Crônica semanal de Luis Fernando Veríssimo

Há muitas maneiras de se medir progresso, ou pelo menos mudanças históricas, além dos frios números de uma economia ou além da sociologia convencional. Muitas vezes o detalhe que não é notado é o mais revelador.
O Marshall McLuhan (lembra dele?) construiu uma tese inteira em cima da importância da invenção do estribo de cavalo na história do Ocidente. O estribo significou que o aristocrata também passasse a participar das batalhas junto com o pobre soldado a pé, com tudo que isso implicava de novo em questões como relações hierárquicas — e de mortandade entre aristocratas.
A história das armas de guerra, que no fim é a história da civilização, pode ser medida em detalhes como o aumento da distância possível para se matar um inimigo, começando com o olho no olho e o tacape na mão do tempo das cavernas, passando pela espada, a lança, o arco e flecha, a catapulta, o mosquete, o fuzil, o canhão, o bombardeio aéreo, etc. e culminando no drone teleguiado, o mais longe que se pode chegar do inimigo sem precisar olhar no seu olho.
Ainda não foi tema de nenhum tratado sociológico, que eu saiba, mas a diferença entre o status do negro nas sociedades americana e brasileira, uma evidentemente racista e outra pretensamente não, pode ser encontrada em um detalhe, a quantidade de pianistas negros nos Estados Unidos em contraste com quase nenhum no Brasil.
jazz teve duas vertentes, três se você contar os blues: as bandas de rua, que desfilavam, obviamente, sem pianos, e o ragtime, que era jazz exclusivamente de piano, já tocado, lá nas origens, por músicos negros como Jelly Roll Morton.
Pianistas negros pressupõem piano em casa, dinheiro para pagar as aulas, tempo para praticar — ou seja, pressupõem uma classe média. Em Nova Orleans e em outras capitais do Sul dos Estados Unidos, em meio ao apartheid oficial, à discriminação aberta, aos linchamentos e outros horrores, desenvolveu-se uma classe média negra, paralela à branca, com identidade e poder econômico próprios.
No Brasil do racismo que não se reconhece como tal, e talvez por causa disto, não aconteceu nada parecido.
Claro, a história econômica dos dois países explica o contraste, mais do que racismo declarado ou disfarçado, mas neste detalhe a diferença fica clara. No Brasil, como nos Estados Unidos, existem grandes músicos saídos de todas as classes sociais. Mas ainda não produzimos pianistas negros em número suficiente para desmentir a nossa hipocrisia racial.

A midiasmática não entende uma ironia

Abaixo trecho de uma postagem de Fernando Britto no Tijolaço

Vale a pena conferir a entrevista de Carlos Araújo, ex-preso político e hoje famoso por ter sido marido de Dilma Rousseff por 20 anos, para o jornal O Globo.
Eu destacaria um trecho, em que Araújo faz uso generoso de ironia para criticar a mídia.
Araújo: (…) A mídia colabora muito com o PT.
Globo: O PT discorda.
Araújo: Mas está sendo infantil ao dizer isso. Porque é a mídia que elege o PT, ao ser tão radical e sectária como tem sido. A mídia fala durante seis meses que o Brasil irá à falência. Não foi. Depois o Brasil não exporta mais nada e tal. Ou então esgotou o mercado interno. Não acontece nada. Agora é inflação. De novo não acontece nada. A mídia esgota todos os temas e não acontece nada. O povo brasileiro, com sua sabedoria e sua esperteza, aproveita o futebol e as novelas que passam de graça na TV, mas para o resto não dá bola.
Araújo conseguiu, usando de ironia, fazer uma crítica dura e direta aos meios de comunicação, chamados de “sectários” e “radicais”.

O capitão-do-mato

Um péssimo exemplo para os brasileiros
X é um querido amigo meu. Mesma profissão, mesma geração, mesma redação durante muitos anos.

