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Em entrevista A Paulo Moreira Leite disseca a colcha de retalhos de Marina

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 Em entrevista exclusiva ao 247, o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, desmonta o programa econômico de Marina Silva e aponta suas fragilidades; "A Marina tem uma resistência antiga e anacrônica ao petróleo e ao pré-sal. Ela ignora a importância do petróleo na matriz energética mundial", diz ele; em outro ponto polêmico, Mercadante também critica a postura de Marina diante do setor financeiro: "A proposta de independência legal do Banco Central é agravada quando associada à retração dos bancos públicos na oferta de crédito. Hoje, os bancos públicos respondem por aproximadamente 50% da oferta de crédito"; leia a íntegra da entrevista concedida a Paulo Moreira Leite, diretor do 247 em Brasília

  


Por Paulo Moreira Leite
Aos 60 anos de idade, Aloizio Mercadante encontra-se no ponto mais alto de quatro décadas de uma atividade politica iniciada como liderança estudantil na luta contra regime militar, no início dos anos 1970.  Como ministro-chefe da Casa Civil, ele representa os olhos e os ouvidos da presidente Dilma Rousseff, cuja confiança conquistou depois de um retorno tímido a Brasília, como ministro de Ciência e Tecnologia, quase um cargo de consolação após a derrota na disputa pelo governo de São Paulo, em 2010.  Promovido a ministro da Educação em 2012, Mercadante assumiu a Casa Civil no início deste ano, quando Gleisi Hoffman se afastou para disputar o governo do Paraná. Escalado, inicialmente, para administrar o governo enquanto a própria Dilma enfrentava a dupla jornada de presidente e candidata, Mercadante tornou-se, nas últimas semanas, uma peça importante na campanha pela reeleição, também.Com uma formação acadêmica que vem da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo, reforçada por cursos de pós-Graduação na Universidade de Campinas, Mercadante dedicou um de seus livros mais recentes, ("Brasil - A construção retomada") a Celso Furtado, o grande mestre do pensamento desenvolvimentista, autor de  "Brasil- A construção interrompida", obra que foi uma das fontes de inspiração da vida acadêmica do ministro. Ninguém poderia imaginar que, em 2014, no calor da disputa presidencial, um assessor de Marina Silva colocaria em dúvida as ideias do mestre para dar combate a política econômica do governo Dilma. Foram críticas "preconceituosas e rebaixadas," rebate Mercadante, nesta entrevista exclusiva ao 247.Conhecido, nas assembleias estudantis, como uma das oratórias mais calibradas de sua geração, Aloizio Mercadante abriu um espaço em sua agenda desumana, na semana passada, para dissecar, ponto a ponto, o programa de governo de Marina Silva. A entrevista:

247 – O senhor já definiu o programa de Marina como uma colcha retalhos, que tenta unir o Neo-Liberalismo de Collor – FHC com políticas sociais e ampliação do mercado interno do governo Lula. Como entender isso?
Aloizio Mercadante – Estamos discutindo o futuro do Brasil e, portanto, o debate democrático deve ser feito de forma rigorosa e profunda. Convivi com Marina Silva por décadas, no Partido dos Trabalhadores (PT) e como parlamentar da mesma bancada no Congresso Nacional. Minha análise, extremamente crítica à candidatura de Marina, leva em conta a composição de forças heterogêneas, predominantemente conservadoras, que estão reunidas em torno de sua candidatura e as inconsistências e contradições presentes em seu programa de governo no  discurso de campanha, que merecem reflexão criteriosa. O programa de governo de Marina Silva é uma colcha de retalhos, mal costurada. Além do improviso e da precariedade de suas propostas, são gritantes a quantidade de plágios já comprovados e os sucessivos recuos diante de diversos temas.  

247 - Por que isso acontece?
Mercadante – Isso reflete o caráter de sua candidatura, que não é resultado do acúmulo de debates que costumam ocorrer no interior dos partidos políticos estruturados. Nos últimos anos, a candidata passou por três partidos e tentou, sem sucesso, criar um novo partido, mas não conseguiu reunir em torno de si, de forma organizada, quadros técnicos e políticos que fossem capazes de formular coletivamente um programa de governo à altura dos desafios que o país tem pela frente. O que ela fez foi costurar uma aliança política que não passa de uma aglomeração de personalidades e de apoios difusos. Por isso, seu programa acaba reunindo, às pressas, um conjunto de propostas contraditórias que denunciam sua tentativa de acomodar demandas de diversos setores, sem compromisso com a coerência e a eficácia de suas promessas de campanha.

247 – Qual a grande contradição?
Mercadante – A maior contradição está na opção em radicalizar o projeto neoliberal e a política econômica ortodoxa, e, ao mesmo tempo, dizer que vai ampliar as políticas sociais postas em prática nos últimos doze anos. Ela ignora que não há diálogo possível entre suas propostas neoliberais para a área econômica, inspiradas nos governos Collor e FHC, e as políticas de inclusão social dos governos Lula e Dilma. Na verdade, nunca uma candidatura presidencial levou tão longe seu compromisso com o Estado mínimo e políticas neoliberais tardias. Isso não aconteceu nem mesmo nos momentos de profunda crise econômica, em que o país esteve sujeito aos pacotes do FMI.

247 – 
Por exemplo....Mercadante – Na área econômica, ela se compromete com uma politica de choque nos preços de energia, “o tarifaço”, que teria forte impacto na inflação; com a independência jurídica do Banco Central, na contramão de toda a reflexão teórica e política pós-crise de 2008 sobre o papel do Estado na regulação do sistema financeiro; com a criação de um Conselho Nacional de Responsabilidade Fiscal, formado por tecnocratas “independentes  e sem qualquer vínculo com o governo”; com a redução do papel dos bancos públicos e do crédito direcionado para a indústria, a agricultura, a construção civil e para os consumidores de baixa renda; e com a eliminação da política de conteúdo local, que poderá desarticular principalmente a industrial naval e a cadeia de petróleo e gás. Essas medidas implicam delegar aos credores da dívida pública e aos bancos privados o poder de arbitrar as taxas de juros e de câmbio e a regulação do sistema financeiro. Elas reduziriam drasticamente o poder de um governo democraticamente eleito para atuar no campo fiscal e da política orçamentária. Outro efeito é suprimir o papel do Estado na execução de políticas anticíclicas, como aconteceu a partir de 2008,  que se mostraram cruciais para o enfrentamento da crise internacional e para fomentar os investimentos e aumentar o emprego.  

247 – O que está errado no programa?  
Mercadante – A conta não fecha. Na  área social a candidata promete elevar gastos em cerca de R$ 260 bilhões, o que equivale a aproximadamente 5% do PIB. Quer antecipar a meta de 10% do PIB para a educação (R$ 170 bilhões/ano), prevista no PNE, elevar o gasto com saúde para 10% da receita corrente bruta (R$ 40 bilhões/ano), aumentar em dois pontos percentuais o Fundo de Participação dos Municípios (R$ 9 bilhões/ano), estender o Bolsa Família para mais 10 milhões de famílias (R$ 19 bilhões/ano), acabar com o Fator Previdenciário (R$12 bilhões/ano), criar o passe livre estudantil (R$ 12 bilhões/ano), e multiplicar por 10  orçamento do Fundo Nacional de Segurança Pública (R$ 3,7 bilhões). Marina sabe muito bem que na vida pública é preciso eleger prioridades. E o que ela faz é desenhar uma política ortodoxa e recessiva que conflita com suas promessas sociais. Como a conta não fecha, ela não tem como esconder a real prioridade, que será o ajuste fiscal ortodoxo. Ao mencionar as promessas para a área social, Eduardo Giannetti, seu principal assessor econômico, enfatizou que “os compromissos assumidos no programa serão cumpridos à medida que as condições viabilizarem, sem prejuízo do equilíbrio fiscal. ”   Ao dizer isso, Giannetti está avisando: se a conta não fechar os pobres vão ter de esperar. 

247 – Como seria isso?
Mercadante – No programa de Marina, o  investimento social será subordinado à meta fiscal, estabelecida por um novo organismo  chamado  Conselho de Responsabilidade Fiscal. É este conselho,  independente do governo, a quem competiria assegurar o superávit primário. Ou seja, se as contas apertarem -- e nós sabemos que isso acontece nos melhores governos --  os pobres, novamente, vão ser esquecidos na hora de definir sua parte no orçamento público. O programa de Marina traz de volta um neoliberalismo tardio e uma política econômica ortodoxa, que, na prática, representa a negação da estratégia adotada nos últimos 12 anos, baseada na decisão de fazer da inclusão social e da distribuição de renda os eixos estruturantes do desenvolvimento econômico. Os governos Lula e Dilma foram responsáveis pela maior distribuição de renda de nossa história e pela saída do Brasil do Mapa da Fome, segundo a ONU. Na politica econômica proposta por Marina, o social é apenas uma variável de ajuste da política fiscal, que foi terceirizada para o seu comitê de tecnocratas.  

