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Crônica do dia

\o/de Luis Fernando Veríssimo

O Brasil explicado em galinhas

- O título também poderia ser: A tucanisse brasileira -

Dedico esta crônica aos FHCs ( Farsantes, Hipócritas, Canalhas ) do Brasil e do Mundo inteiro que agem exatamente como o delegado em questão mas adoram posar de honestos, paladinos da moral e ética. São sim Onestos e praticam a moral e etitica de galinha.
Mude o delegado por Moro, Janot, Gilmar ou qualquer outro tucano do MPF e do Judiciário e dá no mesmo. Caso o "ladrão de galinha" seja um tucano graúdo, tipo: Fhc, Serra, Alckmin, Aécio Neves.
Corja!!! Continua>>>
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Crônica do dia

Andorinha
A Dilma descobriu que, como uma andorinha só não faz verão, um Joaquim Levy no Ministério da Fazenda não significou muito. Levy na Fazenda era para ser um sinal de que o governo sucumbira à realidade e adotaria a temível austeridade, mesmo sacrificando princípios do PT. Depois das benesses do Mantega, o rigor do Levy, com liberdade para fazer o que fosse preciso para mostrar que a festa acabara, a banda já fora dormir e reinava a responsabilidade fiscal no salão vazio. Não deu certo. O mercado não acreditou na mudança, Levy foi inútil como uma andorinha solitária, e o único resultado alcançado pela Dilma foi brigar com o PT.
Mas agora tudo vai mudar. Alguém duvida da responsabilidade fiscal daqueles brancos engravatados, todos com impecáveis credenciais liberais, na fotografia do Ministério? Mesmo com a nova austeridade, os programas sociais do PT continuarão, disse o Temer, que também garantiu que a Copa América será nossa e que vai chover menos. De onde virá o dinheiro para os programas sociais do PT continuarem, apesar da nova austeridade? A questão foi debatida na primeira reunião do Ministério e ouvi dizer que alguém sugeriu, timidamente, “Quem sabe a gente dá algumas pedaladas, como a Dilma?” e foi atirado pela janela.
É injusto dizer que o país está mal representado no Ministério do Temer. Há de tudo no Ministério: racistas, machistas, tudo. Richard Nixon certa vez defendeu uma nomeação sua que estava sendo muito criticada com a sábia frase: “A mediocridade também precisa ser representada”. Temer não esqueceu os medíocres. Foi mais longe, na sua preocupação de montar um retrato fiel da população. Lembrando o número de brasileiros sendo investigados pela Operação Lava-Jato, Temer fez questão de incluir quatro investigados no seu Ministério, para manter o principio da proporcionalidade.
Voltando à andorinha, não deixa de ser irônico ninguém ter culpado o Levy pelo descontrole da economia brasileira. Ele teve todo o poder na mão, inclusive contrariando o amor liberal pelo Estado mínimo, e fracassou. Claro, era uma andorinha só, um estranho no ninho do PT, mas fracassou. A Dilma também errou, pensando que o convite ao Levy bastaria como uma mensagem de paz para quem não queria paz, queria sua cabeça de qualquer jeito.
No fim , é uma história de solidões. Do Levy, da Dilma e, claro, da andorinha que não significava nada.
por Luis Fernando Veríssimo

Literatura

Noites de Copacabana nos anos 50 
- O novo livro do consagrado escritor Ruy Castro A NOITE DE MEU BEM contando a estoria do samba canção e dos ambientes onde se desenrolou esse gênero musical. O livro é ricamente ilustrado e é uma delicia de ler e relembrar esses anos dourados, edição da Companhia das Letras.
O pano de fundo do samba canção é a época que se seguiu ao fechamento dos cassinos, cenários das grandes orquestras dos anos 40. O espaço físico e o ambiente luxuoso dos cassinos apelavam às orquestras e cantores de voz potente para grandes espaços, o que atraia as composições do samba clássico, dos ritmos americanos, dos boleros, rumbas, tangos e salsas. Os artistas eram cantores e cantoras famosas, bem pagos, maestros experientes e músicos tarimbados. Não havia problema de custos, o negocio dos jogos dava muito lucro e permitia pagar bons cachês, patrocinar cardápios de primeira em jantares dançantes a preço de custo, o jogo pagava tudo. 
Com o fechamento dos cassinos como entreter os ricos frequentadores dessas casas em busca de diversão?
No Rio isso só seria possível em espaços pequenos que passaram a surgir em Copacabana, bares em terréus limitados
onde só seria possível conjuntos de três a cinco integrantes e musica intimista. Surge então o samba-canção, ritmo que se enquadrava nesses espaços, agora chamados de "boates" que viraram uma coqueluche nas ruas internas de Copacabana., mais de 50 surgiram e outras no centro, como a Night and Day de Carlos Machado no Hotel Serrador.
Os chamados "granfinos", uma certa faixa da alta sociedade que tinha por habito sair para noitadas, passaram a procurar as boates para jantar, ouvir boa musica e dançar. Romances e fossas se curtiam nas casas onde o samba canção era o carro chefe, o que criou um grupo de cantores e cantoras especializados no gênero, compositores antigos passaram a compor sambas-canções, ícones como Dolores Duran, Lucio Alves, Dick Farney, Jamelão, Lupicinio Rodrigues compunham o roteiro que também agregou Ary Barroso com seu Risque, Nora Ney, os clientes consumiam whisky ainda muito caro
nesses anos agradáveis onde a economia fluía bem e sentido de progresso estava no ar, especialmente no governo JK.
È evidente que a frequência das boates exigia lastro financeiro não só para a conta mas para a vestimenta que era pelo padrão da época era "chic", a sociedade era bem segmentada nas classes alta, média e baixa, era o tempo da Miss Elegante Bangu, das Dez Mais Elegantes do Ibrahim Sued e de seu concorrente Jacinto de Thormes , depois também os homens Dez Mais Elegantes, ranking que era esperado com ansiedade pelos leitores da Revista Manchete.
O livro de Ruy Castro não se limita a tratar de musica mas traça um pano de fundo da sociedade carioca daquela época,
através dos frequentadores das boates e da curtição do samba-canção, trata dos hábitos de vida do Rio e dos que não sendo do Rio passavam lá longas temporadas, especialmente o pessoal do Norte Nordeste e de Minas Gerais, camada que
fornecia boa parte da frequência das boates, uma atração turística especial do Rio, ia-se à cidade para isso.
O samba canção foi o gênero prévio da bossa nova, uma especie de ritmo de transição entre os sambas clássicos dos anos 30 e 40 e a modernidade da bossa nova que chegaria nos anos 60 no bairro vizinho de Ipanema.
Um  livro imperdível.
Recebido por e-mail


