Che Guevara

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Che Guevara
O  "Dossiê GloboNews" apresentará uma entrevista com o jornalista Flávio Tavares, que conta suas histórias sobre Che Guevara, com quem teve contato durante um trabalho que resultou em belíssimas fotos. 

Na entrevista a Geneton Moraes Neto, Tavares lembra que, ao notar que seria fotografado à noite, sem flash, Che disse: 

"Vocês, brasileiros, fazem milagre com tudo". 

Essa e outras histórias, vocês poderão conferir neste sábado às 21h05, na GloboNews (saiba mais).

Pantufas

...do Dr. Palocci
O mercado atira em Mantega
 O ministro da Fazenda representa a continuidade, enquanto o pelotão espera pelo retorno à ortodoxia - Para tucanos e petistas, PSD de Kassab é cavalo de TroiaEdição 639

Entrevista

Ana Buarque de Hollanda
Ministra da Cultura

Andre Dusek/AE
Andre Dusek/AE
Em entrevista ao Estado, a ministra da Cultura Ana de Hollanda fala do conteúdo de sua conversa com o secretário de Comércio dos Estados Unidos, Gary Locke, durante a passagem de Obama pelo Brasil. “Eles estão preocupados com a flexibilização dos direitos autorais e de como isso pode levar a uma maior tolerância com a pirataria.” Ana respondeu ainda sobre questões referentes a reformas das leis do direito autoral e Rouanet. E deu sua opinião sobre o episódio Maria Bethânia, que teve autorização do MinC para arrecadar R$ 1,3 milhão que serão destinados à criação de um blog de poesia: “Fizeram uma tempestade em copo d”água”.
A senhora até agora falou pouco e ouviu muito. Está sendo um começo difícil?
Qualquer anúncio de mudança gera insegurança. Por mais que tentemos esclarecer que estamos estudando as questões, as pessoas querem respostas imediatas. Aí começam a sair versões do que poderia estar certo ou errado. Eu nunca tive uma situação como temos agora, de sentar para responder.
Qual foi sua primeira impressão ao ler o projeto de lei do ex-ministro Juca Ferreira, que pede mudanças na atual lei dos direitos autorais?
Aquela proposta me assustou um pouco. O direito do autor está previsto na Constituição, é uma cláusula pétrea. Ele tem que ser respeitado. Comentava-se muito no meio cultural que as mudanças estavam deixando o autor em uma situação frágil em vários aspectos.
Por exemplo?
Quando se falava das cópias de um livro, por exemplo. Se essa obra for editada sem autorização, pela lei vigente, a obra seria recolhida e o infrator pagaria uma multa de, se não me engano, o equivalente a 30 mil cópias. A proposta de reforma já falava em multa de até 30 mil livros. Ou seja, a multa poderia ser de um, dez ou 30 mil. São detalhes que deixam o detentor dos direitos em situação frágil.
As mudanças da lei propostas por Juca davam ao presidente da República poder para conceder os direitos de obras em casos especiais. A senhora já retirou esse poder do presidente e o repassou ao Judiciário. Qual é o limite da participação do Estado em questões ligadas aos direitos autorais?
Sinto ainda que existe uma interferência muito forte do Estado no projeto de lei e isso, de uma certa forma, vai infringir a Constituição. O direito de associação de artistas é permitido pela lei, é livre. Então o intervencionismo do Estado (na fiscalização do Ecad) é muito complicado. Mas entendo que é necessário haver, sim, uma transparência para os autores sobre seus rendimentos.
A senhora está dizendo que o Estado vai fiscalizar o Ecad?
Eles devem apresentar um balanço público (sobre o que arrecadam em direitos autorais).
O que a senhora discutiu com o secretário do comércio dos EUA, Gary Locke, durante a visita de Obama ao Brasil?
Ele estava muito preocupado com a questão da liberação dos direitos. De como a flexibilização no direito autoral pode acarretar mais tolerância com a pirataria. Isso não preocupa só os americanos, preocupa nossa indústria cinematográfica, editorial, fonográfica. Estão com medo de que essa produção seja fragilizada. É muito preocupante essa possibilidade de a gente liberar para o mundo nossa produção. Isso pode desestimular os artistas. Por que vão editar obras no Brasil se o Brasil não as protege?
Foi pensando assim que a senhora mandou retirar o selo do Creative Commons, que propõe maior liberdade nos licenciamentos de obras artísticas, do site do Ministério da Cultura?
Eu achei muito estranha a gritaria que esse caso criou. Aquele selo era uma propaganda dentro do site do MinC. Não existe a possibilidade de você fazer propaganda ali. A responsável agora sou eu e eu não podia permitir que isso continuasse.
A decisão da senhora então não foi ideológica?
Não, foi administrativa.
Então, ideologicamente, o que a senhora pensa dessa nova relação de direitos autorais proposta pelo Creative Commons?
A questão que me preocupa é que a concessão de direitos no Creative é irreversível. Há sempre um prazo para uso de direitos autorais. Eu posso ceder minha obra para tal uso por cinco, dez anos e depois eu posso reaver essa obra. Mas é bom dizer que essa decisão, de usar o Creative Commons, cabe unicamente ao autor.
Palavras da senhora no discurso de posse: “É importante democratizar tanto a produção quanto o consumo da cultura”. A reforma na lei dos direitos autorais e o Creative Commons são em tese democratizantes, no sentido de que garantiriam que a cultura chegaria a mais pessoas. Democratizar está sendo mais difícil do que a senhora imaginou?
A democratização é possível sempre, mas ela tem de prever também o pagamento àqueles que criam. Um autor de um livro que trabalha dez anos com pesquisa vive disso. O direito autoral é o salário dele.
