Ainda tentei, algumas vezes, ajoelhar-me, fechar os olhos, fingir que acreditava em alguma coisa, imaginar um tremor, um receio, provar da sensação de ter fé ou coisa parecida, mas nunca consegui, principalmente depois que um sacerdote, lá por volta de 1957´ quando meu avô morreu, e foram pedir que lhe rezasse uma missa de sétimo dia e li a resposta que este mandou: "quem passou a vida sem precisar de Deus, depois de morto não vai precisar".
Os tempos eram outros e a missa ainda era rezada em latim, e desde então muita coisa mudou. Hoje, é quase um espetáculo com músicas populares, mas continuam radicais os extremistas que não toleram qualquer desvio de conduta que ponha em dúvida o que diz o Livro. Pois bem, nunca fui de pedir perdão pelo que disse de errado ou quando magoei, traí ou fui inconsequente sentimentalmente, procurando subterfúgios ridículos para explicar-me. Havia consciência, sim, dos pecados que cometi e talvez esteja exatamente aí o tal "livre arbítrio" e assim, nada além do reconhecimento da culpa.
Não apelei para rezas, orações nem dedilhei terços, nada. Por um momento, e diante de tantas dores apertando no peito, senti uma vontade enorme de desistir de mim mesmo. Abri caixas, envelopes e desnudei a alma e coloquei o espírito de joelhos diante de um tribunal presidido pelo meu eu mais sincero, e então me sentenciei: culpado! E com a reserva de dignidade da qual jamais poderia abrir mão, aceitei a pena que me impus. Fiz as malas, me desfiz do pouco que amealhei ao longo de tantos anos de vida e saí de dentro do passado, que nunca foi lugar para se morar e muito menos para lamentações sem fim.