X é uma pessoa boa, solidária, leal, atributos que me fizeram querer mantê-lo entre meus amigos no correr dos longos dias.
X é, também, uma prova do efeito deletério que Joaquim Barbosa vem exercendo sobre a índole bondosa, pacífica e cordial dos brasileiros.
O caráter dos brasileiros está sendo corrompido por JB, e poucas pessoas parecem se dar conta dessa potencial tragédia brasileira.
Dias atrás, X escreveu que Genoíno, “o mensaleiro”, estava querendo “moleza”.
Moleza, no caso, era simplesmente ficar em sua casa simples no Butantã, em São Paulo, o período provisório de prisão domiciliar. Hoje, “o mensaleiro” – meu amigo X não citou o nome – está numa casa de familiares em Brasília.
Esta é a “moleza”.
Vamos lembrar que estamos na época de Natal, propícia a atos de concórdia, perdão e tolerância. Com tudo isso, X se comportou com ódio e com absoluta distância do espírito natalino.
X vibrou com a decisão mesquinha, desnecessária e inclemente de JB de não permitir a transferência de Genoino.
Ele não se comoveu sequer com a luta épica que a filha de Genoino, Miruna, trava pelo pai. Você pode não gostar do pai. Mas desprezar o desespero de uma filha impotente é coisa para poucos.
X é uma vítima de JB, como tantos outros brasileiros que se fanatizaram na luta contra os “mensaleiros”.
Compare os sentimentos que o papa Francisco inspira sobre as pessoas. Jorram de Francisco amor, piedade, compaixão, solidariedade, tolerância.
De JB emana o oposto.
Não gosto de simplificar as coisas, mas Francisco encarna as virtudes mais elevadas da humanidade e JB os defeitos mais abomináveis.
Se o mundo seguir Francisco, a humanidade ficará melhor. Se o Brasil seguir JB, ficaremos todos piores.
No mesmo dia em que X ficou feliz com a mesquinharia de JB, Miruna mandou uma mensagem a alguns jornalistas, entre os quais eu. Ela acabara de saber da decisão de JB.
O título da mensagem é autoexplicativo: “Revolta!”
O manifesto de Miruna:
“Palavras textuais do presidente do STF sobre a situação do meu pai:
“Por fim, considerada a provisoriedade da prisão domiciliar na qual o condenado vem atualmente cumprindo sua pena, e a forte probabilidade do seu retorno ao regime semi-aberto ao fim do prazo solicitado pela Procuradoria-Geral da República, considero que a transferência ora requerida fere o interesse público.
Por todo o exposto, indefiro o pedido de cumprimento da pena em regime domiciliar em São Paulo.”
Eu sei que não posso falar tudo o que penso sobre o presidente da suprema corte de justiça de meu país. Mas também que adjetivo é possível usar para alguém que proíbe um condenado CARDÍACO de cumprir sua pena DOMICILIAR em seu DOMICÍLIO e ainda ameaça que em fevereiro vai colocá-lo de volta na prisão?
O próprio laudo feito pelos médicos escolhidos a dedo por Barbosa fala: “Desta feita, o tratamento anti-hipertensivo de longo prazo deve incluir (… cita a dieta, exercícios e tal) A RESTRIÇÃO DA INFLUÊNCIA DE FATORES PSICOLÓGICOS ESTRESSANTES”.
Que tal isso ser considerado a começar pelo presidente do Supremo? O que vocês acham que se pode dizer de alguém que já ameaça e anuncia, no dia 28 de dezembro, uma época realmente propícia para ameaças, que a pessoa vai voltar para a cadeia em dois meses????????????”
Assim termina a mensagem de Miruna, numa série de interrogações para as quais ela não encontra respostas.
Pelo efeito deletério que vem tendo sobre o caráter dos brasileiros, e particularmente pelo mal que ele vem fazendo à alma de meu amigo X, Joaquim Barbosa é o Pior Brasileiro do Ano.
por Paulo Nogueira no Centro do Mundo

Dos problemas dos pais


O pai desolado - Anthony de Mello conta a história do rabino Abraão, que vivera uma vida exemplar. Quando morreu, foi direto para o Paraíso, e os anjos deram-lhe boas-vindas com cânticos de louvor.