A internet foi o paraíso para muita gente, já que o preço de um CD se tornou inacessível para muitos. Como fazer com que esse consumo continue sem prejuízo para os autores?
Essa é uma questão, sim, que tem de ser estudada nos próximos passos que vamos dar. Agora há pouco, vi um estudo no Canadá que sugere cobrança dos direitos de provedores. Estamos nesse impasse entre a proibição absoluta – que é quase impossível, já que as pessoas estão baixando – e uma liberação que não prevê o pagamento de direitos.
Maria Bethânia teve a aprovação do Ministério da Cultura para captar via Lei Rouanet R$ 1,3 milhão para criar um blog de poesia. Qual a opinião da senhora sobre isso?
Isso foi uma tempestade em copo d”água. Projetos assim são aprovados mensalmente. A lei, que tem também modificação pedida no Congresso, prevê essa possibilidade. Não cabe a mim analisar ou interferir em uma questão que é julgada por uma comissão, que antes passa por pareceristas que analisam os preços e se o projeto é cultural ou não. E o mérito não é de qualidade, mas se é cultural ou não é cultural. Se os preços foram aprovados, está ok.
Ninguém contesta que o projeto de Bethânia seja legal, mas esse dinheiro não deveria ser garantido a artistas com menos recursos?
Olha, isso tudo está sendo revisto nessa reforma da lei que está no Congresso. Queremos favorecer mais o Fundo Nacional de Cultura, que poderá facilitar essa divisão melhor e que atenderia aos produtores que normalmente não atraem o patrocínio das empresas privadas. As empresas querem associar seus nomes a artistas consagrados, faz parte das leis de mercado.
E assim os departamentos de marketing acabam definindo a política cultural do País.
Sim, isso. A atual Lei Rouanet tem esse viés, que era necessário ser equilibrado. Chega a ser perigosa porque quase que exclusivamente se faz atividade cultural no País através da Lei Rouanet. Passou a ser imperiosa. Quando falamos da necessidade da cultura ser autossustentável, vejo como a Lei Rouanet foi prejudicial. Qualquer evento que se faz começa a ficar um megaevento e a ter custos mais altos. E para os artistas se inserirem nisso, precisam ter o nome forte. Agora, uma atividade mais experimental, nova, que não estiver no gosto do mercado, vai ter uma difícil aceitação. A Lei Rouanet viciou o mercado a trabalhar só através dela.
A senhora, como cantora, tentou emplacar projetos pela Lei Rouanet?
Eu não. Bem, até vi em um jornal que houve um proponente de um projeto meu que não foi aprovado, também porque a Lei Rouanet tem uma série de trâmites complicados. Acho que isso foi no período em que eu estava com o projeto de um disco e aí depois consegui trabalhá-lo de outras formas. Foi um projeto para ser aprovado, era um disco meu, sim, que depois acabei fazendo.
O grande público, alheio a Creative Commons, Lei Rouanet, direitos autorais, percebe que entra e sai ministério e uma coisa não muda: cinema, shows e teatro são cada vez mais caros. Como se muda isso?
Mas aí você está falando dos grandes, né? A Cinemateca, por exemplo, tem um acervo fantástico que distribui filmes para os pontos de cultura (centros de cultura nas periferias), os cineclubes estão crescendo. Você está falando das grandes estrelas.
Foi da senhora ou do Planalto a decisão de desistir da contratação do sociólogo Emir Sader para a Casa Rui Barbosa? (Em entrevista, Emir se referiu à ministra como “meio autista”)?
Não, eu agi. Levei, conversei com o Palácio, sim, mas deixei claro que a decisão era minha, cabia a mim.
A senhora fala muito dos pontos de cultura, mas a situação deles é caótica, o dinheiro de alguns nunca chegou…
Já tive encontro com os representantes dos pontos. É assustador, porque são trabalhos em comunidades carentes. O princípio dos pontos é maravilhoso. O governo vai à comunidade e reconhece um trabalho cultural que já está sendo desenvolvido. Fazemos um trabalho para auxiliá-los, ajudamos a se equiparem melhor. Agora, alguns estão sem receber há algum tempo.
Não chegou o dinheiro de 2010.
Há outros que estão sem receber desde 2008. Alguns com problemas com documentação, mas há uma parte legal. E tem nosso orçamento que está bastante restrito, não só da Cultura, mas houve um corte grande.
Esse dinheiro chega este ano?
Já está sendo liberado. Vamos quitar com eles essa dívida.
Como a senhora, uma artista de formação e berço, chega para fazer política em Brasília?
Eu tive várias etapas da minha vida em que já passei por algumas experiências como esta. Estive envolvida na política pública em São Paulo.
Sim, mas Brasília é diferente. A senhora não sente dificuldades no jogo político?
Olha, em Osasco era um microcosmo disso, eu sentia lá também a pressão da sociedade, dos artistas, do executivo querendo fazer uma coisa mega. Eu sei que vou incomodar, você não pode atender a gregos e troianos. Agora, o fato de ser mulher ou ter um jeito delicado no falar não quer dizer que eu seja fraca ou insegura. Não sou nem um pouco insegura.
A senhora divide assuntos com seu irmão, Chico Buarque?
Eu acho que tudo o que ele não quer é que eu fique falando dos problemas do ministério (risos).
O Chico não queria que a senhora aceitasse o convite para ministra, certo?
Ele ficou assustado não por ele. Aliás, não só ele. Somos sete irmãos, todos ficaram assustados porque sabiam que o jogo era violento. E confesso que é mais violento do que eu imaginava. Porque esses movimentos organizados agiram com uma agressividade muito grande. E estão agindo ainda.
A senhora tem amigos na cúpula da música brasileira. Como ministra, está disposta a comprar briga com eles?
Eu acho que eles não vão brigar comigo, não. Como amigos, eu não os perco.
QUEM É ANA DE HOLLANDA
CANTORA E COMPOSITORA