247 – No programa de governo, a candidata omite o papel do pré-sal e não ressalta os avanços recentes do país com energia eólica. Por que?
Mercadante – A Marina tem uma resistência antiga e anacrônica ao petróleo e ao pré-sal. Ela ignora a importância do petróleo na matriz energética mundial, não apenas como fonte de energia, mas também sob a forma de produtos e serviços.  São milhares de empregos gerados na exploração e distribuição, na petroquímica e em tantos outros setores em que o petróleo e seus derivados são empregados. O setor também é responsável por estimular a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação, com impacto direto na produtividade da indústria e da economia como um todo. Em 2009, ao ser entrevistada no programa Roda Viva, Marina defendeu que investir na exploração do pré-sal era uma “aposta errada”, um erro estratégico, pois os resultados relevantes só viriam em 20 anos. Nesse prazo, os combustíveis fósseis já teriam sido superados pelos biocombustíveis de segunda geração. Passados quatro anos, o pré-sal já é uma realidade, produzindo 540 mil barris/dia. Os governos Lula e Dilma implantaram o regime de partilha, que define a Petrobras como operadora única do pré-sal e estabelece uma política de compras públicas e de incentivo ao conteúdo local. Isso permitiu a construção de 15 novos estaleiros, que hoje empregam mais 80 mil trabalhadores. Nossa indústria naval estava destruída e hoje é a quarta do mundo.  

247 – Assessores de Marina  dizem que o governo Dilma desenvolve essa política porque está preso a uma visão ideológica superada.
Mercadante – É inacreditável que uma candidatura presidencial defenda  a compra de nossas plataformas e navios de países asiáticos  e acredite que essa iniciativa possa ter algum efeito positivo sobre o investimento e o crescimento do Brasil. O único efeito é que os empregos daqui vão migrar para países do outro lado do mundo, que não abrem mão de suas políticas de promoção industrial e de comércio exterior. São essas políticas estratégicas que o coordenador de campanha, Walter Feldman, considera “doutrinárias” e que, na sua opinião, devem ser totalmente revistas. Essa revisão fará com que o  pré-sal deixe de ser explorado pela Petrobras como única operadora, sob o regime de partilha. A eliminação do regime de partilha implicariam entregar às grandes empresas privadas internacionais nossa reservas estratégicas, e também reduziria significativamente a participação do povo brasileiro na distribuição dessa importante riqueza. A vinculação dos royalties do pré-sal e de metade do Fundo Social para as áreas de educação e saúde é o melhor exemplo de como transformar uma riqueza não-renovável em riqueza permanente e essencial para toda sociedade.

247 – Qual seria o impacto de medidas como redução do uso de combustíveis fósseis, criar uma tarifa sobre emissão de CO2, reestabelecer a CIDE?
Mercadante – Essas medidas não apenas trariam um imediato aumento dos preços dos combustíveis, mas também da energia elétrica gerada por termelétricas e de todos os produtos e serviços que utilizam, direta ou indiretamente, derivados de petróleo. É espantoso que o programa de governo de Marina nem sequer cite as termoelétricas movidas a combustíveis fósseis, que têm se mostrado essenciais para a segurança e economicidade do sistema elétrico, especialmente no último período.

247 – Por que Marina fala em rever o plano de instalação de novas usinas hidrelétricas?
Mercadante – A energia hidrelétrica é outro alvo da candidata. Hoje, as usinas hidrelétricas são a principal fonte de energia elétrica do país e os reservatórios são uma forma estratégica de estocar energia. O Brasil possui algo em torno de 160 GW de potencial hidrelétrico não aproveitado, metade dele concentrado na região Norte. Recentemente, Marina declarou que será necessário rever o plano de instalação de novas Usinas Hidrelétricas na região Norte, subestimando o imenso potencial disponível e o papel estratégico dessas usinas, de eclusas e de hidrovias para a nossa logística. No caso das hidrovias, elas são fundamentais para reduzir os custos logísticos da produção agrícola da região Centro-Oeste, permitindo também desafogar os portos das regiões Sul e Sudeste.    

247 – Sem pré-sal, sem hidrelétricas, como o país poderia obter a energia de que precisa e vai precisar nos próximos anos?
Mercadante – Além de subestimar o papel estratégico da energia hidrelétrica para o desenvolvimento sustentável da economia brasileira, o  programa de governo propõe justamente o oposto. Diz que   é preciso reorientar a matriz energética em direção às “fontes renováveis modernas (solar, eólica, de biomassa, geotermal, das marés, dos biocombustíveis de segunda geração)”.  Não vamos ignorar que nos governos Lula e Dilma o país já avançou bastante na geração de energia limpa, como eólica, a solar e a biomassa. A oferta dessas fontes passou de 240MW para 3.101MW. A oferta de energia eólica vem crescendo entre 30% e 40% ao ano, o que nos coloca como segundo país que mais investe em geração eólica no mundo. Essa expansão tem ocorrido em paralelo ao desenvolvimento da produção doméstica de equipamentos para o setor, fruto das políticas industriais e de conteúdo local, que são tão duramente criticadas pela candidata. O problema é que, como ela mesma admite,  essas opções devem trazer maior custo para o consumidor, sem, no entanto, garantir a segurança energética do país.

247 – Qual a importância desses fatores – custo e segurança – para a economia de um país?
Mercadante – A  produção regular de energia a baixo custo é estratégica para a competividade da economia de qualquer país. Os Estados Unidos não permitem  a exportação do gás de xisto extraído de suas imensas reservas, recém-descobertas. Eles estão mantendo os preços extremamente baixos para dar competitividade à sua indústria, mesmo com o país ocupando a vanguarda tecnológica nas áreas de produção de energias limpas.

247 – E a energia nuclear?
Mercadante – Os preconceitos de Marina se estendem à energia nuclear, que simplesmente é ignorada em seu programa de governo. Com Angra I e II e a construção de Angra III, o país  continuará a gerar energia elétrica de baixo custo e fornecimento constante, ao contrário da energia gerada por usinas eólicas, solares e de marés, que dependem fortemente dos ciclos da natureza. O desenvolvimento da indústria nuclear também é essencial para a área da saúde. 

247 – Marina mostrou-se capaz de recusar pesquisas nucleares para fins medicinais.
Mercadante – Em junho de 2010, a então senadora Marina Silva foi a única a votar contra a PEC 100/2007 que autorizava a produção, comercialização e utilização de produtos de radioisótopos para fins medicinais, sob supervisão da Comissão Nacional de Energia Nuclear. Na segunda votação dessa mesma PEC , quando se viu totalmente isolada no plenário, ela mudou o voto. 

247 – É razoável criticar o desempenho do Brasil na proteção do meio ambiente?Mercadante – A ONU reconhece que o Brasil é o país que mais contribuiu para a redução de emissões de gases de efeito estufa de todo planeta. Já atingimos 80% da meta voluntária que assumimos para 2020, de reduzir de 39% a 32% as emissões. O que o Brasil já reduziu em um ano equivale a todas as emissões do Reino Unido por igual período. Outra dimensão relevante é a redução do desmatamento da Amazônia.

247 – Qual o desempenho nessa questão?
Mercadante – Quando o presidente Lula assumiu o governo, tínhamos 21 mil km2 de desmatamento/ano. Durante a gestão de Marina no Ministério do Meio Ambiente, o desmatamento bateu recorde e chegou a 24 mil km2, e em 2007 reduzimos para cerca de 11 mil km2. Na gestão da presidente Dilma, tivemos as menores taxas de desmatamento da história da Amazônia, em torno de 5 mil km2 ano. O Brasil está construindo uma estratégia de desenvolvimento que combina crescimento econômico, inclusão social e sustentabilidade ambiental.  

