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Crônica da tarde


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Quando chegar
Quando chegar aos 30

serei uma mulher de verdade
nem Amélia nem ninguém
um belo futuro pela frente
e um pouco mais de calma talvez

e quando chegar aos 50
serei livre, linda e forte
terei gente boa ao lado
saberei um pouco mais do amor
e da vida quem sabe


E quando chegar aos 90
Com menos força, o mesmo futuro e mais idade
Vou fazer uma festa, de felicidade
Convidar todos que amo
Registrar tudo que possa
E viver de saudade

Martha Medeiros
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Crônica dominical


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É preciso saber desligar
Esqueça o trânsito caótico, a urucubaca política, o tal balancete no final do ano. Deixe de lado a cobrança interna, a dívida externa, a tão eterna dúvida. Viver é assim. Não há como negar. Para ficar ligado é preciso saber desligar. Fácil? Nem tanto. Descobrir qual é o seu tempo é tarefa nobre: exige um grande conhecimento sobre si mesmo. Portanto, esqueça o relógio. Seu tempo está dentro de você. Chega de viver com a ansiedade no colo e o celular na mão. Não deixe a agenda ocupar ? sem querer - o lugar do coração. Respeite sua hora. Desacelere. TURN OFF. Mais do que correr, é preciso saber parar. Não adianta viver no piloto-automático e deixar de sorrir. Nem tirar folga e levar uma enorme culpa dentro da mala. O mundo lá fora exige produtividade e imediatismo. Aqui dentro, corpo e alma pedem menos, muito menos. Como fazer, então, para conciliar tempos tão diferentes? A resposta não está em livros. Mas dentro de cada um. Quer tentar? Respire fundo. Desencane. Perca seu tempo com você!É uma responsabilidade enorme desconectar-se, eu sei. Mas vida ao vivo é pra quem tem coragem. Coragem de arriscar. Cuidado em saber a hora certa de parar. Difícil? Pode ser. É um exercício diário que exige confiança e um amor incondicional por tudo o que somos e acreditamos. Uma aceitação suave dos próprios defeitos, um rir de si mesmo, um desaprender contínuo, um aprender sem fim sobre o que queremos da vida. Não importa se tudo parecer errado e o mundo virar a cara para você. Esqueça. Se esqueça. Hora de se perdoar. RENASÇA. Eu sei pouca coisa da vida, mas uma frase eu sigo à risca: é preciso respeitar o próprio tempo. E eu respeito! Acredito no que diz o silêncio na hora em que a mente cala. E meu silêncio - que não é mudo e também escreve - dita com voz desafiante: confie em si mesma. Quebre a rigidez. Ouse. Brinque. Viva com mais leveza. E - por favor - desligue-se. Só assim você vai transformar vida em letra e letra em vida. E ter coragem e fôlego pra ser VOCÊ, no momento em que o mundo te atropelar sem licença e disser: 
CHEGOU A HORA!
Fernanda Mello
***

Crônica dominical


A última crônica

A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: "assim eu quereria o meu último poema". Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica. 

Provocações

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A primeira provocação ele não aguentou calado. Na verdade, chorou e esperneou muito. Nada demais, quase todo bebê faz assim, mesmo os que nascem em maternidade por cesariana. E não como ele, numa caverna, aparado apenas pelo chão de pedra.

Outra provocação foi perder a metade dos seus dez irmãos, por doença e falta de atendimento. Não gostou nada daquilo. Mas ficou firme. Era de boa paz.
Foram lhe provocando por toda a vida.
Não pode ir a escola porque tinha que ajudar na roça. Tudo bem, gostava da roça. Mas aí lhe tiraram a roça.
Na cidade, para aonde teve que ir com a família, era provocação de tudo que era lado. Resistiu a todas. Morar em barraco. Depois perder o barraco, que estava onde não podia estar. Ir para um barraco pior. Ficou firme.
Queria um emprego, só conseguiu um subemprego. Queria casar, conseguiu uma sub-mulher. Tiveram sub-filhos. Subnutridos. Para conseguir ajuda, só entrando em fila. E a ajuda não ajudava.
Estavam lhe provocando.
Gostava da roça. O negócio dele era a roça. Queria voltar pra roça.
Ouvira falar de uma tal reforma agrária. Não sabia bem o que era. Parece que a ideia era lhe dar uma terrinha. Se não era outra provocação, era uma boa.
Terra era o que não faltava.
Passou anos ouvindo falar em reforma agrária. Em voltar à terra. Em ter a terra que nunca tivera. Amanhã. No próximo ano. No próximo governo. Concluiu que era provocação. Mais uma.
Finalmente ouviu dizer que desta vez a reforma agrária vinha mesmo. Para valer. Garantida. Se animou. Se mobilizou. Pegou a enxada e foi brigar pelo que pudesse conseguir. Estava disposto a aceitar qualquer coisa. Só não estava mais disposto a aceitar provocação.
Aí ouviu que a reforma agrária não era bem assim. Talvez amanhã. Talvez no próximo ano… Então protestou.
Na décima milésima provocação, reagiu. E ouviu espantado, as pessoas dizerem, horrorizadas com ele:
– Violência, não! 
(Luis Fernando Veríssimo)

