...o inferno tá cheio
Neste mundo politicamente correto em que a gente vive, fazer o bemvirou produto, não é mesmo? E aqui na França, então, virou produto chique.
Comércio justo, agricultura sustentável, embalagens não-geradoras de lixo – basta dar uma olhadinha nas gôndolas do supermercado para ver que o apeloda caridade e da preocupação com o meio ambiente são fortes argumentos de marketing para a população francesa.
É normal você conhecer gente que não compra roupa nas grandes redes mundiais de moda para não financiar o trabalho escravo na China.
A agricultura orgânica, então, é um fenômeno: mais de 20 mil produtores engajados e um público consumidor eventual de mais de 40% da população. Sete por cento dos franceses são consumidores diários de produtos orgânicos – que aqui, como aí, são bem mais caros que a média.
O problema, para mim, começa quando o marketing fica maior do que a boa intenção – e o consumo consciente vira uma marca que, paradoxalmente, vende exatamente o seu contrário.
O primeiro exemplo que me choca aqui em Paris é a loja-conceito Merci (entendeu o nome?), instalada no Boulevard Beaumarchais. Linda, ultra-design, os três andares da loja só vendem produtos éticos, feitos com produtos orgânicos, numa escala de produção “humana”, etc.
Tudo lá é lindo – e caro. E quase tudo é fútil. Um garfo de bambu para saladas, papel de presente em duas camadas de papelão reciclável, móveis de luxo, roupas de tecidos finos, bijouterias.
Se eu entendi bem o que me ensinaram sobre consumo responsável, a primeira lição é justamente evitar consumir, certo? Reciclar, usar o que a gente tem em casa, gerar menos lixo, dar nova vida aos antigos objetos. Fazer um templo do design não vai meio na contramão disso tudo?
Segundo exemplo – outra boutique na rue de Thorigny, no Marais, que vende objetos “de arte” feitos com latinhas de alumínio recicladas, bijouterias em papel jornal confeccionadas por uma comunidade na Malásia. Menos mau, me parece.
Na vitrine, vejo um cartaz: na compra de seis pulseiras (de artesanato com plástico, por seis euros o conjunto), um dólar será revertido para a comunidade produtora.
Fiquei pensando se isso era um argumento válido...
Se é realmente comprando mais uma pulseira (desnecessária) por um euro e ganhando de brinde uma dose de boa consciência que eu posso de fato mudar a realidade de alguém.
Por mais que eu acredite que se cada um fizer a sua parte o mundo vai ser um lugar melhor, tenho minhas dúvidas se isso passa por tomar parte nesta febre consumista que se esconde por trás de etiquetas verdes com o desenho de uma folhinha.