Nascida em São Paulo, em 1948, estreou musicalmente em 1964, no palco do Teatro do Colégio Rio Branco, no show Primeira Audição, integrando o grupo vocal Chico Buarque e As Quatro Mais. Já lançou quatro discos.

Automóvel

Brasil produz mais que americanos pelo segundo ano seguido. 

Sem incluir comerciais leves, caminhões e ônibus, em 2010 as montadoras locais produziram 2,82 milhões de carros e as americanas, 2,73 milhões. 

Nesse segmento, o Brasil é o quinto maior produtor, atrás da China (13,8 milhões), Japão (8,3 milhões), Alemanha (5,5 milhões) e Coreia (3,86 milhões). 

Os EUA estão em sexto lugar e a Índia em sétimo (2,81 milhões). 

A produção mundial atingiu 58,2 milhões de automóveis, número que, somado aos veículos comerciais, totaliza 77,6 milhões de unidades, 25,7% a mais que em 2009.

Entre os dez maiores fabricantes, quatro cresceram acima do índice nacional. 
O México produziu 50% mais que em 2009, os EUA cresceram 35,4%, a Índia, 33,9% e a China, 32,4%. 
O Brasil cresceu 14,6%. A projeção para este ano é de alta de apenas 1%, para 3,68 milhões de veículos, o que abre grande chance de ser ultrapassado pela Índia, que deve manter seu ritmo acelerado.