Paulo Moreira Leite - A outra história da lava-jato

Sinopse:
Dois anos depois de escrever “A outra história do Mensalão”, o jornalista Paulo Moreira Leite publica “A outra história da Lava-Jato”, novamente pela Geração Editorial. Em 416 páginas, o olhar atento para as conexões nem sempre evidentes entre Justiça e Política, e o mesmo espírito crítico que marca mais de 40 anos de jornalismo, Paulo Moreira Leite define a investigação sobre corrupção na Petrobrás como uma apuração necessária sobre uma empresa que é orgulho dos brasileiros – mas aponta para seu caráter seletivo, que permite que seja usada para fins políticos. A obra conta com uma esclarecedora introdução de 60 páginas e ainda 45 artigos escritos no calor dos acontecimentos. “A outra história Lava-Jato” tem prefácio do professor Wanderley Guilherme dos Santos, um dos mais respeitados cientistas políticos do país. Na contracapa, o livro apresenta uma curta recomendação do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal: “É ler para crer.”


O que leva alguém a escrever?

por Ricardo Kotscho



O que leva alguém a escrever? Por que e para que as pessoas passam cada vez mais tempo escrevendo, em vez de ler bons livros, e se informar melhor, antes de emitir suas opiniões?
Acho que os brasileiros nunca escreveram tanto como agora e, no entanto, as comunicações humanas nunca foram tão pobres e estéreis, como se pode notar nos comentários que circulam nas diferentes plataformas das redes (anti)sociais.
Qualquer coisa que aconteça, das grandes tragédias à compra de um pijama novo, milhões de pessoas estão neste momento digitando para serem lidas por outros milhões de pessoas. Parece que todo mundo se sente obrigado a dizer o que pensa sobre todos os assuntos e contar as novidades da sua vida pessoal, sem se perguntar se tem alguém interessado em saber.
Para mim, escrever sempre foi, acima de tudo, um ato de fé, além de meu ganha-pão, desde os tempos da velha da máquina de escrever, do papel e do telégrafo: denunciar o que está errado para ser consertado e louvar o que bem merece para servir de inspiração. Se você não acreditar nisso, que as palavras podem contribuir para melhorar o mundo em que vivemos, melhor nem começar a escrever. Devem existir outras formas de ocupar o vazio do seu tempo.
As palavras não foram feitas para alimentar a guerra, mas para construir a paz. A informação deve ser usada em defesa da vida, não como instrumento de morte. Quem só consegue ver inimigos nos que pensam de forma diferente, estimulando o ódio e o conflito, faz mal a si mesmo.
É preciso ter algo para dizer que possa ser útil para a vida dos outros, seja informando ou refletindo sobre o que está acontecendo. Esta é, afinal, a função do jornalista profissional, que é pago para fazer isso, mas deveria ser também a motivação de todos os que passam boa parte de suas vidas juntando letras e palavras, seja qual for o meio e a finalidade.

Escrever é um ato de fé

(...) As palavras não foram feitas para alimentar a guerra, mas para construir a paz. A informação deve ser usada em defesa da vida, não como instrumento de morte. Quem só consegue ver inimigos nos que pensam de forma diferente, estimulando o ódio e o conflito, faz mal a si mesmo.  Continua>>>



Redação

A Professora

A professora passa a aula toda de pé, e manda a gente ficar sentado.

A professora passa a aula toda falando, e manda a gente ficar calado.

A professora não se aqueta um instante, e manda a gente ficar queto.

