada acontece com prefeitos e governadores que se recusam a pagar o piso salarial, enquanto o Supremo não decide a questão. Até agora, o assunto sequer entrou em pauta. Triste.

Muito mais triste foi a tarde em que auditores fiscais do trabalho, procuradores do trabalho, militantes de direitos humanos, sindicalistas e até o ministro do Trabalho, Manoel Dias, se reuniram em frente ao Supremo para chorar pelos dez anos de impunidade da Chacina de Unaí-MG.

Fazendeiros acusados da prática de trabalho escravo contrataram pistoleiros que tiraram a vida de quatro funcionários do Ministério do Trabalho que investigavam as denúncias.

Nenhum dos ministros cheios de arroubos com o suposto crime de quadrilha esboçou tristeza igual com a impunidade de um crime de assassinato.

Até o momento, aguardamos discursos inflamados contra esse crime que envergonha o país, acobertado por aberrações processuais judiciárias, uma delas estacionada no STF.

Quilombolas e indígenas: que esperem sentados?

Tristes foram também os quase cinco anos que o Supremo demorou para simplesmente publicar o acórdão (ou seja, o texto definitivo com a decisão final tomada em 2009) sobre a demarcação da reserva indígena de Raposa Serra do Sol (RR). Pior: ao ser publicado, o STF frisou que a decisão não serve de precedente para outras áreas. Triste.

Faltou ainda, a Joaquim Barbosa e a outros ministros inflamados, uma mesma tristeza, uma mesma indignação e um mesmo empenho para que o STF decida, de uma vez por todas, em favor da demarcação de terras quilombolas.

Seus processos, como tantos outros milhares, aguardam julgamento.
 
Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade foi ajuizada pelo DEM contra o decreto do presidente Lula, de 2003, que regulamentava a identificação, o reconhecimento, a delimitação, a demarcação e a titulação das terras ocupadas por essas comunidades que se embrenharam pelo interior do território nacional para fugir da escravidão.

Por pouco não se deu algo ainda mais escabroso, pois o ministro relator de então, Cezar Pelluso, havia dado razão aos argumentos do DEM impugnando o ato.

A propósito, na mesma tarde em que o STF julgou e afastou a imputação do crime de quadrilha aos réus da AP 470, o mesmo Joaquim Barbosa impediu a completa reintegração de posse em favor dos Tupinambás de Olivença, Bahia.

A área dos índios estava sendo reconhecida e demarcada pela Funai. Joaquim Barbosa, tão apressado em algumas coisas, achou melhor deixar para depois. Ora, mas o que são uns meses ou até anos para quem já esperou tantos séculos para ter direitos reconhecidos?

Realmente, mais uma tarde triste para o Supremo.

Apesar de você

A célebre música de Chico Buarque, "Apesar de você", embora feita na ditadura, ainda cai bem para enfrentarmos descomposturas autoritárias desse naipe.
Diz a música, entre outras coisas:

"Hoje você é quem manda 
Falou, tá falado 
Não tem discussão"

"Você que inventou a tristeza 
Ora, tenha a fineza
De desinventar"

"Apesar de você 
Amanhã há de ser
Outro dia".
 
(*) Antonio Lassance é cientista político.