247 – Ao falar que pretende governar com os melhores -- sem explicar melhores para  que -- Marina recupera o mito da eficiência técnica, que era o discurso favorito do regime militar e de todos governantes  que não prestam contas de seus atos.   
Mercadante – O programa de governo de Marina Silva traz duas propostas para a área econômica que transferem decisões políticas estratégicas para as mãos de tecnocratas. A proposta de independência legal do Banco Central, retira da população o direito de influir, ainda que indiretamente, em decisões que afetam o seu dia a dia, como, por exemplo, se o Banco Central deve considerar os impactos de suas decisões sobre o emprego e a renda. A constituição brasileira apenas prevê a independência dos três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. O que ela está propondo é praticamente um quarto poder: o poder dos bancos, traduzido em um Banco Central com uma diretoria blindada diante de qualquer governo democraticamente eleito pelo povo.  A autonomia operacional do BC vem sendo praticada há décadas no Brasil, mas a independência completa representa um retrocesso na relação entre o governo democraticamente eleito e o capital financeiro. É inacreditável que essa proposta ganhe força depois da crise financeira internacional de 2008. Recentemente, o presidente do Banco da Inglaterra, Mark Carney, admitiu que a busca exclusiva do combate à inflação por um Banco central independente “tornou-se uma distração perigosa para a economia”. Economistas laureados com o Nobel e ex-economistas chefe do FMI e do Banco Mundial, como Joseph Stiglitz, Paul Krugman e Simon Johnson, destacam que os excessos dos bancos centrais independentes, sempre dispostos a atender os pleitos dos mercados financeiros em matéria de regulação bancária e política monetária, estão na raiz da crise de 2008.Também ressaltam que os países com bancos centrais menos independentes, como o Brasil, a Índia e a China, foram aqueles que melhor enfrentaram a recente crise internacional. O debate mundial, após 2008, caminhou no sentido contrário ao da proposta de Marina, pois o que está em pauta é como aprofundar a regulação e o controle sobre o sistema financeiro, estabelecer regras prudenciais e coibir os riscos e as consequências econômicas e sociais de novas crises financeiras.

247 – O programa também fala na ampliação do espaço para os bancos privados.
Mercadante – A proposta de independência legal do Banco Central é agravada quando associada à retração dos bancos públicos na oferta de crédito. Hoje, os bancos públicos respondem por aproximadamente 50% da oferta de crédito. Como diz seu principal assessor econômico, Eduardo Giannetti, a indústria deve se preparar para ser “desmamada”. Outro economista ligado à campanha, Alexandre  Rands, qualifica os empresários como “prostitutas” na sua relação com os bancos públicos. São visões preconceituosas e rebaixadas da relação entre o Estado e setor privado, que, se levadas adiante, terão graves consequências para a indústria e todo o setor produtivo. Por sinal, também foram preconceituosas e rebaixadas as críticas ao ilustre brasileiro Celso Furtado e aos economistas da Unicamp.  Não satisfeita em delegar exclusivamente a técnicos as decisões de política monetária e a regulação do sistema financeiro, a candidata também propõe delegar a condução da política fiscal a outro grupo de tecnocratas não eleitos pelo povo, “sem vinculação a nenhuma instância de governo”: o Conselho Nacional de Responsabilidade Fiscal. Dessa forma, ela propõe terceirizar instrumentos fundamentais que os governos democráticos dispõem para a implementação da política fiscal e orçamentária e o enfrentamento de crises.  

247 – Quais as consequências práticas dessas propostas?
Mercadante – Concebidas sob o pretexto da racionalidade técnica, elas levam para o caminho da recessão,  com o choque de preços de energia, o encarecimento do crédito, o aperto monetário e fiscal, a terceirização da politica fiscal e, consequentemente, o rompimento completo com os compromissos sociais e com a própria estrutura produtiva do país.

247 – Por que os ataques aos bancos públicos?
Mercadante – O programa de Marina Silva critica duramente os bancos públicos – que supostamente impediriam o desenvolvimento do crédito privado e do mercado de capitais – e condena os aportes do Tesouro nacional ao BNDES, bem como seus critérios na concessão de financiamentos. Entretanto, a presença e atuação dos bancos públicos têm sido fundamentais no financiamento de projetos estratégicos para o nosso desenvolvimento econômico, como grandes obras de infraestrutura e de modernização da indústria. É evidente que é importante desenvolver o crédito privado e novos instrumentos de crédito de longo prazo, mas é um equívoco privatizar o mercado de crédito e abrir mão de instrumentos públicos, para o investimento de longo prazo A atuação dos bancos públicos foi muito importante não apenas para a reação à crise de 2008, mas também para a manutenção de boa parte do dinamismo do mercado doméstico e para a recuperação do investimento, que permitiram combinar crescimento econômico com inclusão social. Diante da crise internacional, a política industrial e os bancos públicos (BB, BNDES, CEF, BASA, FINEP e BNE) têm sido utilizados pelos governos como instrumentos de política anticíclica e de renovação da estrutura produtiva. Nos últimos anos, houve um aumento do ativismo do Estado em vários países, como os Estados Unidos, o Japão e a Coreia do Sul, para não mencionar a China, que é o principal exemplo de dinamismo e utilização de bancos públicos. No fundo, a candidata retoma uma velha proposta do sistema financeiro, que deseja acabar com o crédito direcionado e barato para atividades estratégicas em áreas como agricultura, habitação e investimento de longo prazo. Ou seja, estariam comprometidos os R$ 180 bilhões de reais/safra para a agricultura comercial e familiar, previstos no plano Safra 2014-2015, os R$ 190 bilhões de reais/ano destinados pelo BNDES principalmente à indústria e infraestrutura, e os recursos destinados aos programas de financiamento à habitação popular, como o programa Minha Casa Minha Vida. Com isso, o crédito ficaria mais caro, tanto para quem produz, quanto para quem quer comprar sua casa própria, derrubando assim os Investimentos e empurrando nossa economia para um ajuste ortodoxo e recessivo. Marina propõe eliminar a política de compras governamentais e conteúdo local.  Os principais alvos de suas medidas são a cadeia de petróleo e gás e a indústria automotiva. Isso significaria desarticular o Inovar Auto, que atraiu 12 novas montadoras para o país, adensou a cadeia produtiva no setor e está estimulando a pesquisa, desenvolvimento e inovação dessa indústria. Também significaria retomar o processo de desnacionalização de nossa indústria de autopeças, revertendo os esforços recentes. Da mesma forma, a suspensão da exigência de conteúdo local na cadeia de petróleo e gás desmobilizaria a capacidade de nossos estaleiros. Sofreriam, ainda, duro impacto os esforços de inovação e agregação de valor da indústria de fármacos e de tecnologia da informação. A indústria de defesa também foi abandonada no programa de governo, apesar de ser estratégica para a soberania e o desenvolvimento tecnológico, pois demanda muita pesquisa e alta tecnologia, e para a balança comercial, pois essa indústria atualmente exporta US$2,5 bilhões por ano. O Brasil vem desenvolvendo importantes projetos, como a construção de submarinos para a defesa do pré-sal, os aviões cargueiros (modelo KC 390 da Embraer), Super Tucano, os novos caças Grippen, o sistema de monitoramento da Amazônia Azul, os Helicópteros Militares HX-BR, o Sisfron (Sistema de Monitoramento de Fronteiras), o veículo blindado Guarani e os veículos aéreos não tripulados – VANTS, muito importantes para a vigilância de nossas fronteiras.  

247 – O programa fala em reordenar gastos públicos para ganhar eficiência...
Mercadante – Como já disse, Marina Silva propõe aumentar significativamente o gasto com programas sociais, prevendo um incremento de pelo menos R$ 260 bilhões mas em nenhum momento diz de onde virão os recursos necessários. Apenas diz que esse aumento seria financiado com ganhos de eficiência da administração pública e pelo fim do componente fiscal dos subsídios aos bancos públicos.  Sem ingenuidade, nem demagogia, para se chegar a um ganho de eficiencia dessa ordem exigiria arrochar salários, desestruturar carreiras e reduzir o atual quadro de servidores públicos. É bom lembrar que quando se tentou algo do gênero, o resultado foi o acúmulo de processos e condenações da União e a desestruturação de unidades chave,  para o planejamento e a gestão do Estado. Ela também propõe cortar as linhas de crédito subsidiado e direcionados que beneficiam a agricultura, a habitação popular, a indústria, a infraestrutura e os exportadores.

