A batalha da fumaça, por Wilson Luiz Müller
Está se desenhando, com essas indicações ideológicas ao Ministério de Bolsonaro, uma estratégia de combate mais abrangente contra a parcela mais organizada e crítica da sociedade civil. A disputa ideológica deve ocupar uma centralidade no regime bolsonariano e servir de cortina de fumaça para encobrir o que realmente interessa do ponto de vista econômico.
O apicultor, quando quer melar as colmeias (roubar o mel), usa um fumigador para fazer bastante fumaça antes de começar o serviço. As abelhas interpretam isso como uma ameaça de incêndio ao seu ninho. Para se precaverem contra a fome iminente, decorrente do incêndio, enchem-se de mel antes de ensaiar uma possível fuga. Com o abdômen entumecido, não conseguem mais comprimir os músculos que acionam o ferrão da defesa. E o apicultor pode colher o mel sem ser atacado.
Para a plateia (no caso os consumidores de mel), importa muito como esse fato é apresentado. Se o apicultor propagandear que ele utiliza de ardil enganoso para roubar o mel das abelhas, mostrando cruamente seus métodos, talvez muitos consumidores de mel sentissem nojo do apicultor, podendo até deixar de consumir mel. Então esse fato é apresentado como a colheita do mel. Com esse singelo arranjo conceitual, o mel passa a ser um produto do trabalho do apicultor. E a abelha... bem, ela tem ferrão e convém manter uma boa distância dela.
O pano de fundo do novo governo é propiciar um novo ciclo de acumulação do grande capital para gerar crescimento econômico concentrado na mão de poucos. A forma mais rápida para atingir esse objetivo é vender a preço de banana nossas riquezas e nossas estatais mais lucrativas estratégicas. Outro ponto é alavancar o bilionário negócio dos fundos de pensão e previdência privada. Ambos aspectos são obsessão e especialidade do Paulo Guedes. Esses dois temas vão oferecer grande resistência da sociedade organizada. Então o ideólogo do novo regime, Olavo de Carvalho, indica esses ministros ideológicos para, junto com o clã Bolsonaro, atuarem como fumigadores para travar a batalha da fumaça contra os terríveis marxistas incrustados na máquina pública, coisa que eles lograram grande êxito até a vitória eleitoral.
Enquanto isso, ao fundo, a turma do Paulo Guedes faz o trabalho do apicultor, que é o que interessa de fato e trará os resultados concretos para a turma toda que sustentará o novo governo.
A escolha não é burrice como se apressaram a comentar os analistas da grande mídia. Olavo de Carvalho e os estrategistas mais inteligentes usaram muito bem os temas incompreendidos pela sociedade, atribuindo-lhes uma origem e uma importância fora da sua base real, transformando premissas virtuais em realidades fáticas. É a luta de Dom Quixote contra moinhos de vento - transfigurados em monstros terríveis na imaginação fértil do personagem de Cervantes - para o palco da disputa ideológica.
Assim, a falta de estrutura histórica das nossas escolas e universidades para propiciar um ensino de qualidade, foi transfigurado no problema do aparelhamento pelos esquerdistas, que passou a ser o novo problema real. A premissa nasce como tese na cabeça dos ideólogos da direita e lentamente vai sendo transformada em problema real para afastar a discussão sobre os fatos reais.
A turma do Bolsonaro não está preocupada em resolver o problema da qualidade de ensino nas escolas públicas, uma vez que a maioria dos seus eleitores passa longe do ensino público.
Agora no governo, eles sabem que tudo isso não poderá ser resolvido, pois teriam que atacar os problemas reais, e soluções verdadeiras levam tempo para dar resultado.
A turma do Bolsonaro tem dois grandes objetivos com a batalha ideológica na educação: (i) ocupar o centro do debate para desviar atenção dos temas espinhosos para o governo; (ii) manter parte da sua base social atuante na defesa do governo, vez que dificilmente terão ânimo para defender o governo para tirar direitos ou entregar estatais lucrativas.