Leite materno

A repórter Manuela Azenha esteve em Cuiabá, Mato Grosso, onde assistiu à defesa de tese da pesquisadora Danielly Palma. A ela coube pesquisar o impacto dos agrotóxicos em mães que estavam amamentando na cidade de Lucas do Rio Verde. A seguir, o relato:
Lucas do Rio Verde é um dos maiores produtores de grãos do Mato Grosso, estado vitrine do agronegócio no Brasil. Apesar de apresentar alto IDH (índice de desenvolvimento humano), a exposição de um morador a agrotóxicos no município durante um ano é de aproximadamente 136 litros por habitante, quase 45 vezes maior que a média nacional — de 3,66 litros.
Desde 2006, ano em que ocorreu um acidente por pulverização aérea que contaminou toda a cidade, Lucas do Rio Verde passou a fazer parte de um projeto de pesquisa coordenado pelo médico e doutor em toxicologia, Wanderlei Pignatti, em parceria com a Fiocruz. A pesquisa avaliou os resíduos de agrotóxicos em amostras de água de chuva, de poços artesianos, de sangue e urina humanos, de anfíbios, e do leite materno de 62 mães. A pesquisa referente às mães coube à mestranda da Universidade Federal do Mato Grosso, Danielly Palma.
A pesquisa revelou que 100% das amostras indicam a contaminação do leite por pelo menos um agrotóxico. Em todas as mães foram encontrados resíduos de DDE, um metabólico do DDT, agrotóxico proibido no Brasil há mais de dez anos. Dos resíduos encontrados, a maioria são organoclorados, substâncias de alta toxicidade, capacidade de dispersão e resistência tanto no ambiente quanto no corpo humano.
No dia seguinte à defesa de sua tese, Danielly concedeu uma entrevista ao Viomundo.
Viomundo – A sua pesquisa faz parte de um projeto maior?
Danielly Palma – Minha pesquisa foi um subprojeto de uma avaliação que foi realizada em Lucas do Rio Verde e eu fiquei responsável pelo indicador leite materno. Mas a pesquisa maior analisou o ar, água de chuva, sedimentos, água de poço artesiano, água superficial, sangue e urina humanos, alguns dados epidemológicos, má formação em anfíbios.
Viomundo – E essas pesquisas começaram quando e por que?
Danielly Palma – Começamos em 2007. A minha parte foi no ano passado, de fevereiro a junho. Lucas do Rio Verde foi escolhido porque é um dos grandes municípios produtores matogrossenses, tanto de soja quanto de milho e, consequentemente, também é um dos maiores consumidores de agrotóxicos. Em 2006, quando houve um acidente com um desses aviões que fazem pulverização aérea em Lucas, o professor Pignati, que foi o coordenador regional do projeto, foi chamado para fazer uma perícia no local junto com outros professores aqui da Universidade Federal do Mato Grosso. Então, começaram a entrar em contato com o pessoal e viram a necessidade de desenvolver projetos para ver a que nível estava a contaminação do ambiente e da população de Lucas.
Viomundo – E qual é o nível de contaminação em que a população de Lucas se encontra hoje? O que sua pesquisa aponta?
Danielly Palma – Quanto ao leite materno, 100% das amostras indicaram contaminação por pelo menos um tipo de substância. O DDE, que é um metabólico do DDT, esteve presente em 100%, mas isso indica uma exposição passada porque o DDT não é utilizada desde 1998, quando teve seu uso proibido. Mas 44% das amostras indicaram o beta-endossulfam, que é um isômero do agrotóxico endossulfam, ainda hoje utilizado. Ele teve seu uso cassado, mas até 2013 tem que ir diminuindo, que é quando a proibição será definitiva. É preocupante, porque é um organoclorado que ainda está sendo utilizado e está sendo excretado no leite materno.
Viomundo – Foram essas duas substâncias as registradas?
Danielly Palma – Não, tem mais. Foi o DDE em 100% das mães [que estão amamentando]; beta-endossulfam  em 44%; deltametrina, que é um piretróide, em 37%; o aldrin em 32%; o alpha-endossulfam, que é outro isômero do endossulfam, em 32%; alpha-HCH, em 18% das mães,  o DDT em 13%; trifularina, que é um herbicida, em 11%; o lindano, em 6%.