247 – Os aliados de Marina dizem que suas linhas de política externa se baseiam no pragmatismo, que seria uma contraposição a diplomacia de Lula. O programa assume o ponto de vista da diplomacia tucana na qual o país só teria a ganhar com uma “integração subordinada” ao governo dos EUA.
Mercadante – As propostas de política externa da candidata representam a retomada da estratégia de inserção subordinada do Brasil na economia mundial. Sua concepção de integração às cadeias globais de produção vem acompanhada da renúncia a todas as formas de política industrial. O governo brasileiro abriria mão dos principais instrumentos necessários para o Brasil assegurar uma posição nessas cadeias globais, com bons empregos à população, impulso à inovação tecnológica e aumento do conteúdo nacional de nossos produtos. O México é um exemplo do alinhamento comercial defendido por Marina. De 1999 a 2010, o PIB per capita em Paridade de Poder de Compra (PPP) do México cresceu 9,1%, enquanto que o do Brasil cresceu 31%. No mesmo período, pobreza atingiu 51% da população mexicana, enquanto que o Brasil, de 2001 a 2012, presenciou uma redução sem precedentes da desigualdade e da pobreza extrema, que caiu de 14% para 3,5% de acordo com a ONU. Qual o modelo de desenvolvimento parece mais adequado: o conduzido por Lula e Dilma ou o adotado pelo México? De forma envergonhada, ela também propõe relativizar o Mercosul e a estratégia de interação regional ou mesmo abandoná-lo. Mas ao se associar aos ataques conservadores ao Mercosul, ela omite que nos últimos anos o comércio mundial cresceu 180%, enquanto nossas exportações para o Mercosul cresceram mais de 600%, com destaque para as nossas exportações de bens industriais.  Além disso, o aprofundamento da integração produtiva e da infraestrutura regional vem permitindo ao Brasil, a maior economia do bloco, firmar-se como líder na região. Foi precisamente nos últimos anos que fortalecemos o Mercosul, que constituímos a Unasul e a Celac, em um ambiente de paz e democracia na região, em contraposição a um passado golpista e de longos períodos ditatoriais. O Brasil não pode negligenciar seu papel regional, pois respondemos por mais da metade do território, do PIB e da população da América do Sul.

247 – E os BRICS?
Mercadante – A outra grande frente de atuação de sua política externa conservadora conduz ao enfraquecimento da cooperação no âmbito dos BRICS, por meio da imposição de constrangimentos à cooperação, subordinando a agenda de cooperação a temas como meio ambiente e direitos humanos. Se essa postura pudesse ser levada a sério, o programa deveria propor que as relações com os EUA deveriam subordinar-se a discussão de direitos humanos em Guantánamo ou e emissões de CO2,pois este é o maior emissor mundial e não é signatário do Tratado de Kyoto. Obviamente, isso a candidata não propõe. Na prática, essa proposta esvazia os BRICS e compromete os esforços para a criação de novos mecanismos de promoção do desenvolvimento e estabilidade financeira, como o Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS e o Arranjo Contingente de Reservas, que estão se constituindo instrumentos mais avançados que o Banco Mundial e o FMI.Isso significa renunciar ao esforço de construção de um mundo multipolar e o retorno à lógica de inserção subordinada aos países desenvolvidos, cujo maior símbolo era o projeto de inserção na Alca. Naquela época, acumulávamos déficits comerciais de US$ 8,6 bilhões. Muito diferente da política externa e comercial dos governos Lula e Dilma, em que se acumularam superávits comerciais da ordem de US$ 312 bilhões e US$ 380 bilhões em reservas internacionais, ao mesmo tempo em que nossa diplomacia se ampliou e se diversificou em todo o mundo.  247 – Quando fala em governo dos "melhores" que ela mesma vai escolher, Marina expressa um grande desprezo pelos partidos políticos, em benefício de relações pessoais, de personalidades,  de  homens e mulheres providenciais.Mercadante – Apesar de ter sido vereadora, deputada estadual, senadora por dois mandatos e ministra por cinco anos, e de ter passado por três partidos e por um projeto mal sucedido de organização partidária, Marina Silva pretende se apresentar como porta-voz de uma “nova política”. Seu discurso se propõe superar problemas históricos da democracia brasileira, tais como o predomínio de interesses econômicos e sociais hegemônicos, a concentração do poder político nas mãos de partidos tradicionais e de grupos oligárquicos, a existência de um presidencialismo de coalizão, que favorece o fisiologismo e a corrupção, e a baixa qualidade dos mecanismos de participação popular e de transparência pública. Seus ataques aos partidos políticos têm sido direcionados especialmente ao PT, partido em que ela militou por 27 anos, cuja militância foi responsável pela sua condução a todos seus mandatos eletivos e pela sustentação dos embates políticos que travou ao longo de sua vida pública.  A candidata sonha com um presidencialismo construído em torno de personalidades – “os homens de bem”.  As  grandes crises políticas do país sempre começaram pela ausência de apoio parlamentar, como aconteceu durante os governos Jânio Quadros e Fernando Collor. Ambos tentaram,  em sua época, atrair aqueles que eram chamados de "melhores." Os livros de história contam o que aconteceu.247 – Como avaliar a proposta de reforma política do programa de Marina?Mercadante – É inacreditável falar em “nova politica” sem enfrentar um tema central, que está na raiz de quase todos os escândalos de corrupção envolvendo políticos – o financiamento  das campanhas eleitorais por empresas privadas. .Em seu programa de governo, a candidata apenas se compromete a aperfeiçoar os mecanismos de fiscalização e prestação de contas das doações privada. Ela caminha na direção contrária à do Supremo Tribunal Federal, que está prestes a proibir as doações de empresas privadas. Recentemente, até o Senado norte-americano deu início a um processo parlamentar para aprovar uma emenda constitucional que permitirá restringir definitivamente a influência de empresas privadas do processo eleitoral. Por ironia, nos últimos dias, Marina Silva passou a falar em financiamento público de campanha, em mais um recuo em seu programa de governo. 247 – Mas o programa também fala de mudanças no horário político, na estrutura dos partidos...Mercadante – É uma proposta que enfraquece, sobretudo, os partidos programáticos. Por exemplo, a  implementação da “Verdade Eleitoral” representa o fim do quociente eleitoral, o que enfraqueceria principalmente os partidos políticos que têm em seus quadros lideranças políticas bem votadas. Isso seria agravado com a possibilidade de candidaturas avulsas aos cargos proporcionais, que favoreceria os candidatos com alta exposição pública, grande poder econômico, ou representantes de “causas” que já se elegem dentro da atual estrutura partidária, mas que deixariam de contribuir para o quociente eleitoral e para a vida partidária. O que enfraquece justamente os partidos de conteúdo programático, para os quais é essencial o acúmulo de debates e candidaturas.  Sua proposta de revisão da distribuição do tempo para a propaganda eleitoral também reduz a importância do voto do eleitor que determina o tamanho das bancadas parlamentares, critério utilizado na determinação de parte do tempo de televisão. Na sua visão, as bancadas parlamentares não seriam representativas da sociedade brasileira. Ou seja, a candidata acredita possuir uma fórmula “melhor” do que o voto do eleitor para definir essa representatividade, mas não diz qual é essa fórmula. E ao relativizar o tamanho das bancadas como critério para a distribuição de tempo proporcional de televisão, acena com a distribuição desse tempo de forma isonômica entre todos os candidatos, o que favoreceria as legendas de aluguel, sempre dispostas a usar o tempo de TV como moeda de troca, estimulando ainda mais a fragmentação partidária.  247 – O programa fala também de plebiscitos e referendos...Mercadante – 


Sua única proposta modernizadora é, na verdade, uma bandeira histórica do PT, que introduziu na gestão pública diversas formas de participação popular, como conferências nacionais e regionais, orçamento participativo e conselhos da sociedade civil É bom lembrar que, desde 2010, a candidata propõe a realização de consultas populares com o propósito de se esquivar do debate de temas polêmicos, como a descriminalização do aborto e da maconha. Em nenhum momento, porém, a candidata propõe submeter à consulta popular temas de amplo interesse, como  suas proposta de independência legal do Banco Central, e de retração do papel dos Bancos Públicos. Marina é uma política profissional há décadas e agora se filiou a um partido extremamente pragmático, tanto na sua composição interna, como nas alianças políticas. A sua campanha aglutinou predominantemente quadros políticos e ideólogos do pensamento conservador. A nova política é uma retórica cada dia mais fragilizada pelos compromissos, composição de forças, atitudes e alianças da candidata.


Paulo Moreira Leite: alguns números não mentem

É bom não desprezar a importância das estratégicas de marketing numa campanha eleitoral dirigida a uma massa de mais de 100 milhões de eleitores. Convém colocar os pés na realidade, porém.

Há duas semanas que os índices de intenção de voto de Dilma Rousseff estão em alta. Sobem em todos os institutos, em todos os itens, em todas comparações. Conforme os dados mais recentes, Dilma lidera a campanha no primeiro turno e alcançou um empate técnico com Marina Silva em pesquisas para o segundo turno. Se você olhar a curva, pode até enxergar mais crescimento de Dilma pela frente. Se olhar para trás, irá lembrar que há exatamente um mês Dilma era candidata — matematicamente — a vencer a eleição no primeiro turno. O que mudou mesmo?