Daí porque haverá sempre algum tema secundário, ou fictício, em que os pitbull do Bolsonaro irão partir para o ataque, fazendo com que sua base social se mobilize para defesa do tema como se fosse um caso de vida ou morte. Constatada a insignificância, inventarão outro tema.
Na educação encontra-se o campo mais fértil para a estratégia bolsonariana. Todos acompanham, mas muito poucos tem dados concretos para avaliar o que é real e o que é fictício. Há além disso uma grande insatisfação com a qualidade da educação.
Os ideólogos de Bolsonaro sabem como que a investida enfrentará grande resistência nas instituições de ensino, pois, pela primeira vez, agentes do Governo atuarão claramente para impor uma ideologia nas escolas. Eles desejam e contam com essa resistência. É o que provará o quanto estavam certos na sua cruzada moralista, pois a quantidade de esquerdistas incrustados será muito maior do que seria possível imaginar se a a batalha não tivesse sido levada adiante. A mesma tentará dar coesão na base social de apoio, para que não aconteça, como no romance de Cervantes, do fiel escudeiro Sancho Pança ficar olhando sem entender as razões do nobre cavalheiro atacar com sua lança os moinhos de vento. Com o tempo dirão que o serviço não poderá ser concluído em apenas um mandato, já que o PT está há décadas dominando o setor público.
O objetivo da turma do Bolsonaro não é apenas fazer uma disputa ideológica nas escolas e universidades, o que seria legítimo. O que pretendem é impor a sua ideologia e suprimir a dos antagonistas, uma vez que não são ingênuos a ponto de acreditar que é possível um ambiente asséptico e imune a ideologias.
Por compreenderem a personalidade contrafóbica de Bolsonaro, os ideólogos de direita se conectaram com a maneira como funciona a mente do presidente eleito.
Para o contrafóbico, o medo - e a consequente necessidade de um porto seguro - ocupa o centro de sua visão de mundo. E a forma de enfrentar seu medo é partir para o ataque para não correr o risco de ser atacado. Isso faz com que seu comportamento seja irracional, uma vez que a maior parte dos riscos vislumbrados é irreal, assumindo realidade por conta de suas fobias mentais.
Bolsonaro não conseguirá governar sem atacar “inimigos”. É nesse ponto que está a importância dos ideólogos anti-esquerda no governo. Eles farão o trabalho que Bolsonaro está acostumado a fazer, mas que não pode continuar fazendo enquanto presidente. E se ninguém fizer esse trabalho, é como se o governo Bolsonaro não tivesse razão de ser, pelo menos não do ponto de vista bolsonariano.
Outro aspecto que demonstra a valorização do medo como centro da estratégia bolsonariana é o entrosamento visceral do novo governo com as correntes religiosas fundamentalistas e arcaicas. Essas terão um papel auxiliar na difusão da nova ideologia reinante, ou seja, ajudarão a irradiar medo e fumaça. E se todas as medidas preventivas falharem, e se a população acordar do transe e se insurgir contra as manobras diversionistas enquanto o país é saqueado, ainda haverá segurança no apoio militar.
A ideia do fumigador é jogar muita fumaça nos olhos de Eremildo e seus amigos para criar um cenário permanente de medo ante o perigo eminente. Com os olhos embaçados de fumaça não terão energia nem inteligência para enxergar a ação predatória ao fundo, focada nos temas realmente de interesse.
Sim, no fundo trata-se de dinheiro, como sempre. Quem pensou que se tratava de patriotismo e de moralidade, pode ir mudando de chip, esse pelo jeito já deu pra bola.
Pode alguém argumentar que todo bicho, mais cedo ou mais tarde, tira aprendizados sobre a estratégia do predador e muda seu comportamento. As abelhas infelizmente (nem tanto para os apreciadores de mel) não aprendem nunca. Todas as vezes que o fumigador exala fumaça, elas correm para se empanturrar para minimizar o risco de morrer de fome depois do incêndio.
Por mais que a sociedade humana tenha semelhanças com uma colmeia, aprendemos sempre com nossos erros e com os ardis dos inimigos. Resta saber se isso acontecerá dessa vez antes ou depois da colheita final do mel.
Wilson Luiz Müller - Servidor Público Federal aposentado
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