***

Crônica dominical, de Luis Fernando Veríssimo

A metamorfose

Uma barata acordou um dia e viu que tinha se transformado num ser humano. Começou a mexer suas patas e viu que só tinha quatro, que eram grandes e pesadas e de articulação difícil. Não tinha mais antenas. Quis emitir um som de surpresa e sem querer deu um grunhido. As outras baratas fugiram aterrorizadas para trás do móvel. Ella quis segui-las, mas não coube atrás do móvel. O seu segundo pensamento foi: “Que horror… Preciso acabar com essas baratas…”

Pensar, para a ex-barata, era uma novidade. Antigamente ela seguia seu instinto. Agora precisava raciocinar. Fez uma espécie de manto com a cortina da sala para cobrir sua nudez. Saiu pela casa e encontrou um armário num quarto, e nele, roupa de baixo e um vestido. Olhou-se no espelho e achou-se bonita. Para uma ex-barata. Maquiou-se. Todas as baratas são iguais, mas as mulheres precisam realçar sua personalidade. Adotou um nome: Vandirene. Mais tarde descobriu que só um nome não bastava. A que classe pertencia?… Tinha educação?…. Referências?… Conseguiu a muito custo um emprego como faxineira. Sua experiência de barata lhe dava acesso a sujeiras mal suspeitadas. Era uma boa faxineira.

Mamãe, por Neto Braga


Mamãe
“Há sentenças lavradas no céu para serem executadas na terra, e que os homens teimam em não querer ler”. 

Manhã de quinta-feira, 10 de maio, estou em frente ao portão de entrada da necrópole, onde foi erigido o jazigo da família Correia Braga, nesta terra que me serviu de berço, minha tão amada Iguatu. A corrente ainda entrelaça o portão, fechado a cadeado, esperando o senhor daqueles domínios, o amigo Zé Coveiro. Faço algumas orações, rezo por todas as almas que tiveram seus corpos enterrados naquele campo santo. Ao crepúsculo do dia anterior, eu havia me retirado dali, deixando a minha mãezinha, a senhora Terezinha Ferreira Braga no mesmo local, onde a trinta e dois anos, havia deixado o meu pai José Correia Braga Filho. As seis horas o Zé coveiro abre o portão, sigo angustiado aquele conhecido caminho, ao chegar diante da cova, tento pronunciar um nome que me saia tão fácil da boca nos meus 52 anos, nome tão amado, amantíssimo nome de mamãe, mas o que consigo proferir é um estrondoso urro de jaguar ferido pelas inflexíveis flechas do destino, urro que vem do mais profundo das minhas entranhas, acompanhado de lagrimas que prorrompem nos meus olhos, grossas, abundantes, como o Jaguaribe em suas grandes cheias. Logo, e mansamente me acalmo e começo a conversar com ela, como fazia sempre, nisto sou bem muçulmano, digo-lhe que já havia feito o café, as quatro e meia, tomado com umas bolachas mais o velho Paulo David, e que depois tinha vindo para lhe pedir a benção, e para lhe fazer companhia. Depois, o silencio, a contemplação, na tentativa de algum tipo de comunicação. Um Imbua passa por cima daquele monte de terra, como um trem, seguindo trilhos invisíveis, cujo rumo só ele conhecia, um besouro verde, chuviscado de amarelo, de uma polegada, sobrevoa aquela terra, descendo em alguns pontos, onde se põe a cavar como um peba. Vida, vida, vida em abundancia, mamãe tinha voltado aos braços da mãe terra, fechando um ciclo, somos pó e ao pó voltaremos. Levantei, adentrei o sepulcro, acendi duas velas, ofertei-lhe uma flor, rezei mais algumas orações e saí, prometendo-lhe voltar, como tinha sido o seu pedido a mim, quando a vi pela ultima vez, com saúde, em Acopiara: 
- Neto, tu vem me ver mais vezes. 
22 de janeiro, dia que morreu meu pai, 22 de Fevereiro, dia que nasceu minha mãe, o principio e o fim, o alfa e o ômega, a vida e a morte, duas faces de uma mesma moeda. 22 foram os dias que minha mãe esteve em um leito de UTI, no hospital Gênesis, em Fortaleza, lutando pela vida, durante este período, estive com ela alguns dias, minha irmã Marizinha precisava resolver algumas pendencias no Iguatu. Numa destas visitas, ao chegar, observei que ela estava de olhos abertos, atenta a tudo, disse-lhe então: A Roberta mandou uma carta para a senhora, o pastor Zezinho manda-lhe dizer que a igreja estar em oração pela sua saúde, que quando estiver no Iguatu, irão fazer um culto de ação de graças, pelo seu restabelecimento. Eu vou ter que ir ao Iguatu, a Teresinha minha filha estar em dias de pari, mas eu venho passar o dia das mães com a senhora. A senhora já vai estar de alta da UTI, num apartamento. A senhora estar me entendendo? Balançou a cabeça afirmativamente.