O que mudou foi a morte de Eduardo Campos, até então um concorrente secundário. Marina chegou com 21 pontos, o mesmo número que possuía em 2010, deslocou Aécio Neves e tornou-se a primeira desafiante real. Os números de ontem mostram que os benefícios emocionais das primeiras semanas começam a esgotar-se. O eleitor olha para a concorrente com atenção e quer saber o que ela representa como candidata. Marina foi adotada pela herdeira de um dos grandes bancos privados do país e assumiu uma proposta que o cidadão comum pode não entender — independência do Banco Central — mas compreende o que significa: deixa o controle da política econômica nas mãos do mercado, sem respeitar autoridades eleitas pelo povo. Sua assessoria econômica produz cenas frequentes de opera-bufa. Em sucessivas demonstrações de fraqueza, a candidata corrige o programa de governo depois de quatro tuítes, o que é deprimente. Depois anuncia que irá formar um comitê para recrutar “homens de bem” para formar sua equipe, o que é ridículo. Seu programa de governo não trazia uma linha sobre o pré-sal, o que surpreendeu até os adversários, pois demonstra uma dificuldade imensa para pensar seriamente o futuro do país.

Para infelicidade de quem anunciou a morte do PT em tantas oportunidades, a campanha de 2014 mostra o oposto e se move em torno do universo político nascido em torno de Luiz Inácio Lula da Silva. A soma das intenções de voto de petistas e ex-petistas — Dilma, Marina, Luciana Genro e Eduardo Jorge — se aproxima de 75% do total do eleitorado, o que é até comum em ditaduras, mas configura um recorde sob regimes democráticos. Estamos falando de um movimento político das maiorias, que nasceu ligado a luta em defesa dos direitos dos trabalhadores, a denúncia da má distribuição de renda, ao alargamento da democracia, questões que permanecem atuais até hoje porque refletem uma realidade de classe. A força de Dilma reside no fato de que, neste terreno, onde caminha a maioria dos brasileiros, seu governo tem o que mostrar — o que explica a dificuldade dos adversários para enfrentar um debate racional.
Não se trata de achar que o governo é bom ou ótimo, ruim ou péssimo. Mas de perguntar se o país não irá ficar pior se Dilma não for reeleita. Essa é a pergunta da campanha. A reação de aliados reticentes e distanciados, que nas últimas semanas se reagruparam em apoio ao governo, demonstra aonde está a força de gravidade e explica a retomada de Dilma nas pesquisas.




Incapaz de questionar o governo onde importa para as pessoas que vivem do próprio trabalho, a oposição dá um valor exagerado, com traços de comportamento obsessivo-compulsivo, a operações especulativas da Bolsa de Valores, que por si só não sinalizam grande coisa na economia.

A dificuldade de Aécio Neves reside aí. Ele está excluído da campanha porque foi excluído da vida real da maioria dos brasileiros. O PSDB pode reivindicar os méritos de ter derrubado a inflação em 1994, mas não participou das transformações de fundo que vieram depois, e que criaram um país onde a periferia social não se encontra no poder, mas faz-se ouvir como nunca antes em 500 anos de história. E isso é realmente novo, por mais que muita gente já esteja habituado.

Depois de tentar, inutilmente, denunciar as mudanças promovidas por Lula como manobras eleitoreiras, o PSDB acabou falando sozinho — num prenúncio da posição de Aécio no último debate.

Aécio não tem o lastro popular de Marina — comprometido agora com o apoio até de parentes do assassino de Chico Mendes — e também não tem discurso. Fez campanha como garoto mimado, lembrando sempre quem foi seu avô mas sem ter o que dizer para netos menos afortunados. Continua com muitos amigos na mídia, capazes de escrever que caiu em terceiro lugar em Minas Gerais por um “descuido” na própria estratégia de campanha. Mas sua última esperança é um lance de sorte, um evento extrapolítico.

Neste ambiente inteiramente desfavorável, os adversários do governo imaginam que será possível confundir o eleitorado, na reta final, com a produção de um escândalo político midiático em torno da delação premiada de Paulo Roberto da Costa. Não se trata de um debate ético, nem de uma discussão produtiva — quando seria mais conveniente discutir reforma política e financiamento de campanhas — mas de uma iniciativa seletiva, a mesma que produziu a AP 470 e escondeu o mensalão PSDB-MG e o propinoduto tucano do metrô paulista. Incapaz de vencer um partido nas urnas, seus adversários contam com ajuda externa para a carta da criminalização.

Ainda assim, os números traduzem uma situação clara: no debate político de 2014, a oposição está sendo vencida pela quarta vez consecutiva.


Quando a propaganda tem razão, por Paulo Moreira Leite

Historia da recessão européia mostra que autonomia do Banco Central foi indispensável para uma política contra vontade da maioria da população





A reação negativa diante da propaganda de Dilma que denuncia a independência do Banco Central só se explica pelas razões da pequena política. O anúncio tem razão de ser e estimula um debate indispensável depois que Marina Silva se comprometeu com a medida na campanha.

Vamos deixar o estilo de lado, que talvez seja um tanto sombrio demais. O tom é panfletário? Sem dúvida — mas estamos falando de propaganda, certo? Também podemos dizer, avaliando o roteiro com um tom um pouquinho pedante na voz, que o problema das relações entre os bancos privados, os governos de cada país e a prosperidade das famílias “é mais complexo” do que se vê na tela.
Vamos combinar: quando fica difícil sustentar uma divergência frontal, sempre se pode dizer, a respeito de qualquer coisa, que ela é “mais complexa” do que parece — até um exercício de matemática elementar do ensino fundamental.

Ainda assim, a verdade é que a independência do Banco Central assegura um poder fora de todo controle democrático, aos bancos e ao sistema financeiro. Você pode ir até a urna e escolher o governo que quiser, com o projeto que achar melhor. Um Banco Central independente pode desfazer tudo isso e seguir o caminho posto. Seus dirigentes têm um mandato por tempo determinado, com a soberania intocável de um ministro do Supremo Tribunal Federal. Eles não deliberam sobre a Justiça, a culpa, a inocência. Decidem sobre o emprego, o salário, a renda.

Se você examinar a triste situação da Europa nos dias de hoje verá que pertence ao reino das grandes mistificações da política brasileira de 2014 a visão que aponta Marina Silva — a candidata que defende independência do Banco Central — como expressão dos protestos de junho de 2013.

Suas alianças, seus assessores e especialmente a autonomia do BC não tem nada a ver com os protestos, que guardam várias semelhanças com o descontentamento do Velho Mundo, que inclui acampamentos nas grandes capitais, ocupação de edifícios públicos, boicote aos partidos políticos e assim por diante.
São elementos que Marina procura capitalizar com a conversinha de Nova Política mas pouco tem a ver com a realidade de sua campanha.

Gostem ou não os aliados de Marina, a autonomia do Banco Central Europeu foi um instrumento indispensável para que o sistema financeiro saísse preservado da crise de 2008 no Velho Mundo, levando a população a enfrentar uma recessão prolongada, que o mundo não conhecia desde 1929. Centro de gravidade da crise mundial, a União Européia abriga o maior PIB do planeta, o maior mercado consumidor, as sociedades com renda melhor distribuída, e mesmo assim não consegue sair do lugar.

No centro da crise, encontra-se o Banco Central Europeu, que é independente dos eleitores dos países-membros e funciona como um colegiado autônomo. Manda sim mais que os presidentes de cada país, como diz a propaganda de Dilma, e foi assim que o Velho Mundo afundou e permanece prostrado. Se você acha que estou exagerando, consulte os Premios Nobel Joseph Stiglitz e Paul Krugman, que sabem muito mais do que eu.

Instalado na presidência do Banco Central no momento da crise, intocável pela autonomia regulamentar, o francês Jean-Louis Trichet administrou a bancarrota do velho mundo sem peso na consciência. Enquanto milhões de cidadãos, especialmente jovens, iam à rua em protestos contra o desemprego, o corte nos gastos públicos e em investimentos, o BCE permanecia impassível e praticava uma política contrária.
A população gritava por seus direitos. O desemprego dos jovens bateu em 25% e até mais. Os serviços públicos viraram fumaça.
O argumento do BCE, próximo do delírio, é que se deveria tomar cuidado com a alta da inflação, que nunca chegou a 1%.

Impotentes, sem instrumentos para interferir na economia, mesmo que quisessem, os governos europeus foram derrubados pela austeridade de Trichet. Caíram como peças de dominó, na Grécia e na Espanha, em Portugal e na Italia. Seus sucessores pouco puderam fazer, enquanto os eleitores descobriam que haviam votado por uma coisa — mas o BC determinava outra. A política se reduzira a um faz-de-conta incapaz de interferir no núcleo de decisões econômicas, dominado pela troika, constituída pelo BCE, pelo FMI e pela Comissão Européia.

