Toda futurologia envolvida na campanha presidencial, colocada de pernas para o ar depois da tragédia no Guarujá, começa com uma pergunta: quem vai assumir o lugar de Eduardo Campos como terceiro nome na sucessão?
A resposta é menos óbvia do que parece. Primeira candidata em função de sua popularidade e do posto de vice, Marina Silva é uma estranha no ninho do PSB, partido que tem a prerrogativa legal de lançar um novo candidato a presidência em dez dias.
Dona de um cesto de intenções de voto quase duas vezes maior que o de Eduardo Campos nas últimas pesquisas em que seu nome foi incluído, Marina acumulou um cotidiano de desavenças e conflitos com diversas fatias do PSB, onde devia sua sobrevivência ao espírito pragmático e a postura tolerante de Eduardo Campos, seu verdadeiro protetor e grande aliado dentro da legenda. Além de chefe do partido e candidato a presidente, Eduardo Campos atuava como o ponto de equilíbrio entre forças antogônicas e divergentes – e ninguém sabe o que irá acontecer depois que esse equilíbrio se rompeu.
A permanência de Marina — declaradamente temporária — no partido que Campos herdou do avô Miguel Arraes e controlava com pulso firme nunca foi um piquenique. Desde os primeiros dias, o conflito maior envolvia a militância de esquerda e a tradição nacionalista do partido, encarnada pelo ex-ministro Roberto Amaral, favorável a pesquisas nucleares que permitem o domínio do ciclo do átomo, em contradição aberta com ambientalistas globalizados que Marina trouxe com a Rede, adversários até de usinas hidroelétricas na Amazonia.
Na véspera das convenções, ocorreram conflitos entre Marina e setores que queriam fazer alianças de qualquer maneira com o PSDB, como ocorreu em São Paulo, onde o deputado Márcio França tornou-se vice de Geraldo Alckmin. Numa comparação abusada, mas que faz sentido do ponto de vista das diferenças entre PSB e a Rede, o verdadeiro partido de Marina, seria igual a chamar Michel Temer para ser titular na chapa do PT — caso Dilma Rousseff fosse impedida de disputar a presidência por uma razão qualquer.
Nos próximos dias, a executiva do PSB, que tem a palavra final na escolha do novo candidato a presidente, irá optar, basicamente, por dois caminhos. Se indicar Marina, fará uma aposta em sua popularidade. É uma solução que agrada a uma boa parte do partido. A razão é simples. Mesmo que não sejam vitoriosos em sua própria campanha, os bons candidatos presidenciais costumam alavancar boas bancadas de deputados estaduais e federais, e mesmo reforçar quem concorre ao senado. Há exceções, contudo. Uma delas foi a própria Marina há quatro anos.
Num caso clínico de sucesso individual, chegou perto de 20% dos votos como candidata presidencial mas não conseguiu acrescentar um único novo parlamentar à bancada do Partido Verde — desempenho que está na origem de boa parte de suas dificuldades para permanecer no PV.
A dificuldade dos adversários internos de Marina é que não se conhece, até agora, um nome alternativo. Eles tem ideias e críticas. Mas não contam com governadores nem senadores de projeção nacional, capazes de se opor à vice que Eduardo Campos escolheu. Poderiam inventar um novo candidato com a propaganda na TV? Difícil, quando se tem pouco mais de um minuto. Na prática, mesmo quem detesta Marina no PSB terá dificuldades de se impor diante de uma concorrente que capaz de representar aquilo que os políticos mais procuram: uma perspectiva de poder – que costuma ser atraente mesmo quando não vem carregada pelas idéias e proposições que agradam a todos.
Para Dilma Rousseff e Aécio Neves, uma troca na terceira candidatura de neste momento da campanha representa desafios importantes mas diferentes.
O temor do PSDB é uma candidatura capaz de atropelar Aécio e jogá-lo para terceiro lugar e fora da campanha no segundo turno, o que seria, para os tucanos, uma derrota pior que todas as outras desde 2002.
Para o PT, a recíproca, no caso, também é verdadeira. Para o QG da campanha petista, o cenário ideal – fora a hipotética vitória em primeiro turno, cada vez menos realista – é enfrentar Aécio Neves numa segunda votação.
Os petistas sempre estiveram convencidos de que, num segundo turno, a maioria dos parlamentares, dirigentes e eleitores do PSB não serão capazes de abandonar a própria história para votar no PSDB, que sempre denunciaram como partido conservador, e farão o caminho de volta para uma aliança com o PT. Era com essa possibilidade que Dilma e Lula sempre trabalharam nos últimos meses. Evitaram atitudes hostis e indelicadas, reservado a artilharia mais pesada para Aécio. Qualquer mudança, neste horizonte, irá atrapalhar os planos do Planalto.
De Paulo Moreira Leite