...
Ao sair:
- Mamãe, mil beijos!
Ela, me retribuindo o gesto, ficou a comprimir os lábios em forma de beijos.
- Mamãe, a benção.
Ela esforçou-se para me dizer alguma coisa.
- Doutor, mamãe estar querendo falar.
- Ela estar lhe abençoando, mas não saio som, por causa da traqueostomia.
Aqui, acompanhei minha filha no exame de ultrassonografia, segundo o medico, a data prevista para o nascimento do meu neto, seria o dia 27 de maio. Decidi então, me preparar para voltar a Fortaleza, providenciei um banner para o dia das mães em sua homenagem, a Maria Lopes, do IFCE, iria publicar durante aquela semana, no jornal Tribuna do Iguatu, uma homenagem as 10 mães estrelas, dentre elas, minha mãe.
As 2:45 da madrugada, do dia 07 de maio, o telefone toca. Acordei sobressaltado, pensando que algo de grave poderia ter ocorrido com mamãe em Fortaleza. De minha filha, estava despreocupado, pois segundo as previsões clinicas, o parto só ocorreria, dali para mais de 20 dias. Era ela:
- Papai! A bolsa estourou, estou indo com mamãe e minha sogra para o hospital, o Alex vai passar ai na moto.
As 3:00 h. da madrugada, estava na casa de parto, acoplada ao hospital regional do Iguatu, as 8:30h. da manhã, minha filha, com 15 primaveras, havia dado a luz, um filho sadio, de parto normal. As 4:00h. da tarde do dia seguinte, 08 de maio, recebeu alta, juntamente com seu bebe, indo para casa para casa de sua sogra onde reside. As 19:40 da noite, depois de , em espirito, haver acompanhado e abençoado todo aquele tramite, num ultimo gesto de amor, mamãe partiu deste mundo físico, se entregando nos braços do celestial pai.
Na quarta-feira pela manhã, recebendo os pêsames de alguns mais próximos a família, ouvi de minha tia Almira Correia Braga, este relato:
- Neto, você passou ontem a noite lá na minha calçada, dizendo que ia viajar para acompanhar sua mãe na UTI, pois sua filha já estava de alta. Eu não quis lhe dizer, mas a minha neta Almirinha, tinha me dito: - Vovó eu sonhei com a tia Terezinha, conversando com vovô Edio, aqui na nossa calçada, estavam tão alegres, sorrindo. Eu sei meu filho, que quando uma pessoa que estar muito doente é vista em sonho com alguém que já morreu, dizem que é um aviso, que ela já se vai.
Ainda Na terça-feira, pela manhã, depois de palestra na escola Adauto Bezerra, na divulgação do troféu Anteu, segui para secretaria do Meio Ambiente e Urbanismo, para prestar contas do trabalho e para avisar de minha viajem naquela noite a Fortaleza, depois passei na rodoviária e segui pela rua João Coelho, iria passar numa Lan rouse, localizada na rua Casimiro Pereira, para avisar de minha viajem a minha irmã. Quando passo em frente ao Centro Espirita, o Sr. Dede David, vem saindo pra calçada:
- Neto Braga.
- Bom dia Dede.
- Rapaz, que coincidência, você passar por aqui agora.
- Coincidência por quê?
- Eu passei a noite sonhando com teu pai, ele estava novo, o bigode preto, pintado. Ele disse:
- Dede, você demora vim por aqui.
- É Zé demoro.
Era um monte de gente, ele estava de brim branco, aquele chapéu de massa na cabeça. Ai pediu:
- Dede, cuida de minha menina.
- Minha menina!? Será que é meu neto que nasceu ontem?
- Ele disse minha menina.
- Há Dede, então, é mamãe que estar a mais de 20 dias numa UTI, em Fortaleza. Coloca o nome dela em tuas orações.
Eu já havia pedido isto a muita gente, entre eles o bispo Edson de Castro, o pastor Zezinho, e agora o Dede Davi.
Depois de tantas bênçãos, tantos recados, tantas provas de que a vida vence a morte. Só posso agradecer ao senhor onipotente Deus, pelos 52 anos que este ultimo dos filhos do meu pai teve a graça maior de ter na terra como mãe esta santa que o mundo conheceu pelo nome de Terezinha Ferreira Braga, o ultimo elo da família Ferreira Lima constituída pelo casal Cícero Ferreira Lima e Maria Dotiva de Jesus. 
Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé.