Aqueles países que foram exemplo de civilização não se levantaram até hoje. A França foi a penúltima a rolar pelo despenhadeiro. Maior potência continental, a Alemanha se encontra agarrada nas bordas.

O destino da crise, no Brasil, foi outro. Nos primeiros meses, o BC até elevou os juros, atendendo a pressão dos mercados — mas seus dirigentes, por vontade ou por conveniência, se uniram ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva no esforço para criar estímulos para garantir a retomada do crescimento, permitindo que as empresas fizessem empréstimos, o consumidor voltasse as compras e os empregos ficassem garantidos. O resto da história nos conhecemos: ainda que seis anos depois a economia esteja caminhando de lado — e é possível apontar varias causas para isso — o desemprego segue baixo e os salários foram preservados.

Dá para entender por que o pessoal quer autonomia do Banco Central também no Brasil, certo?

Paulo Moreira Leite é diretor do 247 em Brasília. É também autor do livro "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA, IstoÉ e Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa".


A "Maria Antonieta" de Marina Por Paulo Moreira Leite

Devemos a Luís Nassif uma boa análise das ideias econômicas de Eduardo Gianetti, principal assessor econômico de Marina Silva.

Cabe fazer uma análise da visão política por trás do pensamento econômico, também. As ideias de Giannetti são aristocráticas e antiquadas, traduzindo uma visão de mundo própria de Maria Antonieta, a Rainha da França que no século XVIII recomendou ao povo faminto que procurasse brioches - já que lhe faltava pão - e acabou perdendo a cabeça na guilhotina.

Garoto mimado do Estado mínimo brasileiro, pioneiro do neo-conservadorismo tropical, com muita audiência em jornais onde defende propostas que nunca tiveram voto em urna, o pensamento de Gianetti sofre de uma alienação social em grau absurdo. Não aceita a noção de que nos dias de hoje a economia de um país não pode funcionar sem respeitar os interesses da maioria, sem garantir a negociação entre classes sociais, base do regime político que permitiu ao capitalismo conviver com a democracia e o progresso dos humildes.
Economia, neste pensamento, é um exercício com ratos de laboratório. Não é uma obra de homens e mulheres com sua consciência e seus interesses, direitos adquiridos e projetos para o futuro, para suas famílias e seu país.

A última ideia de Gianetti para a economia, em caso de vitória de Marina Silva, é promover um tarifaço - a medida é tratada por um eufemismo, “choque tarifário” - para liberar preços represados pela política de Dilma Rousseff-Guido Mantega. São preços administrados, que estão no coração da economia.
Como nós sabemos, o governo busca conter a inflação sem tungar o bolso dos mais pobres, mantendo o desemprego baixo e a distribuição de renda, mesmo em condições especialmente difíceis.
Nem o governo discute a necessidade de, aos poucos, cuidadosamente, reajustar preços e tarifas. O que se quer é evitar medidas em que só a parte mais fraca seja prejudicada, sem nenhuma recompensa em troca.
Mas estamos falando de outra coisa. A receita de Maria de Antonieta. Quando as medidas econômicas se transformam em crise política. Há antecedentes.




O mais conhecido governante da América do Sul a mandar o povo trocar pão por brioches foi o presidente da Venezuela Carlos Andrés Perez.
Disputando a sucessão de um governo que possuía uma certa preocupação social, Perez fez um teatrinho previsível. Apresentou-se se como candidato progressista. Prometeu fazer um governo capaz de defender a maioria e até condenou ideias conservadoras, próprias do ideário de Margareth Tatcher que seduziu tantos economistas jovens daquele tempo, no Chile, no Brasil e em outros países.
Fazia o jogo do bonzinho, você entende. Após a contagem dos votos, em fevereiro de 1989 Perez tomou posse e traiu seus compromissos.

Apoiado pelo FMI, liberou o preço da gasolina - referência para tudo o que se consome e se produz no país - que subiu mais de 100%. A passagem de ônibus subiu 30%. Revoltada, a população enfrentou a polícia, invadiu edifícios públicos, revirou automóveis e incendiou ônibus, num episódio que se repetiu nas principais cidades do país mas levou o nome da capital, seu ponto de origem: Caracazo.

Perez manteve-se no posto graças a um massacre que a população chora até hoje, e que deixou 2 000 mortos, segundo a maioria das estimativas. Mas seu governo acabou ali, sobrevivendo como um fantasma que perdeu o caminho do próprio túmulo até se extinguir no pleito seguinte. Antes de Perez deixar o cargo, porém, o coronel Hugo Chávez, então um ilustre desconhecido, foi aclamado como herói ao tentar derrubar o governo num golpe de Estado. Chávez foi preso e condenado mas, ao sair da prisão, ganhou a presidência pelo voto direito e tornou-se o político mais popular da história venezuelana. Você entende por que.
Num lance de suprema humilhação, anos depois um agente da CIA divulgou que Andrés Perez estava na lista de agentes remunerados do serviço secreto americano. Ninguém ficou surpreso.

O monólogo impopular de Gianetti não começou no tarifaço de 2014. Incluiu outra bandeira cara a Marina Silva, o ambientalismo. Quando o jornalista Ricardo Arnt perguntou a Gianetti como imaginava que seria possível garantir a preservação ambiental, a resposta veio sem rodeios: sacrificar o consumo da população. Está lá, na páginas 72 do livro de Arnt, “O que Os Economistas pensam sobre a Sustentabilidade”.

No esforço para diminuir a poluição ambiental produzida pelos puns do gado na Amazonia, Gianetti sugere uma mudança na alimentação do brasileiro: “Comer bife é uma extravagância do ponto de vista ambiental. O preço da carne vai ter de ser muito caro, o leite terá de ficar mais caro. Tudo que tem impacto ambiental vai ter de embutir o custo real e não apenas o monetário. Essa é a mudança decisiva.”

Acho que nem Maria Antonieta diria uma coisa dessas, não é mesmo?



Marina candidata: PSB perdeu hoje a Presidência, por Paulo Moreira Leite

Abaixo o texto do jornalista, confirma o meu: Crescer ou deixar de existir. É o que o PSB vai decidir

Paulo Moreira Leite _247 - Momentos antes da candidatura de Marina Silva ser oficializada, em evento marcado para esta quarta-feira, o Partido Socialista Brasileiro enfrentava um ambiente menos festivo do que se poderia imaginar. Para além de toda dor provocada pela morte de Eduardo Campos, um líder que soube se impor pela força de mando mas também pela capacidade de oferecer respostas políticas que agradaram a maioria do partido, ficou uma questão grande demais para ser ignorada, mas grave demais para ser discutida abertamente. A candidata não é do PSB, não pensa como o PSB, não tem amigos no PSB nem irá governar, em caso de vitória, com o PSB. Marina é Rede.

Perdemos a eleição hoje, disse um auxiliar dos socialistas, subindo as escadas da sede nacional do PSB, em Brasília — que fica numa sobreloja da Asa Norte, num conjunto de salas que, pelo caráter austero, lembra uma escola de computação. "O que é combinado não é caro," afirmou o governador do Espírito Santo, Renato Casa Grande, ao chegar, depois de participar, no Lago Sul, de uma reunião de dirigentes do partido com a própria Marina. Nem todos os detalhes do acordo entre Marina e o PSB são conhecidos e é provável que muitos deles jamais se tornem públicos. O certo é que, ao longo do dia, os dirigentes do PSB se encarregaram de amassar, embrulhar e colocar na lata do lixo uma ideia exótica que havia circulado na véspera — a de obrigar a candidata a assinar uma carta com compromissos com o partido sob condição de garantir sua candidatura.

Marina Silva não se tornou candidata presidencial porque o PSB queria mas porque não possuía outra opção. Ainda que a candidatura de Eduardo Campos desse a impressão de ter chegado a seu teto sem mostrar-se competitiva — pelo menos antes do início do horário político — seu circulo próximo nunca deixou de acreditar em suas próprias chances de ganhar a Presidência da República. A tese é conhecida: Eduardo seria capaz de bater Aécio no primeiro turno em função do desgaste tucano e, na segunda fase, carregar os votos do PSDB para vencer Dilma. Embora vista com relativa incredulidade fora do PSB, em suas fileiras essa visão era alimentada e repetida cotidianamente, numa narrativa que o jornalista Alon Fewerwerker, coordenador da campanha, conseguia defender com lucidez e argumentos racionais.