Mesmo assim, Abraão permanecia distante e aflito, mantendo a cabeça entre as mãos, e recusando-se a ser consolado. Finalmente, foi levado diante do Todo-Poderoso, e escutou uma voz, com infinita ternura, perguntar-lhe:

- Meu adorado servo, que amargura carregas em teu peito?

- Sou indigno das homenagens que estou recebendo - respondeu o rabino.

- Embora eu fosse considerado um exemplo para o meu povo, devo ter feito algo de muito errado. Meu único filho, a quem dediquei o melhor de meus ensinamentos, tornou-se cristão!

- Não se preocupe com isso - disse a voz do Todo-Poderoso. - Eu também tive um único Filho, e ele fez a mesma coisa!

O que tevai fazer sofrer em 2014?

O ano, como as pessoas, têm seu momento de senilidade, quando o futuro é curto e o fim é inevitável.
2013 está nessa fase.
Seus últimos dias se aproximando e o hábito de fazer checagens ficando cada vez mais urgente. É quando a gente olha pra trás e começa a perceber que não emagreceu os quilos que prometeu, que a academia foi ficando pra depois, que não produziu os textos que queria, não conseguiu ler mais, nem ver filmes, muito menos viajar.
O tempo, esse danado, foi passando e não deu a mínima aos planos. Enquanto seguimos fazendo o que de mais urgente aparece na nossa frente, nossas ambições de melhoria da vida vão sendo deixadas de lado.
Além de mim e de você, quantas outras pessoas não devem ter passado pelo mesmo?
Talvez, o chefe escroto tenha prometido pegar mais leve. Talvez, alguém próximo tenha prometido assumir a responsabilidade sobre as próprias falhas, ao invés de colocar a culpa em alguém. Talvez, o casamento tenha sido foco da promessa de alguma das partes: “agora vai”!
Mas nem tudo é desastre, nem tudo é catástrofe. Às vezes as coisas dão certo.
Um filho pode ter nascido. Um casamento pode ter se feito com uma bela cerimônia. Muitos amigos podem ter sido visitados. Ou, quem sabe, até aquelas promessas mais bobas que a gente nunca cumpre podem ter sido levadas a cabo, até o fim. Empregos, carros, casas novas, mudanças. Você pode ter conhecido alguém que fez esse coraçãozinho bobo sacolejar no peito. Sim, bons desfechos podem ter ocorrido.
Mas, também devemos lançar um olhar mais sincero a essas histórias que vamos contar sobre o ano que vai nos deixando. Sabemos que cada felicidadezinha, cada pequena vitória, cada suspiro de alívio vem acompanhado de algumas gotas de suor escorrendo pela testa. A gente sofre tentando ser feliz.
É aí que a gente começa a se ver repetindo aquilo que fez no começo do ano e as promessas de 2013 se transformam nas promessas de 2014. Afinal, é uma nova chance que surge.
Nada mais justo do que tentar outra vez.
Mas, aqui, queria propor um lembrete, para antes de girarmos novamente a roda do tempo.
Já parou pra pensar que as suas apostas e promessas serão as razões pelas quais você vai sofrer em 2014?
Luciano Ribeiro

Editor do PapodeHomem, ex-designer de produtos, apaixonado por ilustração, fotografia e música. Ex-vocalista da banda Tranze (rock’n roll). Volta e meia grava músicas pelo Na Casa de Ana. Escreve, canta, compõe e twitta pelo @lucianoandolini.

Outros artigos escritos por 

Reflexão


O piloto Antoine Saint-Exupery (1900-1944), um dos maiores escritores franceses deste século, tornou-se mundialmente conhecido com seu "O Pequeno Príncipe". Aqui, um trecho de "Vento, Areia, Estrelas":

"É difícil descrever o que se passa em minha alma. Olho para o céu vejo milhares de estrelas soltas pelo universo, enquanto eu permaneço preso a estas areias".

"Mas, embora meu corpo esteja aqui, um pouco de mim é capaz de viajar por este céu, e levar-me a mundos desconhecidos. Então, vejo que meus sonhos são tão reais e concretos como estas dunas, esta lua, estas coisas que me cercam".