Do seu filho, Neto Braga.

Carta de Cavani para Pelado (um garoto de 9 anos)


"Caro Edinson de nove anos de idade,
Eu escrevo estas linhas para o garoto que no bairro todo mundo chama de "Pelado".
Quando você era bebê, não tinha muito cabelo. E isso cresceu para você muito pouco a pouco. Uma merda, mas não havia muito que você pudesse fazer sobre isso. Então, graças à criatividade de sua família, você sempre foi "Pelado".
Bem, fico feliz em dizer que nos próximos 20 anos, o futebol vai mudar sua vida de muitas maneiras. Alguns muito bons, outros nem tanto. Mas o futebol vai ajudar você a se livrar desse apelido tedioso.
Existe um jogador chamado Gabriel Batistuta. Você ainda não sabe, porque o único programa que você tem a paciência de sentar e assistir na TV é chamado Tom & Jerry. Seu irmão mais velho, Nando, será o primeiro a ser inspirado por Batistuta. Ele vai começar a se recusar a ir ao cabeleireiro. E usar o condicionador para o cabelo da sua mãe. E pouco a pouco, ele começará a se parecer com o magnífico Batigol toda vez. Quando você está correndo em um playground, com seu cabelo comprido puxado para trás e segurado por um elástico, será o melhor que você já viu.
Chegará a hora em que será você quem dirá a sua mãe: "Sem cortes de cabelo".
Você vive a sua vida lá fora, com uma bola nos pés. Do jeito sul-americano. Você não sabe mais nada. E também, o que há para fazer dentro? Nada divertido, nada interessante. Não há PlayStation. Não há TV grande. Você nem precisa tomar um banho quente. Não há aquecimento também. No inverno, seu sistema de aquecimento será de quatro cobertores. Quando você precisa tomar um banho, você terá uma garrafa térmica com água que você vai aquecer na cozinha para querosene. É muito importante entender como combinar água fria e quente. De pé na banheira, você aprenderá a ser um alquimista.
E, no entanto, isso será um luxo para você. Ou você não se lembra da sua primeira casa? Aquele que não tinha banheiro. Aquela casa onde toda vez que você tinha que se aliviar, você não tinha escolha senão sair e ir para o pequeno galpão!
Você pode me deixar te contar um segredo? Quando me lembro dessa imagem agora, não me sinto mal. Por alguma razão, isso me enche de energia. Isso me dá coragem. É uma linda lembrança.
Não se preocupe com o que você tem na casa. Você tem que continuar vivendo sua vida ao sol, Pelado.
Além disso, qual é a razão para ter cartazes de futebol presos na parede? A cada dois ou três anos, quando você muda de emprego ou sua família não pode pagar o aluguel, você terá que mudar para outro lugar. Mas você sabe o que é melhor? Que em cada casa nova, não importa onde esteja localizada, você sempre terá um pequeno campo do lado de fora. E também haverá uma bola. Não há dono no mundo que possa remover isso, eu garanto.
O que mais importa em sua vida neste momento, se bem me lembro, é o objetivo do sorvete.
O Gol do Sorvete é algo mágico. Eu preciso falar com alguém do PSG sobre o objetivo do sorvete. É genial. É pura motivação. A ideia era para os organizadores do campeonato juvenil de Salto. Como você se sente motivado para um bando de guris de seis anos, não importa como vai o jogo?
Colocando a regra que o garoto que faz o último gol do jogo toma um sorvete.
O resultado poderia ser 8-1, mas isso não importava. Foi uma corrida contra o tempo. Marque o último gol do jogo. E a sensação ao ouvir o técnico que tocou o apito para marcar o final, quando você colocou o Gol do Sorvete... incrível! Uma imensa alegria. Será chocolate? Você vai pegar um desses do Mickey Mouse? Seja o que for, ao longo desse dia, você será o rei.
Claro que você não é um garoto da capital, Pelado. Os meninos de Montevidéu vivem em um mundo diferente. Um mundo que você nem conhece existe. Um mundo de botas Adidas, viagens de carro e grama verde. Em Salto, tudo é diferente. Por alguma razão, todo mundo quer jogar descalço. Algumas crianças começam os jogos com sapatos, mas depois, no intervalo, todas as botas estão empilhadas de um lado e todo mundo vai correr descalço. Se eu fechar meus olhos agora, ainda posso sentir a lama nas solas dos meus pés. Ainda sinto meu coração batendo, correndo atrás da bola, sonhando com sorvete.
Você carregará esses sentimentos com você por toda a sua vida, porque você é sul-americano. Do Uruguai De Salto. Você vive futebol de uma maneira diferente.
A bênção e a maldição para os uruguaios é que nunca podemos relaxar. É a história do nosso futebol, é a história do nosso país. Quando colocamos o azul, sentimos o orgulho da nossa história. Temos que ir para todos, dar, dar, dar. E lá vamos nós.
Quais são seus sonhos, Pelado? Eu nem me lembro deles exatamente. O tempo os transformou em memórias difusas.
O seu sonho é tocar em Montevidéu, como o Nando? Você vai conseguir, e quando fizer isso, vai sentir que está jogando na Liga dos Campeões.
O seu sonho é tocar na Europa? Você também receberá, e ganhará dinheiro suficiente para mudar a vida de sua família.
O seu sonho é jogar pelo Uruguai? Você fará isso e terá experiências que o farão chorar de alegria e também de tristeza.
O seu sonho é jogar uma Copa do Mundo? (Eu não vou estragar a surpresa, vou dizer que 2010 será o El Loco).
Seu sonho é ter muito dinheiro, dirigir bons carros e dormir em hotéis elegantes? Bem, Pelado, você terá todas essas coisas. Mas eu tenho que te dizer uma coisa. Eles não necessariamente farão você feliz.
O que você tem agora, com 9 anos de idade, é algo que eu sinto muita falta agora. Você não tem um banho quente. Você não tem peso no bolso. Você nem tem um bom cabelo. Mas você tem outra coisa. Algo que não tem preço. Você tem sua liberdade.
Quando criança, você vive sua vida com uma intensidade e uma paixão que serão impossíveis quando adulto. Tentamos nos apegar a esse sentimento quando crescemos, mas ele começa a desaparecer. Ele escorrega pelas nossas mãos. Existem muitas responsabilidades. Muita pressão. Muita vida vivia.
Você sabe como é a vida agora, aos 31 anos de idade?
Você vai de um hotel para um ônibus e de lá para um campo de treinamento. Depois do campo de treinamento para um ônibus e um avião. Do avião você vai para outro ônibus. Do ônibus você vai para um estádio.
Em muitos aspectos, você está vivendo em um sonho. Mas em muitos outros, você também é prisioneiro desse sonho. Você não pode sair e sentir o sol. Você não pode tirar as botas e jogar no chão. As coisas vão acontecer que vão complicar a sua vida. É inevitável.
Quando você é criança, você tem a sensação de que a pessoa mais bem-sucedida é aquela que tem mais coisas. Quando você cresce, percebe que a pessoa mais bem-sucedida é aquela que tem a sabedoria de viver a vida.
Quando você conseguir isso no futebol profissional, você terá tudo que você pode sonhar. E para isso você terá que ser extremamente grato. Mas tenho que ser honesto com você, Pelado. Existe apenas um lugar onde você pode ter essa liberdade total. E dura 90 minutos, se você tiver sorte.
Quando você coloca suas botas, não importa se você está jogando no campo de Jumping, na grama verde do Napoli ou na frente de milhões de pessoas em uma Copa do Mundo...Eu quero lembrá-lo das palavras do seu pai.
O que sempre te diz, toda vez que você vai jogar um jogo?
Eu sei que você sabe disso.
Ele diz: "No momento em que você cruza a linha de cal e entra no campo, é apenas futebol. Nada que aconteça fora dessa linha irá ajudá-lo com o que se passa no interior. Nada mais existe.
Se você ouvir essas palavras e realmente acreditar no espírito do que elas dizem, então, mesmo que a pressão seja imensa, mesmo que você esteja tocando na frente de milhões de pessoas ... você sairá em quadra e sentirá que está jogando descalço.
Você vai sentir a lama presa nas solas dos seus pés.
Você sentirá seu coração batendo e correrá procurando a bola, como se fosse o maior troféu do mundo. Como se estivesse jogando sorvete.
Atenciosamente,
Edi"