Se era assim com um candidato que nos bons momentos das pesquisas mal chegava perto dos dois dígitos de intenção de voto, não é difícil pensar que Marina possa conseguir a mesma coisa. Ela não só obteve o dobro em 2010 como deixou as pesquisas — quando oficialmente também deixou de ser candidata — com 27% das preferências. A Marina de 2014 não é a mesma de 2010. É aquela que pode ser vitaminada pelos protestos de 2013, que enxerga em sua candidatura um caráter anti-sistema e anti-políticos — e até agora não deu mostras de fazer qualquer objeção a presença de um núcleo de auxiliares ultra-conservadores que têm dado as cartas nos debates econômicos, aquela área de qualquer governo que envolve salários, emprego, programas sociais e outras decisões que afetam para melhor ou para pior a vida da população mais pobre.

O PSB tentou resistir a Marina e fez isso enquanto era possível imaginar que se tratava de uma perspectiva realista. Durou pouco. No ano passado, o senador Rodrigo Rollemberg, candidato ao governo do Distrito Federal, foi quem levou a Eduardo Campos o recado de que, após a reprovação da Rede no TSE, Marina Silva mandava dizer que queria preencher a ficha do partido — e ouviu, como primeira reação, uma pergunta que ficaria célebre: "você já bebeu?" Em 2014, candidato junto a um eleitorado fiel a Marina, qualquer que seja seu partido, Rollemberg foi um dos raros partidários de sua candidatura presidencial no primeiro momento. Outros dirigentes, com peso e liderança, vieram depois. Eles temiam ser prejudicados pelo boicote de Marina a suas alianças, como o acordo com Geraldo Alkcmin em São Paulo.

A rendição a nova candidatura se fez em nome da mais preciosa e fugaz mercadoria da vida política. Não é o poder, como muitos pensam. Mas a perspectiva de poder, como já entenderam os profissionais do ramo. Se o poder impõe limites e restrições, pois é preciso fazer escolhas, definir prioridades e dizer "não", por mais que isso seja desagradável, a perspectiva do poder contém uma aura de sonho, de alcance infinito. Foi por causa dela que os socialistas não puderam recusar o apoio a Marina e deram aquele passo em que mesmo uma eventual vitória também irá significar uma estranha derrota, com a qual não contavam — pelo menos agora.


Paulo Moreira Leite: Inflação cai pelo quarto mês consecutivo

E, agora?...
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Há quatro meses, quem ousasse dizer que a inflação apresentava uma tendencia de queda seria submetido a um corredor polonês pelos críticos do governo. Se fosse economista, seria definido como aparelhado pelo PT. Jornalista, seria chamado de chapa branca. Pois a inflação está em queda desde então e, em julho, atingiu a marca anual de 6,50%, contra 6,52% no mês anterior.
Milagre? Nem um pouco. A queda da inflação era previsível como a chegada do dia depois da noite. Os preços, no Brasil, sempre sobem mais no primeiro semestre do que no segundo. Lição de curso básico de economia para principiantes.
Bastava querer fazer boa economia — em vez de má psicologia, aumentando a carga sobre o governo em ano eleitoral.
Olha que coisa difícil. No começo do ano, as passagens de avião estavam em alta, bem como as diárias de hotel e transportes, de forma geral.
Era o efeito Copa.
A partir de julho, depois da Copa, era óbvio que a força que jogava os preços para cima iria diminuir e até acabar. O item transportes, por exemplo, teve queda de 0,018%.
Os alimentos ficaram parados, e até tiveram uma queda de ver no microscópio: 0,04% negativos. Uma decepção para quem torcia para que a inflação do tomate durasse o ano inteiro, prejudicando o bolso dos mais pobres e diminuindo o apoio ao governo.
Teria sido prudente fazer a lição de casa: apesar de todos os contratempos, o ano 2014 seria e foi um ano de safra recorde. Não foi um presente do céu, mas um planejamento que funcionou.
Se a energia elétrica não tivesse subido, julho teria registrado uma deflação de 0,10.
Daria para imaginar o que vemos hoje? Claro. Bastava encarar a realidade econômica como ela é — e não como se gostaria que fosse.
Interessada em criar um apocalipse econômico na véspera da eleição, a oposição e seus aliados colocaram o governo contra a parede. Exigiam alta da gasolina, de impacto direto nos preços, ao mesmo tempo em que denunciavam qualquer arranhão acima da meta.
Clamavam por juros altos, que implicam na transferência de bilhões de reais dos cofres públicos para o setor privado mas, ao mesmo tempo, denunciavam a falta de controle nos gastos oficiais.
É correto reconhecer que essa pressão teve algum efeito.
A inflação não subiu, mas o consumo se retraiu e o crescimento foi afetado. Os juros para o consumidor e para o empresário atingiram um patamar sem qualquer relação com o nível do PROCOM, mas apenas com possibilidade dos bancos retornarem com gosto à ciranda financeira, onde o ganho é alto e o risco é zero. O consumo foi dificultado pelos juros nas alturas.
Para os próximos meses, o governo deve reforçar a oferta de crédito nos bancos públicos, como uma tentativa de vitaminar o crescimento.
Pode-se prever a melodia do coral dos amigos do mercado contra a presença do estado na economia.
Com os números do IBGE, a oposição brasileira acumula uma terceira profecia fracassada no ano eleitoral de 2014. A primeira foi o apagão e a segunda, a Copa que não iria ocorrer.
A terceira era o risco de uma hiperinflação provocada pela alta descontrolada dos gastos do governo. A realidade está aí.
Para a população uma alegria. Para a oposição, um vexame.


Paulo Moreira Leite é diretor do 247 em Brasília. É também autor do livro "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA, IstoÉ e Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa".