A professora passa é tempo escrevendo na lousa, e diz que não é pra gente escrever nas paredes.

A professora briga com a gente, e diz que não é pra gente brigar com ninguém.

Quer saber?...

Eu acho que a professora não quer ninguém fazendo o que ela faz.

Assinado: Chico Bento


Literatura

"O trabalho crítico de Gumbrecht se inscreve de modo idiossincrático e singular nos estudos contemporâneos dos afetos. Abre mão da interpretação e da representação como eixo de leitura e procura explicitar a experiência histórica na materialidade da própria experiência estética. O que importa, sim, é descobrir princípios ativos em artefatos e entregar-se a eles de modo afetivo e corporal render-se a eles e apontar em direção a eles. "




Foto de Contraponto Editora.
Contraponto Editora
ATMOSFERA, AMBIÊNCIA, STIMMUNG: SOBRE UM POTENCIAL OCULTO DA LITERATURA
HANS ULRICH GUMBRECHT
Tradução: Ana Isabel Soares
176 páginas -- de R$ 38,00 por R$ 22,80 no site da editora.

É frequente vermos manifestações do leitor comum que, tomado por certa aversão pela teoria da literatura, rejeita a abordagem acadêmica por não levar em conta o gosto e o prazer da leitura. Não se pode dizer que esteja de todo equivocado. Mas Hans Ulrich Gumbrecht é uma voz singular na crítica contemporânea. O livro que o leitor tem em mãos se propõe a entender o que é a realidade da literatura hoje, colocando em foco precisamente a experiência do que se passa entre a literatura e o leitor.
O que a literatura traz de sua materialidade histórica e o que faz na vida de quem lê ao intervir em nosso mundo? Há décadas, Gumbrecht situa sua pesquisa numa perspectiva ignorada pelas principais correntes das teorias da literatura como o desconstrutivismo, de um lado, e os estudos culturais, de outro e insiste na capacidade de a literatura criar efeitos de presença, não só de sentido. Não é suficiente insiste Gumbrecht entender o que a literatura diz e representa: como críticos, precisamos explicitar a realidade que a literatura cria independentemente da interpretação e também do puro prazer estético.
O estudo do Stimmung conceito de difícil tradução, recuperado das discussões estéticas dos primórdios da modernidade está comprometido com o que o autor denomina a ontologia da literatura, isto é, com o conjunto de modos fundamentais como os textos literários enquanto fatos materiais e mundo de sentido se relacionam com as realidades que existem fora deles. No conceito se reconhecem a semântica musical do processo de afinar um instrumento, a voz e a oralidade da escrita e também o conjunto de sensações num ambiente, numa atmosfera que estabelece um continuum entre a realidade do texto literário e aquela de sua recepção.
O trabalho crítico de Gumbrecht se inscreve de modo idiossincrático e singular nos estudos contemporâneos dos afetos. Abre mão da interpretação e da representação como eixo de leitura e procura explicitar a experiência histórica na materialidade da própria experiência estética. O que importa, sim, é descobrir princípios ativos em artefatos e entregar-se a eles de modo afetivo e corporal render-se a eles e apontar em direção a eles.
O que é fascinante é que essa realidade se manifesta no corpo do leitor, na maneira como a obra nos toca como uma atmosfera, um clima ou uma sintonia ou desarmonia musical, deixando a marca do encontro físico e material que se efetua de modo objetivo e imediato na leitura e promove uma mediação histórica concreta com seu contexto e seu ambiente específicos.
Este livro não só discute a genealogia dos conceitos de atmosfera, ambiência e Stimmung, mas examina, através de uma série de leituras exemplares, momentos históricos da modernidade, do Renascimento até o século XX. Reconhecemos e frisamos na leitura deste importante estudo o desafio que Gumbrecht se coloca: resgatar a vitalidade e a proximidade estética que tendem a desaparecer nos estudos literários atuais.
Karl Erik Schøllhammer 




