Lápide - poema de Ariano Suassuna

Quando eu morrer, não soltem meu Cavalo
nas pedras do meu Pasto incendiado:
fustiguem-lhe seu Dorso alardeado,
com a Espora de ouro, até matá-lo.

Um dos meus filhos deve cavalgá-lo
numa Sela de couro esverdeado,
que arraste pelo Chão pedroso e pardo
chapas de Cobre, sinos e badalos.

Assim, com o Raio e o cobre percutido,
tropel de cascos, sangue do Castanho,
talvez se finja o som de Ouro fundido

Que, em vão – Sangue insensato e vagabundo —
tentei forjar, no meu Cantar estranho,
à tez da minha Fera e ao Sol do Mundo!

Aécio Neves, um desqualificado que não sabe lidar com as críticas

Criança mimada, quando exposta às asperezas da vida, sofre em dobro.

O mesmo vale para político mimado.

Até há pouco tempo, Aécio viveu no mundo superprotegido de Minas Gerais. Jamais foi exposto pela mídia local, dependente dos anúncios do governo, a embaraços e a enfrentamentos.

Isto o poupou de aborrecimentos, é certo. Mas o deixou absolutamente despreparado para lidar com outras coisas que não sejam tapinhas nas costas de repórteres.

O caso do aeroporto – o primeiro grande teste de Aécio como vidraça – é exemplar.

Ele vem mostrando não ter preparo nenhum para as adversidades jornalísticas. Nas vezes em que se pronunciou sobre o assunto, misturou nervosismo, arrogância e falta completa de convencimento.

Decretou, numa das ocasiões, que estava “tudo explicado”, como se coubesse a ele decidir isso. A melhor resposta a isso veio do colunista Elio Gaspari: “Explicação de Aécio não decola”.

E como poderia?

Sua melhor alegação é que o aeroporto pertence não a seu tio, mas ao Estado, pois a terra onde ele está foi desapropriada. (Em termos, porque a desapropriação está na justiça, num caso de litígio.)

Mas, se é um aeroporto de interesse público, como justificar que o acesso a ele só se dê se você, autorizado, pega a chave na fazenda?

É um aeroporto para poucos, muito poucos. Sintomaticamente, Aécio não respondeu, numa entrevista, se ele estava entre os poucos. Não disse se usou o aeroporto, o que na prática sabemos o que significa.

Em outro capítulo desastrado de sua louca cavalgada, ele atribuiu o vazamento ao PT. Aos velhos e conhecidos métodos do PT, segundo ele.

Será que ele imagina que, assim, vai transferir o ônus do escândalo para outras mãos que não as suas?

A vida fácil de neto de Tancredo poupou Aécio de dissabores como este com que ele lida agora.

Mas, ao virar personagem nacional, a mamata tinha mesmo que acabar. E o que se vê é uma criança mimada contrariada, pronta a culpar os outros pelas artes que comete.

Não é certa ainda a extensão dos danos do aeroporto para as pretensões presidenciais de Aécio.

Num mundo menos imperfeito, ele retiraria sua candidatura, sob o assédio da mídia e, mais ainda, da opinião pública.

Um homem que repetiu a palavra ética milhões de vezes, sobretudo para acusar seus adversários, não pode tropeçar, ou será visto como detentor de um descaro total.

Mas este aqui é o mundo que temos.

A mídia está fazendo o máximo para preservar Aécio: a mínima cobertura possível, tom quase dócil — o suficiente apenas para não passar vergonha.

Mas não há nada que ninguém possa fazer para poupar Aécio das dores excruciantes que um político mimado sofre ao lidar com dificuldades das quais foi sempre protegido.




Paulo Nogueira - jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.

A vitória da Palestina

Na visão do músico Gilad Atzmon

No discurso que fez à nação o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu reconheceu ontem que a guerra contra Gaza é uma batalha pela existência do Estado Judeu. Netanyahu está certo. E Israel não pode vencer essa batalha; não pode sequer definir que vitória poderia advir dessa batalha. Claro que a batalha não se trava pela posse dos túneis ou pela operação subterrânea da resistência: os túneis são armas da resistência, não são a resistência. Os militantes do Hamás e de Gaza atraíram Israel para uma zona de batalha na qual Israel jamais vencerá; e o Hamas impôs as condições, escolheu o campo e escreveu os termos que exige para concluir esse ciclo de violência.

Por dez dias, Netanyahu fez tudo que pôde para evitar a operação por terra, pelo exército de Israel. Ele sabia que Israel não conhece resposta militar à resistência palestina. Netanyahu sabia que uma derrota em solo erradicaria o pouco que resta do poder de contenção que o exército israelense ainda tem.

Há cinco dias, Israel – pelo menos aos olhos dos próprios apoiadores – estaria no comando da situação. Via seus cidadãos convertidos em alvos de fogo infinito de foguetes, mas ainda mostrava alguma moderação, só matando palestinos civis bem de longe, o que ajudava a preservar uma fantasia de força, de poder. Tudo isso mudou rapidamente, a partir do início da operação em terra lançada por Israel.

Agora, mais uma vez, Israel está envolvida em colossais crimes de guerra, crimes contra a humanidade, crimes contra população civil. E, pelo menos estrategicamente, seus comandos de elite da infantaria estão sendo dizimados nas batalha cara-a-cara em Gaza.

