Tarso Genro - constrangimento capital

As declarações do Prefeito eleito de Nova York,  Bill Blasio, afirmando que vai  combater as desigualdades sociais da “big apple” cobrando impostos mais elevados dos muito ricos para custear os gastos decorrentes do seu programa de governo, tem causado muita angústia na crônica neoliberal do nosso país.  Afinal, que prefeito é esse que, substituindo uma administração republicana, dinâmica, “moderna” – e mais ainda, dirigida por um “big boss” do capital financeiro – aparece dizendo que os ricos devem pagar mais impostos? Nós, aqui no Brasil, já não demonstramos que falar em aumento de impostos gera perda de “competitividade”?

Talvez a resposta tenha sido oferecida, ainda que de forma involuntária, pelos dados publicados na imprensa tradicional, através de matéria na Folha de São Paulo. A outra face do capitalismo americano, que normalmente não é considerada importante para visitar nos momentos de crise, é bastante amarga: nela, 90% das famílias americanas detém 54% da renda e os outros 10% detém  o resto, ou seja 46%.  Nova York conta com 400 mil milionários, 3 mil multimilionários, mas 21,2% por cento da população está abaixo da linha da pobreza, com 52.OOO pessoas sem domicílio fixo: um número proporcionalmente maior do que a população de rua de Porto Alegre, considerando o número de habitantes de cada uma das cidades.

Este “outro lado” é composto por um pessoal  assalariado de baixa renda, precários, intermitentes, subempregados sem registro – principalmente negros e “chicanos” -  que são os sofredores da crise do modelo industrial do capitalismo pós-guerra, com a destruição das garantias tradicionais da força de trabalho da “big society”.  Ao mesmo tempo, esta  massa de assalariados  empobrecida  ajuda a  compensar  a “queda tendencial da taxa de lucro”, albergando a continuidade da acumulação, agora garantida pela produção de riqueza artificial, através das jogadas no mercado financeiro: os ricos e muito ricos não ficam  sem saída.

Gregorio Duvivier - péssimo mau gosto

Caro Cardeal arcebispo,
Vossa Eminência disse em vosso Twitter que o especial de Natal do Porta dos Fundos era de "péssimo mau gosto". Poderia dizer que V. Emmo. cometeu um pleonasmo, pois na palavra "péssimo" já está incluída a palavra "mau", mas vou supor que V. Emmo. tenha "redundado" propositalmente, para fins estilísticos. Entristece-me, pois gostaria que o nosso especial de Natal tivesse agradado a todos (embora o homenageado em questão não tenha agradado).
O que me consola é que não somos os primeiros a termos o gosto julgado mau ou péssimo ou ambos pela vossa Igreja. Na realidade, arrisco-me a dizer que estamos em boa (e vasta) companhia. Entre os numerosos condenados, está um astrônomo de nome tão redundante quanto a vossa expressão.
Como V. Emmo. deve saber, não foi a teoria heliocêntrica que causou a condenação de Galileu Galilei. Copérnico já havia dito que a Terra girava em torno do Sol e a Igreja não se importou. O que provocou a ira papal foi o humor.
Para defender o heliocentrismo, Galileu criou um diálogo fictício entre um personagem sábio, Salviati, e um personagem imbecil, Simplício. O sábio acreditava que a Terra girava ao redor do Sol e o imbecil achava o contrário. O livro foi um sucesso retumbante. E a Igreja vestiu a carapuça do imbecil. Galileu foi obrigado a negar tudo o que havia dito para escapar da fogueira. Negou e ainda assim foi condenado à prisão perpétua.
Giordano Bruno, contemporâneo de Galileu, acreditava que o universo era infinito. Negou-se a se negar. Foi queimado vivo.
Somente em 1983, quase quatro séculos depois, o Vaticano absolveu Galileu, provando ter um sistema judiciário ainda mais lento que o brasileiro. Apesar da retratação tardia, o gosto episcopal continua controverso.
Acho um péssimo mau gosto, por exemplo, V. Emmo. ser contrária ao sacerdócio de mulheres, ao uso de métodos contraceptivos, ao aborto de fetos anencéfalos, ao aborto em casos de estupro, ao amor entre pessoas do mesmo sexo, à eutanásia e às pesquisas com célula-tronco.
Contudo, confesso que, apesar de nossas divergências, não pude deixar de ficar feliz em saber que o Porta dos Fundos está sendo assistido na arquidiocese. Peço que V. Emmo., futuramente, não pule aqueles anúncios que antecedem o vídeo, para que nós ganhemos um cascalhinho. Obrigado pela atenção e, como diria Jesus, desculpe qualquer coisa.