Como os booktubers estão mudando o mercado literário, por Deutsche Welle

 da Carta Capital
Jovens que apresentam livros no Youtube são descobertos por editoras, que aos poucos começam a investir em modelo inovador para atrair interesse sobre lançamentos e obras clássicas.Muitas editoras começaram a trabalhar com blogueiros ou booktubers da mesma forma que colaboram com jornalistas profissionais especializados em literatura. 
Com o cabelo tingido, ela aparece em frente à câmara e explica como acabou de reorganizar a sua lista de livros “para serem lidos” – o que ela chama de TBRs ou “To Be Reads”. Ela o fez por cor – do rosa ao púrpura – e mostra 66 obras que adquiriu e planeja ler, resumindo em uma breve frase do que cada um se trata.
Ela é conhecida como "Little Book Owl", a “corujinha dos livros”. Qualquer um que pretende ter sucesso como booktuber pode se inspirar nesse estilo, que parece funcionar muito bem: seu canal tem quase 132 mil assinantes. Ela dá algumas dicas para isso em um vídeo chamado “How to booktube”.
Trata-se de uma forma moderna de propaganda boca a boca. A maioria dos blogueiros não é realmente de analistas ou críticos literários – os booktubers menos ainda. Mesmo assim, milhares de pessoas acessam seus vídeos para ouvir o que eles têm a dizer sobre um determinado livro.
A Alemanha já tem as suas próprias celebridades no ramo. Lucie Redhead, por exemplo, foi uma das personagens mais aguardadas do “Kölner VideoDays 2015” – festival de produtores de vídeos no Youtube na cidade de Colônia.
Apesar de Lucie fazer uma performance solo em seus vídeos, ela tem o apoio de uma equipe, o que também é o caso de muitas estrelas emergentes na internet.
Sara Bow, cujo verdadeiro nome é Sara Garic, é uma vlogueira alemã que dá dicas de maquiagem e moda nos seus canais do Youtube. Desde 2013, ela também é uma booktuber "profissional".
Sara tem quase 20 mil assinantes no Youtube e 3 mil seguidores no Twitter. Cinco pessoas trabalham com ela na produção dos vídeos: um fotógrafo, um diretor de cooperação, um assistente e dois editores. Em seus comentários, muitas vezes, ela cita a sua equipe.
“Eu me divirto tanto com as pessoas online. Se eu posso inspirar o meu público a ler, sinto que faço sucesso com o que eu estou fazendo”, explica.
O sucesso também compensa financeiramente. Profissionais da indústria acreditam que, uma vez que você atinge 100 mil assinantes, pode se sustentar com um canal no Youtube. Mas é claro que cosméticos e moda são mais lucrativos do que livros.
Novos canais
Muitas editoras começaram a trabalhar com blogueiros ou booktubers da mesma forma que colaboram com jornalistas profissionais especializados em literatura. As editoras veem nesse novo modelo uma forma de atingir o público entre 18 e 34 anos.
A Random House, por exemplo, criou em março deste ano o seu próprio portal para blogueiros, onde eles podem ter acesso a cópias. A empresa também apresenta seus lançamentos especialmente para os booktubers de maior destaque.
Os booktubers podem definitivamente impulsionar vendas, pelo menos nos gêneros mais populares entre adolescentes e jovens adultos, como fantasia e as chamadas light novels – romances com ilustração, em geral no estilo anime.
Mas não é somente por dinheiro que os livros são apresentados em vídeo. Um exemplo particularmente inovador é o “Thug Notes”, produzido pelo grupo de mídia californiano “Wisecrack”´. A ferramenta é uma criação do comediante Greg Edwards, especialista em stand-up, e dos autores Joseph Salvaggio e Jared Bauer, entre outros.
O slogan da série é “Thug Notes: Literatura Clássica. Gangster Original”, que resume a filosofia do canal. O modelo adotado é o uso de "gangsta rap", animações e gráficos engraçados. Eles apresentam trabalhos literários importantes – de obras de Shakespeare, passando pelo clássico “1984”, de George Orwell, até o romance mais recente de Harper Lee “Go Set a Watchman”
“Eu criei o 'Thug Notes' porque notei que existia uma lacuna no Youtube. Existem milhares de canais de educação bem-sucedidos que se concentram em ciências exatas, mas nenhum sobre ciências humanas. É muito difícil fazer as pessoas se interessarem por artes, especialmente a audiência jovem. Como alguém pode despertar o interesse em algo como “Grandes esperanças” [de Charles Dickens]? Para isso você tem que fazer algo radical”, explica Jared Bauer.
O rap foi o meio que ele considerou apropriado para aplicar esse conceito. “O hip hop é tão abrangente internacionalmente que ele oferece uma nova ferramenta de identidade para a apresentação, que possibilita atrair o público mais jovem aos nossos vídeos”, explica o comediante Greg Edwards.
“Nós fazemos resumo e análise sobre os livros de um jeito engraçado, exagerado, de uma forma mais próxima a esse público, assim as pessoas ficam interessadas em ler o livro e formar a sua própria opinião”, afirma. O canal tem meio milhão de assinantes.



Crônica semanal de Luis Fernando Verissímo

Virando anedota
A oposição entre corpo e alma não existia em tempos bíblicos, ou pelo menos na linguagem bíblica. Mas a versão em latim antigo das Escrituras que Santo Agostinho lia usava “anima” para traduzir “nefesh”, que em hebraico não quer dizer alma mas algo como sopro vital, ser, uma forma exaltada do “eu”. E foi nesse engano que tudo começou.
 
A alma e o corpo se separaram e nunca mais se encontraram. E nunca mais se pode ler o Velho Testamento a não ser como Agostinho o lia, não como um relato da aventura do corpo humano no mundo como Deus o fez, cheio de som, fúria, sangue e sacanagem, mas como uma alegoria espiritual, em que até os cantares eróticos de Salomão queriam dizer outra coisa: a luta da alma para transcender o corpo, que para Agostinho significava a sexualidade.
 
Tudo culpa de um mau tradutor.
 
 Freud tentou, de certa maneira, retransformar “anima” em “nefesh”, mas como muito do que ele escreveu em alemão também foi mal traduzido em outras línguas, a confusão só aumentou. No fim a grande danação sob a qual vive a Humanidade não é a da História nem da carne, é a insanável danação de Babel.
 