Viomundo – E o que essas susbstâncias podem causar no corpo humano?
Danielly Palma – Todas essas substâncias tem o potencial de causar má formação fetal, indução ao aborto, desregulamento do sistema endócrino — que é o sistema que controla todos os hormônios do corpo — então pode induzir a vários distúrbios. Podem causar câncer, também. Esses são os piores problemas.
Viomundo – Você disse que as mães foram expostas há mais de dez anos. As substâncias permanecem no corpo por muito tempo?
Danielly Palma – Permanecem. No caso dos organoclorados, de todas as substâncias analisadas, o endossulfam é o único que ainda está sendo utilizado. Desde 1998 os organoclorados foram proibidos, a pesquisa foi realizada em 2010, e a gente encontrou níveis que podem ser considerados altos. Mesmo tendo sido uma exposição passada, como as substâncias ficam muito tempo no corpo, esses sintomas podem vir a longo prazo.
Viomundo – Durante a sua defesa de mestrado, em que essa pesquisa foi apresentada, os membros da banca ressaltaram o quanto você sofreu para realizar a pesquisa. Quais foram as maiores dificuldades?
Danielly Palma – A minha maior dificuldade foi em relação à validação do método. Porque, quando você vai pesquisar agrotóxicos, tem de ter uma precisão muito grande. Como são dez substâncias com características diferentes, quando acertava a validação para uma, não dava certo para outra. Então, para ter um método com precisão suficiente para a gente confiar nos resultados, para todas as substâncias, foi um trabalho que exigiu muita força de vontade e tempo. Foi praticamente um ano só para validar o método.
Viomundo – Essas mães que foram contaminadas exercem ou exerceram que tipo de atividade? Como elas foram expostas ao agrotóxico?
Danielly Palma – Das 62 mulheres que eu entrevistei, apenas uma declarou ter contato direto com o agrotóxico. Ela é engenheira agrônoma e é responsável por um armazém de grãos. Três mães residem na zona rural, trabalhando como domésticas nas casas dos donos das fazendas. É difícil dizer que quem está longe da lavoura não está exposto em Lucas do Rio Verde, pela localização da cidade, com as lavouras ao redor. Mas a maioria das entrevistadas trabalha no comércio, são professoras do município, algumas donas de casa, mas não são expostas ocupacionalmente. A questão é o ambiente do município.

Viomundo – Mas a contaminação se dá pelo ar, pela alimentação?
Danielly Palma -  A alimentação é uma das principais vias de exposição. Mas, por se tratar de clorados, que já tiveram seu uso proibido, então eu posso dizer que o ambiente é o que está expondo, porque também se acumulam no ambiente. No caso da deltametrina e do endossulfam, que ainda são utilizados, o uso atual deles é que está causando a contaminação. Mas, nos usos passados [dos agrotóxicos agora proibidos], a causa provavelmente foi a exposição à alimentação — na época em que eram utilizados — e o próprio meio ambiente contaminado.

