A entrada em cena de forças extrapolíticas reproduz passo que pode levar situações tensas

JANIO DE FREITAS 

UM AVISO de perigo, na via política, foi ultrapassado.
A entrada em cena de forças extrapolíticas, motivadas pelo confronto entre Lula e os meios de comunicação com maior presença, reproduz o mais conhecido dos passos que levam situações tensas a enveredar por processos que fogem ao controle com facilidade. E, se isso ocorre, põem em risco a integridade institucional -o próprio regime.
Se os meios de comunicação têm extrapolado ou não, no tratamento aos casos do sigilo violado na Receita Federal e das irregularidades originadas no Gabinete Civil da Presidência, até agora não houve indício algum da finalidade golpista acusada por governistas.
O que pode ser apontado são propósitos eleitorais. Mas os meios de comunicação brasileiros nunca deixaram de ser parte ativa nos esforços de conduzir o eleitorado. Sua origem e sua tradição são de ligações políticas, como agentes de facções ou partidos. Só em meado do século passado dá-se a primeira e derrotada tentativa, no “Jornal do Brasil”, de prática desconectada de segmentos políticos.
Na atual campanha, os meios de comunicação com maior presença são passíveis de acusações como desequilíbrio no ânimo em relação a este ou àquele candidato; de parcialidade no interesse em eventos de um ou de outro, e, no noticiário das irregularidades, de precipitações e erros que são os mesmos cometidos na cobertura de todos os escândalos.
À parte atingida cabe reagir na medida do possível, que, em geral, não é muito. E às vezes é quase nada, porque a própria reação está sujeita ao que é acusado no principal. Mas assim é a etapa em que a sociedade brasileira ainda está.
Daí a golpismo, na atualidade, a diferença é total. Idêntica à diferença entre prática primária da democracia e o golpismo com que o país conviveu por décadas, até o maior dos golpes.
No outro lado, nenhum fato sustenta a ameaça à democracia atribuída a palavras ou atos de Lula. As reações ao que considera insultuoso, ou injusto, ou inverdadeiro são à sua maneira: com destempero deplorável, nas palavras e na teatralidade da exaltação. Sem consideração alguma, até muito menos do que pelos adversários, pela própria condição de presidente da República. A faixa presidencial ainda não se distinguiu, para Lula, da camisa do Sindicato dos Metalúrgicos.
Nenhum espetáculo e nenhum ato presidencial pode ser apontado, com seriedade, como ameaça à democracia. Nem o mais acusado deles, a alegada ameaça à liberdade de imprensa. A proposta petista de criação do Conselho Nacional de Jornalismo, ou algo assim, vale mais uma discussão do que poderia ser, a serviço de todas as partes, do que qualquer das acusações trocadas.
Conselho de Jornalismo não é embaixada do inferno, não é chavismo, não é ditadura, necessariamente. São muitos os países “civilizados” e democráticos em que tal conselho existe.
Na França, por exemplo, foi criado há muito tempo, prestou muitos serviços e ninguém pensa em dissolvê-lo, assim como o da TV. A Inglaterra, os países nórdicos e outros têm as suas formas de conselho. Discuti-lo no Brasil seria difícil, mas não ameaçaria a democracia ou a liberdade de imprensa.
A esse conjunto de desproporções e deformações vêm somar-se três iniciativas. Sindicatos e jornalistas resolvem fazer uma manifestação pública contra os meios de comunicação. O que pode vir daí senão o acirramento de um lado e de outro? A dez dias das eleições, nem alguns trocados eleitorais essa manifestação localizada pode obter. Sua aparência é só a de um ato de indignação.
A pouco mais de uma semana das eleições, professores, advogados, escritores, e outros, fazem manifestação pública e lançam um manifesto “contra a marcha para o autoritarismo”. Haverá mesmo tal marcha, pelo fato de que Lula, nos estertores do seu mandato, rebaixa a função presidencial à de marqueteiro e cabo eleitoral? Se não está aí, o que indicaria que a prevista eleição de Dilma Rousseff é a marcha para o autoritarismo? É óbvio que o papel assumido por Lula macula a disputa.
Mas o que mais suscita reação, parece claro, não é o papel em si, que a lei nem cuidou de restringir: é que Lula o assume do alto de uma popularidade devastadora, que cai sobre os adversários. Nem por isso, no entanto, até agora sinalizadora de ameaças à democracia.
Por fim, um convite. O Clube Militar convida para um “painel”, às 15h de hoje em sua sede no Rio, com dois jornalistas de oposição a Lula e ao governo. Sobre nada menos do que “A democracia ameaçada: restrições à liberdade de expressão”. Tivemos longo aprendizado do interesse militar por ameaças à democracia e pelas restrições à liberdade de expressão. O título do “painel” não esclarece o sentido atual dado às expressões, mas tanto faz. Sua realização é sugestiva por si só.
As três iniciativas, à parte seus objetivos, são formas fermentadas das tensões decorrentes do processo eleitoral e das feições que tomou. Mas correm o risco de estimular projeções para depois do resultado eleitoral, e sobre ele. E, a depender do resultado, o risco de transpor o início do futuro governo. Como já aconteceu tantas vezes, nenhuma para resultar em algo bom.


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