    Faça hoje

    Não amanhã

    Rolezinhos - preconceito e discriminação

    A charge diz tudo!
    E eu reafirmo:
    Existe discriminação social!

    Conversa Afiada

    Lula gostava muito do Dudu.

    Vovô Miguel e Lula sempre estiveram do mesmo lado, desde que o Vovô voltou do exílio.

    Na sucessão de Dilma, em 2018, se nenhum novo petista se sobressaísse ou se Lula não quisesse voltar – é sempre uma hipótese – o candidato do PT poderia ser de fora do PT.

    E poderia ser o Dudu.

    Se ele ficasse do “lado de cá”.

    Lula, pernambucano, e Dilma encheram o Dudu de dinheiro – e receberam críticas dos irmãos Gomes, do Ceará, e Wagner, da Bahia.

    Dudu tinha um conselheiro muito sabido, o Fernando Lyra – clique aqui para ler “o importante é o rumo” – que distinguia, com muita nitidez, o “lado de cá” do “lado de lá”.

    Fernando morreu.

    Um dia, guloso, Dudu resolveu enfrentar o candidato do PT à Prefeitura de Recife e lançar um próprio – o que não estava na combinação.

    Um amigo do Lula disse: você vai atravessar o Rubicão.

    A política é um rio que vai e não volta à nascente – ouviu, sem acreditar muito.

    Se você derrotar o PT – e é provável que derrote – o PT não vai te aceitar nunca mais.

    Dudu ignorou.

    Dudu derrotou o candidato do PT à Prefeitura de Recife.

    Considerou que foi o grande vencedor da eleição de 2012.

    Encheu-se de vento.

    E foi para o “lado de lá”. 

    Na campanha presidencial, é provável que Dudu seja o primeiro em Pernambuco.

    E é provável também que o candidato do PT, Armando Monteiro Filho, se eleja governador.

    Entre outros motivos porque o Dudu caiu no conto da fadinha da floresta.


    Paulo Henrique Amorim

    Delfim Netto - Descontinuidade

    Um dos benefícios psicológicos do calendário é que ele define períodos de tempo aos quais, num evidente auto engano, damos significação física. Temos a sensação de que 31 de dezembro encerra um período. É uma quebra no tempo contínuo. Em 1º de janeiro inicia-se um ano novinho, sem a herança dos erros e acertos acumulados nos anos anteriores.
     
    Infelizmente, o mundo não é assim por motivo também temporal: as consequências vêm sempre depois... 2011 foi o que 2010 nos deixou somado ao que nele fizemos: o maior ativismo do governo, o aumento da desconfiança do setor privado, além da deterioração da situação externa. Isso se repetiu em 2012 e continuou até à segunda metade de 2013.
     
    A partir daí o setor empresarial começou a entender os legítimos objetivos do governo e este entendeu que, no tipo de organização econômica em que vivemos, o setor privado não pode ser tratado como um "bando de egoístas". Até agora, a história mostrou que o tal "capitalismo" foi descoberto por seleção quase natural e está em permanente evolução. Todo "intelectual" sabe que é ele o pior dos regimes, com exceção de todos os outros inventados por "intelectuais"...Três anos (2011-2013) de desconfiança, suspeitas e incompreensões do setor privado e de longo aprendizado pelo governo, o tempo contínuo do triênio de 1.095 dias deixou resultados pobres: 
    • 1) taxa de crescimento do PIB de 6%
    • 2) taxa de inflação de 19% 
    • 3) déficit em conta corrente de US$ 187 bilhões
    Pobre com relação ao "esperado" mesmo quando se desconta a menor expansão mundial: 
    • 1) um crescimento de 9% no triênio, contra os 6% obtidos (2/3 da expectativa)
    • 2) uma taxa de inflação ligeiramente declinante de 0,5% ao ano a partir dos 5,9% de 2010, capaz de entregar a "meta de 4,5%" em 2013
    • 3) um déficit em conta corrente de 2,7% do PIB, contra 1,8% no triênio anterior (2008-2010), o que o aumentou de US$ 127 bilhões para US$ 187 bilhões, 47% acima do que havia ocorrido no triênio anterior, cujo PIB cresceu 13% contra os 6% do atual!