Fazendo teoria da conspitação

Sou inteiramente solidário com Miriam Leitão e Carlos Alberto Sardenberg, que tiveram seu perfil na enciclopédia Wikipedia alterado a partir de um computador conectado a rede do Palácio do Planalto.
O grave, no episódio, é a geo-política.
É inaceitável que um instrumente que pertence ao patrimônio público seja utilizado em benefício de interesses políticos particulares.
Cabe investigar e apurar as responsabilidades, como o governo já anunciou que irá fazer.
Mas discordo da própria Miriam Leitão quando ela diz:
“É ingenuidade acreditar que uma pessoa isolada, enlouquecida, resolveu, do IP da sede do governo, achincalhar jornalistas.(…) Alguém deu ordem para que isso fosse executado. É uma política. Não é um caso fortuito. E o alvo não sou eu ou o Sardenberg. Este governo desde o princípio não soube lidar com as críticas, não entende e não gosta da imprensa independente. Tentou-se no início do primeiro mandato Lula reprimir os jornalistas através de conselhos e controles. A ideia jamais foi abandonada. Agora querem o “controle social da mídia”, um eufemismo para suprimir a liberdade de imprensa.”
Com isso, tenta-se confundir o Planalto, imóvel frequentado por centenas de funcionários e visitantes, todos os dias, com o “Planalto” como instituição política e comando do governo.
Faltam indícios minimamente consistentes para se sustentar essa teoria da conspiração, o que não ajuda quem quer esclarecer mas serve a quem quer confundir — quando falta um mês e meio para a eleição presidencial.
Um funcionário do governo é orientado a falar mal de Miriam Leitão e Sardemberg para suprimir a liberdade de imprensa?
Calma.
A afirmação (“alguém deu ordem”) é tão leviana que chega a lembrar uma observação fabricada contra Sardenberg pelos militantes da Wikipedia.
É aquela no qual se tenta associar sua visão de politica econômica ao fato de que um de seus irmãos ocupa um cargo de direção na Bolsa de Valores.
Nós sabemos que a proximidade entre o jornalismo e o mercado financeiro já despertou diversos debates de natureza ética, em especial em Wall Street.
Mas, a menos que se possa demonstrar uma relação de causa e efeito entre os interesses de um irmão e os comentários do outro, uma insinuação dessa natureza é precipitada e maldosa.
Acho que Sardenberg e Miriam dizem e escrevem aquilo que dizem e escrevem porque estão convencidos de que devem dizer o que dizem e escrevem.
Isso não os impede de falar e escrever coisas que julgo erradas e divulgar ideias falsas.
É pertinente lembrar um fato maior. O salto tecnológico da internet abriu imensas possibilidades de emancipação e liberdade para a espécie humana e também criou oportunidades para controles indevidos, repressão e banditismo.
No mesmo instante em que você lê estas linhas, alguém pode estar acionando um esquema para me xingar, mentir e caluniar.
Acontece sempre e todo dia e a Wikipedia, enciclopédia aberta aos internautas, é parte desse mundo. Existem cidadãos que consideram seus comentários em blogues como parte de sua condição de cidadãos do seculo XXI.
Outros são profissionais da calunia, cabos eleitorais eletrônicos.
Como qualquer cidadão vacinado, com título de eleitor em dia, sei que as grandes candidaturas presidenciais – todas – têm esquadrões subterrâneos na internet, que operam em graus variados de clandestinidade.
Só não acredito que atuem com nome e endereço, assinando recibo a cada intervenção indevida.
Num antecedente que guarda alguma semelhança com este caso, anos atrás um funcionário do Planalto que tinha acesso a um twitter presidencial foi apanhado pelo próprio governo quando divulgou uma ironia contra um adversário.
A mensagem não chegou a permanecer um minuto no ar. Tratada como gesto imperdoável, foi eliminada em seguida. O responsável foi forçado a pedir demissão na hora.
Este episódio mostra que, seja por compreender a necessidade de separar entre interesses públicos e particulares, ou apenas por não desconhecer o risco que o uso sem critério da rede do Planalto pode trazer para o governo, ninguém confunde os computadores do Palácio com as máquinas privadas de um internauta no livre exercício de seus direitos.
Mas é claro que posso estar enganado, o que torna prudente aguardar pela apuração.
Por enquanto, falar que “este governo desde o princípio não soube lidar com as críticas, não entende e não gosta da imprensa independente” é insistir numa tese conveniente para a propaganda da oposição. Falta combinar com os fatos.
Foi o governo Lula que desenvolveu critérios técnicos (a chamada “mídia técnica”) para a distribuição de verbas publicitárias, que antes eram repartidas ao sabor subjetivo da area de comunicação – e todo mundo achava natural até ali, porque eram conversas entre amigos do golfe, dos jantares e da política.
Nem no auge das denúncias da AP 470, que deixaram o governo em carne viva, o Planalto fez movimentos no sentido de retaliar veículos que se jogaram de corpo e alma numa campanha para criminalizar ministros e aliados – atitude olímpica que chegou a gerar um compreensível inconformismo entre o PT e seus amigos. Em vez de “suprimir a liberdade de imprensa”, como diz a teoria da conspiração, o Planalto fez questão de manter contratos e pagamentos.
Quando se perguntou a Joaquim Barbosa por que o mensalão PSDB-MG não era apurado pelo STF com o mesmo empenho – e o mesmo barulho — do que o esquema de Valério e Delúbio, ele apontou para os jornalistas. Disse que não demonstravam o mesmo interesse pelos dois casos. Eu acho que Joaquim errou no argumento.A Justiça não deve e não pode pautar seu trabalho pela cobertura dos jornais.
Mas é claro que relator da AP 470 falava a verdade.
Os grandes jornais nunca demonstraram o mesmo empenho para conhecer o mensalão original.
Pressionaram com denúncias sem fim, no caso do PT. Aliviaram com o silêncio, no caso do PSDB mineiro.
A revelação de que o ex-ministro Pimenta da Veiga, atual candidato ao governo de Minas na chapa tucana, recebeu 300 000 reais do esquema jamais despertou o espírito investigativo de nossos repórteres. Olha só. Era uma soma seis vezes superior aos 50 000 que o ministério público acusou João Paulo Cunha de ter recebido.
Pimenta recebeu esse dinheiro depois da campanha de 2002, quando Aécio Neves ganhou o governo de Minas Gerais e boa parte dos condenados da AP 470, como os publicitários Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, participavam da caravana que carregou sua candidatura.
Uma visão equilibrada das relações entre poderes públicos e a mídia mostra que em Minas Gerais, os jornais e jornalistas têm uma postura conhecida de docilidade absoluta diante do governo. Coisa de ditadura albanesa nos tempos do comunismo.
Você pode acreditar que se trata de um silêncio voluntário, fruto de uma avaliação isenta das realizações de sucessivas administrações estaduais.
Ou não – e você pode imaginar por quê.

Perguntinhas de repórter inocente: por que nossos paladinos da liberdade de imprensa tem verdadeira fixação em apontar para um falso bolivarianismo petista em vez de denunciar o controle da mídia pelo Estado mineiro?
Não sabem o que se passa num Estado habitado por 20 milhões de brasileiros, que abriga o terceiro PIB do país?
Isso não interessa aos eleitores que tomarão o caminho das urnas em outubro?

Esta é a pergunta, jornalistas e não-jornalistas.
Paulo Moreira Leite é diretor do 247 em Brasília. É também autor do livro "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA, IstoÉ e Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa".

Paulo Moreira Leite - Pode?




Retrato com retoques

Depois de culpar Lula-Dilma por todos anunciados fiascos da Copa, oposição diz que brasileiros anônimos garantiram o sucesso. Pode?
É bom reconhecer que há poucas coisas perfeitas na vida. Uma delas é abraçar as crias depois de uma longa ausência. Outra, é almoçar na casa da mãe. Ou desfrutar da companhia de amigos verdadeiros.
Após estas considerações, cabe analisar os números finais da Copa do Mundo. Leia a opinião de 2209 visitantes estrangeiros ouvidos pelo DataFolha:
  • 92% dos visitantes elogiaram o conforto e a segurança
  • 76% aprovaram o transporte até os estádios
  • 95% disseram que a recepção foi boa ou ótima.
  • 83% elogiaram a organização

Mesmo lembrando que a Copa não foi um evento sem problemas, há outras notícias boas.
Alvo de muitos fantasmas usados para atemorizar visitantes, o Rio de Janeiro recebeu 900 000 turistas contra 90 000 previstos. Eles deixaram 4 bilhões de reais na cidade, contra 1 bi de previsão.
Obrigados a encontrar um discurso para enfrentar uma situação inesperada, nossos profetas do pessimismo completaram um ano de atividade ininterrupta, desde os protestos de junho de 2013, com sorrisos amarelos.
Passada a fase da autocrítica, é preciso explicar o que aconteceu, o por quê. Na falta de explicação melhor, a moda agora é dizer que o sucesso da Copa se deve aos “brasileiros.” Assim, no genérico. Os 200 milhões de brasileiros garantiram a Copa das Copas porque são simpáticos e acolhedores. Descobrimos essas virtudes anteontem? 
Vamos combinar: a finalidade desse discurso é fingir que não havia oposição a Copa, movimento que se expressou num esforço permanente para impedir os jogos e criar um ambiente de desordem, sufoco e desmoralização Apelos ao boicote eram ouvidos nos melhores jantares, nas melhores famílias. Inclusive em inglês com legendas.
A Copa ocorreu contra a vontade dessas pessoas. Foi fruto do esforço da grande maioria da população, que não só queria assistir aos jogos e participar de um evento que marca a cultura de nossa época. Estava decidida, acima de tudo, a defender imagem de seu país.


Foram os adversários da Copa que transformaram o Mundial numa luta política – e perderam.

Como predadores sem escrúpulo, que mudam de pele conforme a paisagem, em determinadas situações a Copa era combatida com argumentos à direita. Em outros lugares, à esquerda. O importante é que não ocorresse. Se ocorresse, teria de ser um fiasco.
Não duvide: para boa parte dessas pessoas, o desempenho fraco da Seleção nos gramados serviu de consolo – e não de tristeza. Elas não suportariam uma boa atuação. Temiam uma classificação melhor – a tal ponto que não perdiam uma oportunidade para dizer que os juízes beneficiavam o Brasil, esquecendo das inúmeras vezes em que nosso time foi prejudicado.
Se Aécio Neves não tivesse deixado tantas demonstrações escritas de seu apoio a Felipe Scolari, o esforço para transformar Dilma Rousseff em assistente técnica da derrota teria sido ainda mais descarado.
Uma copa elogiada, por baixo, por mais de 80% dos visitantes estrangeiros, não é um carnaval que caí do céu, nem um reveillon na avenida Paulista. Envolve uma ação articulada em 12 cidades e dezenas de obras de infraestrutura que, sabe-se hoje, estavam muito mais avançadas do que se anunciou – mais uma vez, para tentar afastar a população da Copa, criar desanimo e desconfiança.
O elogio aos “brasileiros,” neste genérico, também é uma tentativa bisonha de encobrir o papel do Estado brasileiro neste sucesso. Governantes e prefeitos que assumiram suas responsabilidades, muitos deles filiados a oposição, foram sacrificados na hora do reconhecimento. 
E aí está a imagem retocada da imagem que fica para a história.
Depois de culpar antecipadamente Lula-Dilma por um fiasco que anunciavam como inevitável, tenta-se fingir que eles não deram a menor contribuição para os aplausos da platéia. Pode?