 Deus disse “que haja muitas línguas, e que cada língua tenha muito dialetos”. E depois, para ter certeza que os homens nunca mais se entenderiam, completou: “E que haja tradutores.”
 
Um estudo, mesmo superficial como o meu, da etimologia e das transformações que as palavras sofrem através do tempo e das más traduções revela coisas fascinantes.
 
 “Escândalo” — uma palavra que nos diz muito respeito — está indiretamente ligado, na sua origem, aos pés. Sua raiz indo-europeia é “skand”, pular ou subir, de onde também vem escalada. Quem pula ou sobe precisa cuidar onde põe os pés e o grego “skandalon” significa um obstáculo ou uma armadilha.
 
 “Scandalum“ em latim tanto pode significar tentação como armadilha. No francês antigo “scandal“ era um comportamento antirreligioso que agredia a Igreja todo-poderosa e, da mesma origem, existia a palavra “sclaudre”, de onde vem o inglês “slander”, ou difamação.
 
Alguns escândalos não investigados, como acontece muito no Brasil, acabam virando anedotas. “Anedota” vem, através do francês “anecdote”, do grego “anekdotos”, história não publicada, presumivelmente tanto no sentido de inédita quanto no sentido de versão não oficial, secreta, clandestina, enfim, tipo “em Brasília não se fala em outra coisa”.
 
 Em francês queria dizer pequeno relato ilustrativo à margem de um relato maior. No seu sentido brasileiro continua sendo uma história marginal, só que engraçada, ou se esforçando para ser.
 
Sobrevive, na anedota, a tradição homérica da literatura oral, passada de geração a geração sem necessidade de escrita. Se for escrita, deixa de ser anedota. Muitos contadores anotam o fim da anedota para não esquecê-la, mas se sentiriam heréticos se a escrevessem toda. E assim correm o risco de esquecerem o resto e ficarem com uma coleção de últimas frases sem sentido.
no O Globo


Então vamos falar dos sonhos

"Boulevard of Broken Dreams", de Gottfried Helnwein
"Boulevard of Broken Dreams", de Gottfried Helnwein
(...) Não dos sonhos realizados, mas dos sonhos perdidos. Sonhos perdidos. Acho essa expressão sublime. Poética, lírica, poderosa. Os sonhos que me interessam são os perdidos. Não resisto à tentação de interromper a mim mesmo e falar de um quadro inspirado num outro de Edward Hopper, o grande retratista da solidão americana. O quadro se chama Boulevard of Broken Dreams. Rua dos Sonhos Perdidos. Não troco dez Monas Lisas por aquele pequeno grande quadro.
A minha tese a respeito de sonhos é: eles não existem para ser realizados. Existem apenas para ser sonhados e, depois, perdidos. O sonho realizado morre. O sonho perdido se eterniza. Contemplem, por favor, o quadro que ilustra este texto e digam se não estou certo. Os sonhos perdidos reunidos naquela lanchonete são para sempre. Nem os meteoros destruidores do filme Armageddon seriam capazes de obliterar a Rua dos Sonhos Perdidos.
E então eu olho para mim mesmo e para meus sonhos. Meu primeiro sonho sério amoroso foi, como uma vez contei, com Constanza. Outro dia, ao mexer em velhos livros, encontrei uma dedicatória de Constanza. Era um livro francamente horrível. Um tratado de semiótica. Não o li na época e jamais o lerei. Mas vou guardá-lo até o fim de meus dias, como um pequeno troféu, pela dedicatória. "Espero que você goste. Mas, tratando-se de Fabio Hernandez, nunca se sabe".
A dedicatória me devolveu à memória o rosto jovem de Constanza. E depois a reconstruiu, como um escultor meticuloso, como naquela noite de sábado em que a beijei pela primeira vez. O vestidinho azul. A camisa amarela por baixo dele. O ar ingenuamente sexy de bandeirante. E sobre os olhos mais verdes que as águas do Caribe eu prefiro nem falar.
Tive então o impulso de ir ao condomínio de prédios onde, lá para trás, se realizou o baile em que demos nosso primeiro beijo. Desci do carro e me sentei num banco diante do condomínio. Fiquei apenas olhando, e olhando, e olhando. Na verdade eu não estava ali. Eu estava a muitos anos de distância dali. Uma jovem se aproximou e perguntou, gentil e preocupada, se estava tudo bem. "Sim", respondi. "Foi só um… sonho". Ela não pareceu convencida. "Tem certeza de que está tudo bem?" Fiz que sim com a cabeça. Um dia ela também retornaria a seus sonhos perdidos.

Você ainda fica com as bochechas vermelhas depois?...