Crônica da tarde


Netos são como heranças: você os ganha sem merecer. Sem ter feito nada para isso, de repente lhe caem do céu... Sem se passarem as penas do amor, sem os compromissos do matrimônio, sem as dores da maternidade. O neto é, realmente, o sangue do seu sangue. 
Com a idade chega a saudade de alguma coisa que você tinha e que lhe fugiu sutilmente junto com a mocidade. Meu Deus, para onde foram as crianças? Transformaram-se naqueles adultos cheios de problemas que hoje são os filhos, que têm sogro e sogra, cônjuge, emprego, apartamento e prestações, você não encontra de modo algum suas crianças perdidas. São homens e mulheres- não são mais aqueles que você recorda.
E então, um belo dia, sem que lhe fosse imposta nenhuma das agonias da gestação ou do parto, o doutor lhe coloca nos braços um bebê.  Completamente grátis.
Sem dores, sem choro, aquela criancinha da qual você morria de saudades, símbolo ou penhor da mocidade, longe de ser um estranho, é um filho seu que é devolvido. 
E o espanto é que todos lhe reconhecem o direito de o amar com extravagância.
Tenho certeza de que a vida nos dá netos para compensar de todas as perdas trazidas pela velhice. São amores novos, profundos e felizes, que vem ocupar aquele lugar vazio, nostálgico, deixado pelos arroubos juvenis. 
E quando você vai embalar o menino e ele, tonto de sono abre o olho e diz: "Vo!", seu coração estala de felicidade, como pão no forno!

Rachel de Queiroz 

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Dicas para fazer o casamento durar


Minha esposa e eu temos um segredo para fazer o nosso casamento durar:
Duas vezes por semana, vamos a um ótimo restaurante, com uma comida gostosa, uma boa bebida e um bom companheirismo. Ela vai às terças-feiras e eu, às quintas.
Nós também dormimos em camas separadas: a dela é em Fortaleza e a minha, em Iguatu.
Eu levo minha mulher a todos os lugares, mas ela sempre acha o caminho de volta.
Perguntei a ela onde ela gostaria de ir no nosso aniversário de casamento, “em algum lugar que eu não tenha ido há muito tempo!” ela disse. Então, sugeri a igreja.
Nós sempre andamos de mãos dadas…Se eu soltar, ela vai às compras!


Ela tem um liquidificador, uma torradeira e uma máquina de fazer pão, tudo elétrico. Então, ela disse: “nós temos muitos aparelhos, mas não temos lugar pra sentar”. Daí, comprei pra ela uma cadeira elétrica.
Lembrem-se: o casamento é a causa número 1 para o divórcio. Estatisticamente, 100 % dos divórcios começam com o casamento.
Eu me casei com a “senhora certa”. Só não sabia que o primeiro nome dela era “sempre”.
Já faz 18 meses que não falo com minha esposa. É que não gosto de interrompê-la.
Mas, tenho que admitir: a nossa última briga foi culpa minha.
Ela perguntou: “O que tem na TV?”
E eu disse: “Poeira”.
Luis Fernando Veríssimo
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Um pouco mais de mim, por Elba Silva

Eu sou daquele tipo de clichê romântico. Quando eu sinto, eu não finjo ou ignoro. Eu dou o melhor de mim, mesmo que pra alguns, não seja o suficiente. 
Eu não consigo me entregar pela metade. Pra mim é o agora ou nunca, ou tudo ou nada feito. 
Choro e rio ao mesmo tempo por amor, vai entender.
Eu corro atrás, mas eu não sou de ferro. 
Às vezes, eu to 100% em mim. Já em outras, eu estou viajando ou melhor, pensando em você. 
Ninguém sabe, mas eu sou daquelas pessoas à moda antiga. Eu gosto de receber e de enviar cartas. Gosto de dar flores e receber beijos em troca. Eu gosto de me comprometer com quem eu amo e quem ama não machuca, troca ou diminui o outro, apenas cuida. E acho que nunca vou mudar esse meu jeito protetor de ser.
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Crônica dominical