Viomundo – Quais são as principais propriedades dessas substâncias encontradas?
Danielly Palma – Os organoclorados têm em comum entre si os átomos de cloro na sua estrutura, o que dá uma grande toxicidade a eles. Eles têm alta capacidade de se armazenar na gordura, alta pressão no vapor e o tempo de meia-vida deles é muito longo, por isso que para se degradar demora muito tempo. São altamente persistentes no ambiente, tanto nos sedimentos, solo, corpo humano, e têm a capacidade de se dispersar. Tanto que no Ártico, onde eles nunca foram aplicados, são encontrados resíduos de organoclorados.
Viomundo – O professor Pignati comentou que a Secretaria da Saúde dificultou um pouco a pesquisa de vocês, mas que vocês fizeram questão da participação do governo. Por que?
Danielly Palma – Nós vimos a importância da participação deles porque, quando a exposição da população está num nível elevado e está tendo uma incidência maior de certas doenças, é lá na ponta que isso vai estourar, é no PSF (Programa Saúde da Família). Então, a gente queria que a Secretaria da Saúde acompanhasse para ver em que nível de exposição essa população está e para que  tome medidas. Para que recebam essas pessoas com algum problema de saúde e saibam diagnosticar, saibam de onde está vindo e o porquê de tantas incidências de doenças no município.
Viomundo – Se a maioria dessas substâncias não está mais sendo utilizada, o que pode ser feito daqui para frente para diminuir o impacto delas sobre o ambiente e a saúde?
Danielly Palma – Em relação a essas substâncias que não estão sendo mais utilizadas, infelizmente, não temos mais nada a fazer. Já foram lançadas no ambiente e nos organismos das pessoas. A gente pode parar e pensar no modelo de desenvolvimento que está sendo posto, com esse alto consumo de agrotóxico e devemos tomar cuidado com as substâncias que ainda estão sendo utilizadas para tentar evitar um mal maior.
Viomundo – Como que o agrotóxico pode afetar o bebê?
Danielly Palma – Esses agrotóxicos são lipofílicos e se acumulam no tecido gorduroso, então ficam no organismo e passam para o sangue da mãe. Através da placenta, como há troca de sangue entre mãe e feto, acabam atingindo o feto. E alguns tem a capacidade de passar a barreira da placenta e atingir o feto. Durante a lactação, o agrotóxico acaba sendo excretado pelo leite humano.
Viomundo – Então, mesmo que não amamente o filho, ele pode nascer com resíduo de agrotóxico?
Danielly Palma – Sim, isso se a contaminação da mãe for muito elevada.
Viomundo – Foi o caso nas mães [pesquisadas] de Lucas do Rio Verde?
Danielly Palma – Alguns níveis [encontrados] consideramos altos, até porque o leite humano deveria ser isento de todas essas substâncias. Deveria ser o alimento mais puro do mundo. E a gente vê que isso não ocorre, tanto nos meus resultados quanto em trabalhos realizados no mundo inteiro que evidenciaram essa contaminação. A criança acaba sendo afetada desde a vida uterina e depois na amamentação é mais uma quantidade de agrotóxicos que ela vai receber. Mas é sempre bom lembrar do risco-benefício do aleitamento materno. Nunca se deve incentivar a mãe a parar de amamentar porque seu leite está contaminado. As vantagens do aleitamento materno são muito maiores do que os riscos da carga contaminante que o leite pode vir a ter.
Viomundo – Quais os riscos dessa contaminação?

Danielly Palma
 – Os riscos saberemos somente com um acompanhamento a longo prazo dessas crianças. O que pode acontecer são problemas no desenvolvimento cognitivo e, dependendo da carga que o bebê receba desde a gestação, pode causar má formação, que pode só ser percebida mais tarde.
Viomundo – Esse acompanhamento dos efeitos dos agrotóxicos no corpo humano já foi feito ou ainda é uma coisa a fazer?
Danielly Palma – Quanto ao sistema endócrino, existem evidências. Estudos comprovaram a interferência dos agrotóxicos. Quanto a câncer, má formação e ações teratogênicas (anomalias e malformações ligadas a uma perturbação do desenvolvimento embrionário ou fetal),  estudos realizados em animais apontam para uma possivel ação dos agrotóxicos nesse sentido. Mas no ser humano não tem como você testar uma única substância. Quando fazem pesquisas, sempre são encontradas mais de uma substância no organismo e, portanto, não se sabe se é uma ação conjunta dessas substâncias que elevou aquele efeito ou se foi a ação de uma substância apenas.

Viomundo – Os resultados da pesquisa são alarmantes?
Danielly Palma – Foram alarmantes, mas ao mesmo tempo já esperávamos por esse resultado, até porque já tínhamos em mãos resultados da parte ambiental. Vimos que a exposição da população estava muito alta. Com o ambiente contaminado daquela forma, já era esperado encontrar a contaminação do leite, uma vez que o ambiente influencia na contaminação humana também.

Viomundo  – O que será feito com esses resultados?


Danielly Palma
 – Os resultados já foram encaminhados às mães e, no início do projeto, assumimos o compromisso de, no final, nos reunirmos com elas e explicarmos os resultados. Esperamos que as autoridades do município e de todas as regiões produtoras acordem para o modelo de desenvolvimento que eles estão adotando, porque não adianta ter um IDH alto, ter boa educação e sistema de saúde, se a qualidade de vida em termos de exposição ambiental é péssima.
Para ler  entrevista com o professor Wanderlei Pignati, que coordenou toda a pesquisa,clique aqui.
Para ler  entrevista com a professora Raquel Rigotto, que pesquisa o mesmo assunto no Cearáclique aqui.