"Meus sonhos permitem que eu crie e habite num reino mais poderoso que este império francês". Eles vão me ajudar a construir o futuro, uma casa - porque a beleza das casas não reside no fato de que são feitas para abrigarem homens, mas na maneira em que são concebidas.

No dia em que eu construir minha casa, quero que ela consiga dizer algo. Que ela seja um sinal, um símbolo. Deixarei que a casa de meus sonhos surja do meu interior, como a água surge da fonte, ou a lua do horizonte".

Sant-Éxupery jamais realizou este sonho; o avião que pilotava desapareceu, cruzando o Mediterrâneo, durante a II Guerra Mundial. 

Nem na Rússia czarista petista seria proibido de ler

por Felipe Carvalho Olegário de Souza, especial para o Viomundo

Iniciei, nesta semana do Natal, a leitura do terceiro volume da biografia/estudo crítico da obra de Fiódor Dostoiévski, escrita por Joseph Frank, intitulado Os efeitos da libertação.
Cuida esse livro da fase “pós-Sibéria” (onde cumprira pena por crime político) da vida/obra daquele que considero, sem maiores pretensões, o maior escritor de todos os tempos.
Historicamente (1860 a 1865), é momento de grande agitação política, cultural e social na Rússia czarista, no qual vários setores da intelligentsia disputavam que modelo de governo seria o ideal para garantir direitos aos mujiques, cujo desprezo fazia parte da educação das classes mais abastadas.
A expressão “Rússia czarista”, ainda hoje, faz estremecer o mais corajoso oposicionista, em qualquer parte do mundo, por conta da força extrema utilizada pelo governo para reprimir a mínima discordância que fosse ao poder estabelecido.
Pois bem.
Narra Joseph Frank (Os efeitos da libertação, p. 203 e seguintes) que, por volta de 1861, o governo czarista determinou a prisão de vários estudantes que haviam distribuído panfleto denominado “O Grande Russo”, considerado subversivo pelas autoridades.
Diz o biógrafo que os estudantes confinados na temida Fortaleza de Pedro e Paulo recebiam visitas diárias de intelectuais e apoiadores da causa, que, entre outros presentes, entregavam-lhes livros para suavizar a dor da ausência de liberdade.
Imediatamente, veio-me à mente as restrições impostas pela Administração do Presídio da Papuda à leitura por aqueles que ali estão presos. Para completar a medida “moralizadora”, os livros entregues por amigos a José Dirceu e Delúbio Soares foram “obrigatoriamente doados” (a expressão que ofende à língua de Camões está contida no texto d’O Estado de S. Paulo) à Biblioteca do referido estabelecimento prisional.
Ao ler o teor das notícias veiculadas sobre tal fato, mormente pelos sites, jornais impressos e telejornais da “grande mídia”, mesmo descrente de alguma imparcialidade por parte desses, esperava haver ali um mínimo de indignação.
Se é inadmissível a “frieza” do profissional das letras (para mim, jornalista ainda é profissional das letras) sobre os fatos acima, como qualificar a reação midiática de considerar “privilégio” a leitura por tempo indeterminado pelos detidos na Papuda?
Não bastasse terem sido mutilados os direitos constitucionais de José Dirceu e Delúbio Soares ao duplo grau de jurisdição e ao cumprimento da pena somente após o trânsito em julgado da condenação, aos dois réus, pelo menos essa é a impressão que se tem a partir dos escritos difundidos por VejaEstadãoFolha de S. PauloO Globo etc., não é suficiente o cárcere, deveriam os petistas sair “piores” do que entraram.
Lógico que o regime prisional impõe obrigações inafastáveis ao preso, conforme previsão da Lei de Execuções Penais, art. 39. Pelo que se sabe, Dirceu e Delúbio não se escusaram de cumprir tais deveres (limpeza e conservação da cela, obediência ao servidor e respeito a qualquer pessoa com quem deva relacionar-se; urbanidade e respeito no trato com os demais condenados etc.).