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“Você não mudou nada. Sempre com cara de criança. Sempre calado. Pensativo. Às vezes eu tinha que fazer a pergunta e a resposta para que nossas conversas não morressem.”
Pedro arregalou os olhos e encarou Márcia. Fazia cinco anos que não a via, mas parecia que estivera com ela na noite anterior. Fora a roupa, agora muito mais elegante, ela não mudara nada. Os cabelos pretos como uma noite siberiana de inverso continuavam a escorrer pelas suas costas como uma capa de super-herói.
Os óculos pretos de aro fino, antes sem marca, agora Armani, ainda lhe davam o ar ingenuamente sexy de professora. Os grossos lábios vermelhos sem batom – batom para quê? Um fêmur deslocado aos 15 anos deixara a perna direita de Márcia ligeiramente menor que a esquerda. Pedro adorava vê-la caminhar. Ninguém se movia com tanta graça, achava. O maior espetáculo da Terra. Márcia vestia um tailleur rosa de executiva. Subitamente passou pela cabeça de Pedro a idéia absurda de dizer coisas assim: “Ei, você sabe que eu prefiro você de jeans e camiseta branca, como no passado? Você ainda fica com as bochechas vermelhas depois do sexo? Você pode me deixar ver, pela última vez, aquela tatuagem de golfinho na virilha direita?”
Quantos anos ela já tinha? Trinta? Não, 31. Era quatro anos mais nova que ele. Pensou na Sofia de Machado de Assis. “O tempo, como um escultor vagaroso, a ia esculpindo ao correr dos longos dias.” Uma vez, no primeiro aniversário do dia em que alugaram um apartamento e foram morar juntos, escrevera isso no cartão em que lhe dera as obras completas de Machado em três volumes. Quando o deixou, ela não as levou. Os livros de Machado jaziam desprezados numa estante do pequeno apartamento em Pinheiros. Pedro se perguntou o que Márcia teria feito do cartão. Provavelmente o jogara fora, pensou. Ela jamais guardara nada, ao contrário dele.
Ele era médico pediatra, ela gerente comercial de uma editora de revistas. Ele fora um aluno dedicado e em certos anos brilhante, ela estudara sempre apenas o suficiente para passar. Às vezes, nem isso. Mas é possível que ela fosse mais inteligente que ele. A pior parte da vida de médico, para ele, era ser chamado de doutor. Doutor Pedro. Achava pomposo, achava ridículo. Pedia a todos que o chamassem simplesmente de Pedro. “Você deve ter achado estranho eu aparecer depois de tanto tempo, não é, Pedro? Telefonar e marcar um almoço exatamente nesse restaurante.”
Esse restaurante. A cantina Speranza, na Bela Vista. Freqüentavam com assiduidade nos bons tempos. Um restaurante charmoso e barato, bom para gente de dinheiro contado como ele ontem e hoje e para ela ontem.
“Você nunca quis ir a outros restaurantes. Sempre a Speranza, sempre a lazanha à romanesca, sempre a Coca-Cola, sempre a musse de chocolate. A primeira coisa em que eu reparei hoje foi o seu pedido. Lazanha e Coca. Se pelo menos fosse Coca zero. Quase que eu falei quando o garçom anotou o pedido: e musse de sobremesa para ele. Pedro, Pedro, você nunca vai mudar?”
Pedro achou no tom de voz de Márcia alguma coisa que sugeria que ela podia estar à beira de lágrimas ou gargalhadas. Não estava preparado para lágrimas. Preferia gargalhadas. Era mais fácil enfrentá-las.
“Eu precisava dizer certas coisas. Coisas que não foram ditas.”
Pedro fez um gesto com as mãos como dizendo que não, ela não tinha que lhe dar satisfação nenhuma. Algumas palavras talvez tivessem importância num passado já remoto, não agora.
“Quando eu decidi ir embora, sabia que não conseguiria falar com você. Olhar para você e dizer adeus. Mas imaginava escrever uma carta que explicasse tudo. Aí eu peguei a caneta e… e nada. A gente pensa que certas coisas são mais fáceis de escrever do que de dizer, mas isso é uma ilusão.”
Passou rápido por Pedro a lembrança de que Márcia jamais fora, mesmo, uma boa redatora. Estudara jornalismo, mas depois se fixara no departamento comercial de uma revista. Vendia anúncios com competência, mas tinha problemas sérios com o português. Tinha o maior atributo de um bom vendedor: a simpatia instantânea.
Ela tirou os óculos e os pôs na mesa. Era um sinal, Pedro sabia, de que estava emocionada. Era como se a vista turva a ajudasse a enfrentar melhor certas situações difíceis. Pedro sentiu uma súbita e absurda vontade de pedir a ela que caminhasse pelo restaurante, para ver aquele andar inigualável e majestoso em sua leve oscilação, mas tinha noção do ridículo de tal pedido e permaneceu calado.
“Não sei quantas vezes iniciei um bilhete de explicação e rabisquei tudo. No fim desisti. O silêncio era mais digno do que uma carta vulgar de despedida, cheia de lugares-comuns e de erros de português.”
Uma amiga de Márcia lhe telefonou, um dia, para dizer que ela decidira sumir um pouco para pensar na vida. Deixar o emprego, deixar o namorado, deixar a cidade, deixar tudo. A amiga disse que ela fora viajar para ninguém sabia onde. Pedro dormira depois, algumas vezes, com essa amiga. Aprendeu ali que o sexo pode ser sinônimo de desespero. Naqueles dias, Pedro só se sentia vivo quando estava dentro de uma mulher.
Alguns meses depois da partida de Márcia, Pedro a viu numa coluna social, mulher de um homem 20 anos mais velho que ela, Luciano. Ele era um figurão do mundo publicitário. Conquistara leões de todas as espécies em Cannes e era sócio de americanos numa grande agência. Márcia era sua segunda mulher. Pouco mais de uma ano depois, leu também numa coluna social que Márcia e Luciano tiveram um filho. Quase desesperara ao sabê-a perdida, perdida para sempre, mas um dia atendeu uma criança com leucemia e compreendeu que seu problema até que era pequeno. Não sabia como dizer àqueles pais pobres e desesperados que em dois anos seu filhinho estaria morto.