    É engano pensar que a desconfiança que começa a dissipar-se entre o governo e o setor privado tinha origem num "trotskismo" enrustido. Ela foi produto de um honesto superativismo governamental, derivado da crença de que poderia acelerar o tempo da correção de alguns de nossos graves problemas estruturais. Quando olhamos objetivamente para aquele ativismo vemos apenas resquícios de uma atitude comportamental que vai sendo superada pelo aprendizado.
    Na crença popular existe um ente com capacidade de interferir no comportamento das pessoas, o chamado "encosto". No clássico Aurélio, "é um espírito que está ao lado de um ser vivo para protegê-lo ou prejudicá-lo". No magnífico Houaiss, "é um espírito perturbado que se presume estar ao lado de alguém para prejudicar". E no sofisticado Sacconi, "é um espírito mau ou bom que se aproxima de uma pessoa para ajudá-la ou prejudicá-la".
    Na economia brasileira, os maus "encostos" se multiplicaram. São muitos, poderosos e visíveis. E não são as agências reguladoras, que por definição são "encostos" bons, quando entes do Estado não sujeitos ao aparelhamento por "companheiros de passeatas".
    Nada se pode fazer nos transportes rodoviários sem o "encosto" do Dnit (o que agora mudou graças à ação da ministra Gleisi, da Casa Civil e do ministro César Borges, dos Transportes). Mas nada ainda pode ser feito no transporte ferroviário sem o "encosto" da Valec, que é positivamente maléfico e deve ser exorcizado numa "sessão espírita" na sede da Polícia Federal! No setor de energia elétrica, tudo depende do "encosto" da Eletrobras. No setor de gás e petróleo, sempre há de aturar-se o "encosto" da Petrobras e, agora, um "encostinho" recém-chegado, a Pré-Sal Petróleo S.A.
    No transporte aéreo, nada decola ou pousa sem o "encosto" da Infraero. Temos usado instrumentos fundamentais para o desenvolvimento como o BNDES, o BNDESpar, os fundos de pensão das estatais e a Caixa Econômica Federal como "encostos" para promover alguns investimentos duvidosos, esquecendo que seus passivos serão dívida "contingente" do governo federal. Sem dogmatismo e para dar o benefício da dúvida: alguém pode afirmar com segurança que eles "ajudaram" o bom andamento dos investimentos em infraestrutura que deixamos de fazer nos últimos 30 anos?
    Não adianta sofisticar ou mistificar os diagnósticos e as "receitas" que eles sugerem. Com a desconfiança recíproca entre o governo e o setor privado empresarial existente até há pouco, não há políticas econômicas (fiscal, monetária e cambial) e sociais, que funcionem, que: 
    • 1) acelerem os investimentos e aumentem a taxa de crescimento do PIB
    • 2) levem num horizonte razoável a taxa de inflação para a sua meta de 4,5% ao ano
    • 3) mantenham um déficit em conta corrente sustentável
    • 4) reduzam a relação dívida bruta/PIB

    Felizmente "caiu a ficha": a Casa Civil e os ministérios dos Transportes e da Fazenda, que "escutavam, mas não ouviam", passaram a "ouvir". Por outro lado, o setor privado entendeu que a honesta insistência do governo na "modicidade tarifária" buscava eficiência na prestação de serviços em monopólios públicos que, depois dos leilões, seriam monopólios privados. Sujeitos a contratos "abertos", eles precisam de regulação cuidadosa e permanentemente justa. Não era, pois, "socialismo"...
    Os primeiros resultados já são visíveis: os leilões de infraestrutura mostraram que o diálogo está restabelecendo a confiança mútua. E com essa virão os investimentos. Talvez a crença na descontinuidade temporal possa fazer de 2014 um ano melhor do que a média do triênio 2011-2013.
    E-mail: contatodelfimnetto@terra.com.br

    Luz na Pousada de Ilha Grande

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    by claudia regina
    Margareth, a capitã de uma pousada deliciosa em Ilha Grande, me disse que de vez em quando acaba a luz na ilha. Algumas pessoas reclamam e ficam bravas porque o ar condicionado deixa de funcionar e fica muito quente. Na mesma noite em que ela contou isso... Acabou a luz! Era uma hora da manhã e realmente ficou quente demais para ficar dentro do quarto. Mas não reclamei, muito menos fiquei brava.
    Saí do quarto e olhei pra cima: a lua quase cheia já tinha ido embora. Não havia nenhuma nuvem no céu. Era possível ver a via láctea assim, a olho nu. Aproveitei essa sorte sem igual para ficar a noite inteira olhando para o céu. Eram cinco da manhã, ainda sem energia elétrica, e fui dormir numa rede do pátio, me refrescando com o vento.
    Quem é que tem coragem de reclamar de uma queda de luz assim? Gosto de ar condicionado, mas troco ele fácil fácil por um céu como este.