"Repito: o brasileiro é uma nova experiência humana. O homem do Brasil entra na história com um elemento inédito, revolucionário e criador: a molecagem."
Amigos, a bola foi atirada no fogo como uma Joana d’Arc. Garrincha apanha e dispara. Já em plena corrida, vai driblando o inimigo. São cortes límpidos, exatos, fatais. E, de repente, estaca. Soa o riso da multidão — riso aberto, escancarado, quase ginecológico. Há, em torno do Mané, um marulho de tchecos. Novamente, ele começa a cortar um, outro, mais outro. Iluminado de molecagem, Garrincha tem nos pés uma bola encantada, ou melhor, uma bola amestrada. O adversário para também. O Mané, com quarenta graus de febre, prende ainda o couro.
A partida está no fim. O juiz russo espia o relógio. E o Brasil não precisa vencer um vencido. A Tchecoslováquia está derrotada, de alto a baixo, da cabeça aos sapatos. Mas Garrincha levou até a última gota o seu “olé” solitário e formidável. Para o adversário, pior e mais humilhante do que a derrota, é a batalha desigual de um só contra onze. A derrota deixa de ser sóbria, severa, dura como um claustro. Garrincha ateava gargalhadas por todo o estádio. E, então, os tchecos não perseguiram mais a bola. Na sua desesperadora impotência, estão quietos. Tão imóveis que pareceram empalhados.
Garrincha também não se mexe. É de arrepiar a cena. De um lado, uns quatro ou cinco europeus, de pele rósea como nádega de anjo; de outro lado, feio e torto, o Mané. Por fim, o marcador do brasileiro, como única reação, põe as mãos nos quadris como uma briosa lavadeira. O juiz não precisava apitar. O jogo acabava ali. Garrincha arrasara a Tchecoslováquia, não deixando pedra sobre pedra. Se aparecesse, na hora, um grande poeta, havia de se arremessar, gritando: — “O homem só é verdadeiramente homem quando brinca!” Num simples lance isolado, está todo o Garrincha, está todo o brasileiro, está todo o Brasil. E jamais Garrincha foi tão Garrincha, ou tão homem, como ao imobilizar, pela magia pessoal, os onze latagões tchecos, tão mais sólidos, tão mais belos, tão mais louros do que os nossos. Mas vejam vocês: de repente, o Mané põe, num jogo de alto patético, um traço decisivo do caráter brasileiro: — a molecagem.

Veríssimo: O Brasil alterou a famosa frase do Marx

(...) "Aqui, a história não se repete como farsa, as farsas se repetem como história. 
O golpe de 64 foi farsesco, descontando-se o que teve de ignóbil. Depois dele, vivemos 20 anos com generais se sucedendo na Presidência da República sem votos, uma farsa reincidente. Entre os generais presidentes tivemos de bufões a um falso pastor, que autorizou assassinatos de Estado, como nos contou, recentemente, a CIA. Diante desse teatro burlesco, a população teria todo o direito de gritar “E os palhaços? Onde estão os palhaços?”, se fosse permitido gritar. Para ser uma farsa completa, só faltaram palhaços em cena ou, no mínimo, um amante só de cueca escondido no armário.
E agora tem gente desfilando com faixas que pedem intervenção militar já. Quer dizer, pedem uma repetição da farsa. Como gostaram da outra, provavelmente querem uma farsa igual àquela, uma volta àqueles dias. São movidos a nostalgia, mais do que a qualquer projeto realista. Mas o movimento está crescendo, pelo que se ouve e se lê, e não se minimize o poder da nostalgia mobilizada; quanto mais irrealista, mais perigosa.
A farsa de 64 começou com um general de opereta, impaciente com a demora das conspirações, decidindo comandar seus tanques contra o governo Jango sem esperar por ninguém. Foi a faísca que incendiou o resto. Muito cuidado com faíscas e generais impacientes, portanto.

Luis Fernando Veríssimo em O Globo
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Tijolaco

O símbolo é mais forte que o fato

POR FERNANDO BRITO 

Nós – para usar a expressão de Graciliano Ramos – , desgraçados materialistas, frequentemente temos a tendência, no final da vida, de sermos pragmáticos e indulgentes com nossos pecados, tanto quanto intolerantes com pecados alheios.

Há os que, por terem sido remadores contra as marés de dias, anos, meses, anos e até décadas, se vêem agora como sócios remidos da existência, que deram a sua parte de sacrifícios e, agora, têm o direito de se refestelarem, confortáveis na preguiça do “politicamente correto” e do relativismo moral.

A política não é, lamento, a arte de deitar-se sobre a folha corrida de serviços prestados, daquelas que dão direito a alguém de  ganhar um relógio e se recolherem.

Nem a de empoleirar-se sobre um muro, dizendo que vêem virtudes no vício e, por isso, tolerando-o.

Hoje, dois homens idosos postaram-se à porta da Polícia Federal de Curitiba, em defesa de outro, pouco mais jovem, aos seus 72 anos.

Adolfo Pérez Esquivel, Leonardo Boff e Lula.

Os três, por tudo o que fizeram, poderiam e mereciam estar agora descansando e vivendo confortavelmente os seus últimos anos , ao menos os de vida ativa.

Esquivel passou mais de um ano no cárcere e nas torturas da ditadura argentina; Boff perdeu suas ordens franciscanas, Lula perde agora seu direito de caminhar pelo seu país.

Será mesmo que perderam tanto?