“Quando nós fomos morar juntos, eu pensei que era para sempre, Pedro. Mas tudo mudou, depois. Você, Pedro. Você mudou, cada vez mais monomaníaco. Primeiro ouvia músicas variadas, depois só Nirvana, depois só o Acústico do Nirvana, depois só My Girl. Deus, às vezes passo dias sem conseguir tirar essa maldita música da cabeça.” Cantarolou um trecho, desafinada como sempre. Ninguém é perfeito, pensou Pedro.
Ocorreu a ele que não poderia haver prova de amor maior do que gostar de ouvir cantar uma mulher desafinada. E ele gostava de ouvi-la. “My girl, my girl / Don’t lie to me / Tell me where did you sleep last night.”
A história da música, sabia Pedro, era a história deles dois, a história de milhares, milhões de casais, aqui, ali, em todos os lugares. A falência de um romance, a tristeza, o desamparo, a perplexidade. Sempre a mesma história. Ridícula achar que um caso de amor possa ser especial, quimera vã e despropositada de amantes pretensiosos. Ocorreu a Pedro que Márcia entrara no restaurante acusando-o de não ter mudado em nada e agora o acusava de ter mudado em tudo. O que poderia chamar de caso sem solução.
“Depois foram os livros. Você lia tudo, me fez ler até Guerra e Paz. Demorei seis meses, mas consegui. Depois só Machado de Assis, depois só conto, sei o nome, Um Capitão de Voluntários. Quantas vezes você leu esse conto? Cento e oitenta, 320? E ainda dizia que era um conto menor do Machado de Assis. Menor! Eu comecei a ficar com medo. Eu tinha medo de você. Ainda tenho. Você pode imaginar o que é, de repente, descobrir que o homem com quem você dorme é um desconhecido? Um… um… um lunático?”
Márcia olhou para um jovem casal numa mesa ali perto. Estavam completamente entretidos um com o outro. Por baixo da mesa ela tocava os pés dele. De tempos em tempos ele se erguia parcialmente sobre a mesa para beijá-la.
“Parece que estou vendo a gente alguns anos atrás. Acho que um relacionamento começa a terminar quando as conversas começam a terminar. Aquele casal ali. Parece que eles poderiam conversar dias, anos sem parar. Sabe do que eu mais sinto saudade? Das nossas conversas do início. Eu gostava tanto do som da sua voz dizendo meu nome.”
Márcia fez uma pequena pausa como para se lembrar de alguma conversa que tivera, no começo, com Pedro. Depois prosseguiu. “Que coisa mais absurda ter 20 anos e acreditar em palavras tolas e sem sentido como amor. Ora, o amor. Devia estar escrito assim em todos os dicionários. Amor: o mesmo que ficção. E cuidado ao usar porque machuca.”
Márcia começou a chorar baixinho. Pedro pensou em abraçá-la, confortá-la, mas viu o absurdo de confortar quem vencera o embate entre os dois, a parte vitoriosa, a mulher que o abandonara para crescer na vida. Ele era, ali naquela mesa, o derrotado. Ao fim de alguns segundos, ela já se recuperara. Os olhos verdes estavam levemente avermelhados. E só.
“Não sei se isso tem importância, mas eu só comecei a namorar o Luciano depois que deixei você. Enquanto nós estávamos juntos, sempre fui fiel.”
Fiel. Que palavra mais ridícula, pensou Pedro. Ninguém é fiel a ninguém. As pessoas só são fiéis a si próprias. Às vezes, nem a elas mesmas. Pedro achou pelo tom de voz de Márcia que ela pronunciara a palavra fiel como se julgasse merecer uma condecoração.
“É verdade: nunca dormi com ninguém quando estávamos juntos. Eu… eu simplesmente não tinha a menor vontade.”
Era a Márcia de sempre, pensou Pedro. Usava “dormir” como sinônimo de copular. Podia ser pior, ele sabia. Márcia podia preferir “fazer amor”. Falava de Luciano como se fosse um velho conhecido de Pedro.
“Não podia terminar bem. Você parecia não gostar mais de nada, só de ler Machado de Assis e escutar o Nirvana. Eu tinha uma festa, você não ia. Queria ver um filme, você não ia. Pareço está ouvindo o que você dizia de cinema. Cultura de preguiçoso. Quem não tem preguiça de lê livro. Quem tem vê filmes. Você sempre foi tão cínico. Mesmo agora. Eu falo essas coisas todas, tão importantes para mim, tão duras que levei cinco anos para conseguir dizer, e você me olha impassível, com um sorriso pregado no canto dos lábios. Eu nunca atingi você, não é, doutor Pedro?” Ela acentuou a palavra doutor. “Me pergunto quantos dias você demorou para perceber que eu tinha ido embora.”
Pedro achou que não era o momento de falar no quanto sofrera. Não ia falar no dia em que pegara uma tesoura e, num acesso de fúria, rasgara todas as fotos do dois. Como sempre, quem precisava falar era ela, não ele. Reparou que ela não tocara na comida, uma salada de salmão acompanhada de água sem gás. Tudo bem, Márcia não fora ali para comer.
“Ainda no dia anterior eu esperei alguma coisa, um gesto, um sinal que mostrasse que eu tinha alguma importância pra você. Que você me achava tão importante quanto My Girl e um Capitão de Voluntários. Mas nada. Você tinha se refugiado num mundo no qual eu não conseguia entrar. A sua indiferença me magoava mais do que tudo. Mais do que as espinhas que eu tive aos 14 anos. Mais do que a tentativa de estupro que eu sofri de um primo meu aos 16.”
Pedro demorara algum tempo para entender que essa indiferença fingida era apenas uma autodefesa errada e inútil. Sabia que perderia Márcia, algum dia, para alguém mais adequado que ele. Um homem que a levasse para dançar, para viajar, que a fizesse sorrir. Alguém como Luciano. Pedro sempre olhara Márcia de cima para baixo, uma perspectiva que só poderia mesmo levar o casal ao colapso. Márcia e Luciano parecem feitos um para o outro. Dois vitoriosos, que se olhavam de igual para igual. Pareciam tão felizes, os dois, nas fotos das colunas sociais.
Por saber que a perderia, Pedro construíra um mundo ao qual Márcia não pertencia. Uma tolice, sabia agora, mas a vida é exatamente isso, uma sucessão interminável de tolices. E a gente só percebe que cometeu um erro grave num relacionamento depois que já é muito tarde para corrigi-lo.



Clarice Lispector

Das vantagens de ser bobo
O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar o mundo. O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo. Estou pensando." 

Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a idéia. 

O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não veem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os veem como simples pessoas humanas. O bobo ganha utilidade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski. 

Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer. Resultado: não funciona. Chamado um técnico, a opinião deste era de que o aparelho estava tão estragado que o conserto seria caríssimo: mais valia comprar outro. Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e portanto estar tranqüilo. Enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado. O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo não percebe que venceu. 

Aviso: não confundir bobos com burros. Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a célebre frase: "Até tu, Brutus?" 

Bobo não reclama. Em compensação, como exclama! 

Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem estar todos no céu. Se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz. 

O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos. Ser bobo é uma criatividade e, como toda criação, é difícil. Por isso é que os espertos não conseguem passar por bobos. Os espertos ganham dos outros. Em compensação os bobos ganham a vida. Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que saibam que eles sabem. 

Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah, quantos perdem por não nascer em Minas! 

Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas. É quase impossível evitar excesso de amor que o bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.

Transbording - crônica

de Luis Fernando Veríssimo
Triste o país que tem vergonha da própria língua.
Fico pensando num corretor de imóveis tendo que mostrar, para compradores em potencial, um apartamento no edifício Golden Tower, ou similar, em algum lugar do Brasil.
— Isto é o que nos chamamos de entrance.
— Entrance?
— Ou front door. Porta da frente.
— Ah.
— Aqui temos o living room e o dining room conjugados. Ou conjugated. Por aqui, a gourmet kitchen.
— Kitchen é…?
— Cozinha, mas nós não gostamos do termo. Isto aqui é interessante: é o que chamamos de coffee corner, onde a família pode tomar seu breakfast de manhã. A gourmet kitchen vem com todos osappliances, e o prédio tem uma smart laundry comunitária.
— O que é smart laundry?
— Não tenho a menor ideia, mas é o que está escrito no flyer. E passamos para o corridor que leva ao master bedroom, ou suíte, em português. As camas podem ser king size ou queen size. Aqui temos o closet, que em português também é closet. E aqui temos esta giant window que dá para o garden do prédio, e o playground. Você tem kids?
— O quê?
— Kids. Crianças.
— Ah. Não.
— O garden também tem uma green walk, que é uma trilha para passear entre as trees and tropical plants, e um infinity pool que é uma piscina que parece que está sempre transbordando, outransbording. Além disso, claro, existe um indoor pool, que faz parte do fitness center. Ah, e se comprarem o apartamento vocês automaticamente passam a fazer parte do party club, onde tem um barbecue pit.
— Barbecue pit?
— Churrasqueira. E podem usar o working hub, que eu também não sei o que é, mas com esse nome só pode ser coisa fina.
— E a segurança...?
— Garantida dia e noite, ou twenty-four/seven.
— Porteiro?
— Sim, mas não chamamos de porteiro. Ele é um hall concierge.
— Tudo ótimo, mas não sei se vamos comprar o apartamento.
— Por que não?
— Ter que mostrar o passaporte, sempre, para entrar em casa... Sei não.


Publicada originalmente no Estadão