Sobreviveram no mundo dos descartáveis.

Recolho do meu sempre inspirador Nilson Lage o lamento sobre a foto de Boff, com sua bengala, à sentado num banco à frente  da PF:

À porta, um sábio espera.
Ideias não se caluniam, não se processam, não se supliciam.
Sempre tentam aprisionar ideias, mas só podem aprisionar homens. … 

Acho que nem isso.

Porque as idéias tornam homens em algo maior que simples homens, os transformam em símbolos.

Fanfiction

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Família Moro vai para Boston, por Vinícius Carvalho
- "O Chaves em Acapulco" da classe média brasileira  -

Sérgio Moro já disse que a lava-jato está na reta final, deve acabar lá por novembro, e por isso ele está preparando as malas para tirar uma licença e ir passar um tempo nos Estados Unidos.
Esse cara não faz a menor ideia de onde está se metendo.
O que o Cinderello não se toca é que, ele não é nenhuma sumidade intelectual e, muitas vezes, o excesso de bajulação cega. Em 5 meses nos Estados Unidos, a carruagem acaba virando abóbora. Imaginem:
1° MÊS - DEZEMBRO - "Rosânnnngelaaa, te apressa muié vamos perder o vôo". "Calma, tesouro, estou botando os biquínis na mala, afinal é dezembro, verão, né?", "Bahh, claro, MAÇAXUXES tem muitas praias. Coloca a minha sunga com a bandeira dos Estados Unidos e minha bóia de patinho da FIESP também, amorrr"
- Moro sai do Brasil se achando o pica das galáxias, apesar de não compreender muito bem como, apesar de idolatrado na imprensa e no rotary club, ele não conseguia dar palestra em nenhuma universidade pública por aqui, apenas em seminários do MBL e da LIDE do João Dória.
- Ao chegar no aeroporto de Boston, nosso protagonista, de camisa de botão florida e colar havaiano não entende, "oras, que frio é esse? será que peguei o avião errado e vim parar em Campos do Jordão? Vou ligar pro meu chefe, o Dória". Sorumbática, Rosângela da APAE, exclama,"meu Deus, não é verão aqui não? Mas estamos em dezembro!".
- Pra tentar conquistar seus vizinhos, Rosângela faz uma grande ceia de natal e convida a família Goldenberg Cohen Netanyahu Abraão Davi, uma família judia que coincidemente é dona de fazenda no Rio de Janeiro chamada Nilópolis, onde tem um criadouro de beija-flor. A família não se anima muito com o convite e dizem que ainda estão "esperando o Messias", e são prontamente respondidos por Rorrô e Momô, "bah, nós também, vamos votar no Messias Bolsonaro e tudo esse ano...mas tudo bem".
- Passado o susto com a temperatura e com descompostura dos vizinhos, Moro se apresenta em Harvard, "Rélôu, aima de Sergio Morrow, aima tichá, aimi de véri famous judigi in brasiu, endi aimi comi tchu uôrqui rriri in rárvar, maçaxuxet"(Olá, eu sou o Sérgio Moro, sou professor, sou um juiz muito famoso no Brasil, e eu vim trabalhar aqui em Harvard, Massachussets), "What?", a mulher não entende nada e pede ajuda "Hey, Big Phill, call the security man or the psychiatrist, there's a nutcase here, i think he's asking for money", (Chamem o segurança ou o psiquiatra, tem um maluquinho aqui, acho que está pedindo dinheiro).
- Passado o mal entendido, o diretor da Universidade explica pro Morrow que, na verdade, ele não foi contratado para ser professor já que ele não tem doutorado e nem é registrado na sua Ordem no Brasil, a OAB, ele foi contratado para monitor da disciplina de Letras Apagadas no departamento de Ciências Ocultas.
2° MÊS - JANEIRO

 

Veríssimo: deixa eu ver se entendi

O Moro condenou Lula a nove anos e pouco de reclusão. Os juízes da segunda instância concluíram que nove e pouco era pouco e aumentaram a pena para 12 anos e um mês. A razão de nove e pouco e a razão de 12 e um são desconhecidas. Imagina-se que exista uma tabela que determine a duração da pena de acordo com o crime. Neste caso, Moro e os juízes de Porto Alegre tinham tabelas diferentes. Ou a tabela mais branda do Moro estava vencida. Ou então a segunda instância quis provar que era mais dura do que o Moro e acrescentou três anos à condenação, por sua conta. Três anos, dirá você, não é muito. Isso porque não é você, desalmado, o preso, obrigado a tomar o sopão da Polícia Federal todos os dias.
Outra hipótese é que exista um certo ciúme do Moro entre os juízes, que querem aparecer mais do que ele, dando sentenças maiores. O fato é que os critérios para escolher quem pega nove anos e um pouco e 12 anos e um mês (esse um mês é sádico) ninguém sabe quais são. São aleatórios. (Ainda se usa “aleatório”?)
(...) Fhc trará objetos de decoração dos seus apartamentos em New York e Pais?
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Crônica do dia


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Isso aqui é cadeia, vagabundo! por Samuel Lourenço
- Ser conduzido até um espaço de privação de liberdade é saber que o rito de esculacho está só começando. A epígrafe, é um grito de alguns agentes já na recepção, a intenção é te fazer saber que a partir de agora, o jogo é outro. E o dono do apito também. Ao entrar na cadeia, o cidadão é destruído, para que o interno, o vagabundo, o bandido, o apenado ou o condenado surja, e com força, nada mais justo que afirmar: é desumano! Não tem esse treco de direitos  humanos. Tem é resoluções, portarias, decretos... E duras leis.
Com as mãos para trás e a cabeça baixa, você se apresenta diante do guarda. Olhar nos olhos é insubordinação: "tá querendo gravar minha cara? Que saber se me conhece de algum lugar!? Abaixa a cabeça, porra!" - diz o agente, às vezes a fala é sucedida por um tapão no pescoço, nesse caso, o abaixar a cabeça acontece mais rápido.
Não demora muito e algum preso colaborador tem a obrigação de cortar seu cabelo. Corte de cabelo, em geral, é compulsório. O nome já não existe, e o cabelo vai deixando de existir também. Dizem que é por questões sanitárias, outros dizem que é por questões de higiene, um ato de precaução diante de surtos eventuais de alguma moléstia. Para que o humano não adoeça a humanidade do sujeito vai sendo retirada, gradativamente. Sem falar no rito de visitação, que demora semanas para acontecer. Se o documento estiver em mãos, o cadastro é feito em certo prazo... E para aqueles cujos familiares não possuem documentações básicas ou moram longe. Bem, deixa pra lá.
Não há escolhas! Vai comer na hora que a comida chegar, e vai tomar banho somente na hora que a água for liberada. Não se trata da suspensão das vontades. É simplesmente a coerção do indivíduo em coisas mínimas. E se rolar uma vontade de ir ao banheiro na hora da contagem dos presos (confere numeral ou nominal)? Sejamos justos, tem guarda que conta a cela com o preso no banheiro, mas em geral vai aos gritos entrando na cela e exterminado a vontade do organismo. Quem fala que a merda não volta pro rabo, não sabe o que é ser surpreendido no confere enquanto está defecando.
As paredes cinzas, celas sujas, uma roupa padrão que acaba virando uniforme. Talvez te permitam usar bermudas, mas isso, só dentro da cela. Daí  passa a perceber que até aquela blusa com nome e número de candidato politico é mais colorida e bonita que qualquer coisa dentro da cela.
Os sorrisos, estão amarelados. Dizem que é o cigarro, outros dizem que é o café. Mas há a falta de tratamento, sorrisos que são destruídos por creolina utilizada como remédio, e no geral é dor mesmo, não dor de dente. Falo de dor que a cadeia provoca. Não há como manter um sorriso bonito no percurso da Execução Penal, seja ela provisória ou definitiva. Pois agora, já não restam culpados ou inocentes, estão todos condenados, ainda que estejam na fase inicial do processo criminal.
Quando o guarda grita: "isso aqui é cadeia!", ele não quer te mostrar a grade ou o cadeado, ele quer falar que o sujeito tá preso e que a cidadania está solta, na pista, e talvez na boca de um monte de gente que discursa por aí. Na prisão, a grade é um ínfimo detalhe. "Há muitos tons de cinza entre o branco e o preto", ouvi essa frase de um professor na cadeia (MMN), hoje compreendo melhor.
Talvez seja isso, projeta-se o crime e o criminoso, para que todas as violações possíveis se estabeleçam. Nesse caso, a tonalidade entre a justiça e a vingança tem vários tons.

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Vício secreto, por Moacyr Scliar




Depois de vários assaltos, ela decidiu que estava na hora de mudar de vida. De nada adianta, dizia, andar de carro de luxo e morar em palacete se isso serve apenas para atrair assaltantes. De modo que comprou um automóvel usado, mudou-se para um apartamento menor e até começou a evitar os restaurantes da moda.

Tudo isso resultou em inesperada economia e criou um problema: o que fazer com o dinheiro que ela já não gastava? Aplicar na Bolsa de Valores parecia-lhe uma solução temerária; não poucos tinham perdido muito dinheiro de uma hora para outra -quase como se fosse um assalto. Outras aplicações também não a atraíam. De modo que passou a comprar aquilo de que mais gostava: jóias. Sobretudo relógios caros. Multiplicavam-se os Bulgan, os Breitling, os Rolex. Já que o tempo tem de passar, dizia, quero vê-lo passar num relógio de luxo.
E aí veio a questão; onde usar todas essas jóias? Na rua, nem pensar. Em festas? Tanta gente desconhecida vai a festas, não seria impossível que ali também houvesse um assaltante, ou pelo menos alguém capaz de ser tentado a um roubo ao ter a visão de um Breitling. Sua paranóia cresceu, e lá pelas tantas desconfiava até de seus familiares. De modo que decidiu: só usa as jóias quando está absolutamente só.
Uma vez por semana tranca-se no quarto, abre o cofre, tira as jóias e as vai colocando: os colares, os anéis, os braceletes -os relógios, claro, os relógios. E admira-se longamente no espelho, murmurando: que tesouros eu tenho, que tesouros.
O que lhe dá muito prazer. Melhor: lhe dava muito prazer. Porque ultimamente há algo que a incomoda. É o olhar no rosto que vê no espelho. Há uma expressão naquele olhar, uma expressão de sinistra cobiça que não lhe agrada nada, nada.

Moacyr Jaime - Scliar - escritor com vasta produção literária. Sua obra é formada por contos, crônicas, ensaios, romances e literatura infanto juvenil. Também foi médico e professor. Nasceu em Porto Alegre - Rio Grande do Sul -1937/2011.