Apesar da clara superioridade tecnológica de Israel e do maior poder de fogo, os militantes palestinos estão derrotando Israel na guerra de solo. E já conseguiram levar a guerra para território israelense. E a chuva de foguetes sobre Telavive não dá sinais de arrefecer.

A derrota do exército de Israel em Gaza deixa sem qualquer esperança o Estado Judeu. A moral é simples. Se você insiste em viver em terra dos outros, a força militar é ingrediente essencial para impedir que os roubados lutem pelos próprios direitos.

O nível de baixas no exército israelense e as filas de soldados da elite israelense voltando para casa em caixões é mensagem muito clara para israelenses e palestinos: a superioridade militar de Israel é coisa do passado. Não há futuro para o Estado-Só-de-Judeus na Palestina. Se quiserem, que tentem noutro lugar.




[*] Gilad Atzmon (músico e escritor) nasceu em Israel em 1963 e estudou na Academia Rubin de Música, Jerusalém (Composição e Jazz). Multi-instrumentista, toca saxofones, clarinete e instrumentos de sopro étnicos .Seu álbum Exile foi o álbum de jazz BBC do ano em 2003. Ele foi descrito por John Lewis no The Guardian como “o mais hardest-gigging homem do jazz britânico”. Atzmon viaja extensivamente pelo mundo tocando em festivais, salas de concertos e clubes. Até 1994, foi produtor-arranjador de vários projetos de dança e rock israelenses, realizando na Europa e nos EUA a reprodução de música étnica, bem como rock e jazz. Anima seu blog com vários artigos políticos.
Tradução: Vila Vudu

Anedota com Suassuna

Quando Ariano foi convidado para ser Secretário de Cultura do Recife, o assessor de imprensa da prefeitura pediu-lhe um currículo para distribuir com os jornalistas e ser publicado no Diário Oficial do município.

- Não tenho currículo - respondeu Suassuna.

Impaciente, o assessor insistiu:

- Todo secretário tem que apresentar um currículo.

Aí Suassuna ficou irritado. E afirmou:

- Então anota aí: Ariano Suassuna, escritor brasileiro, razoavelmente conhecido no Exterior.


Anedota com Suassuna

- As coisas estão mudando muito. Já não reconheço algumas – comentou Suassuna com Leda Alves, sua amiga, quando exercia o cargo de pró-reitor comunitário da Universidade Federal de Pernambuco.

- O que foi que houve? Conte – pediu Leda.

- Me chamaram no Departamento de Pessoal. E a moça de lá foi logo me perguntando:

- “O senhor é do Qufupe, não é?
- “O que é isso, moça... Não sou homem disso não.” Mas aí ela veio com uma conversa ainda pior.
- “É porque o senhor tem duas dentro e não gozou”.
- “Moça, essa conversa está muito atrapalhada. Não é pra mim. Adeus”. E fui embora.

Ariano fingiu não saber que Qufupe era a abreviação de Quadro Único da Universidade Federal de Pernambuco. E que “duas dentro” significava duas licenças a que tinha direito, mas que não tirara ainda.



A peleja de Ariano contra o dono do céu, por Téta Barbosa

Poderia ser um romance, daria uma ótima minissérie, serviria até para o teatro: a história do homem que morreu e desmorreu duas vezes no mesmo dia.

Como isso aconteceu?

Não sei, só sei que foi assim.

É que Ariano Suassuna, que nunca foi apreciador da morte, aquela que chega sem ser chamada, morreu mesmo foi pelas mãos dos boatos da cidade-fofoca, que é coisa muito mais teatral e cênica do que morrer de morte morrida. Morreu e desmorreu, inclusive, na mesma hora. Pelo que tudo indica, o escritor engabelou a velha da capa preta e quando chegou à morada eterna deu meia volta porque ainda precisava acabar seu último e derradeiro poema: o romance criminal do disse-me-disse.

Teve quem jurasse que sim e marcasse até velório, teve quem dissesse que não, que muito pelo contrário, Ariano estava vivinho da Silva e só iria para o beleléu se Deus viesse, em pessoa, puxá-lo pelos cabelos da careca.

Que o Todo Poderoso estava precisando de escritores na mansão celeste, não há dúvidas, mas o mundo mítico do Sertão ainda não estava preparado para deixar seu mais célebre criador partir para o meio do oco da vida, assim, sem mais nem menos. Abraçamos-nos aos livros, respiramos as frases, agarramos as histórias pela raiz da saudade. Subimos, enfim, ao topo da pedra do reino para gritar #forçaAriano.

Era tarde demais, o segundo capítulo da narrativa já estava escrita e o genial escritor morreu, pela segunda vez, dessa vez de morte verdadeira, dessas que dá vontade de chorar um Capibaribe de lágrimas. O príncipe sertanejo da bandeira do divino subiu ao descanso eterno para encarar “aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho, porque tudo o que é vivo, morre.”

The grand finale, the end, my friend, que em francês quer dizer; vai em paz mestre.

Sobe som de Siba e a Fuloresta cantando, em nordestinês, sobre a morte:

“Bota a cara na janela

Entra sem ter permissão

Fazendo a subtração dos nomes da lista dela

Com risada amarela

È uma atriz enxerida, com presença garantida

No fim de toda novela”.

Sobem os créditos finais da novela cujo mocinho, um soldado do exército da cultura armorial popular, vestiu o paletó de madeira. Mas não sem antes lutar bravamente contra a americanização, a abestalhação global.

Só morreu, diga-se de passagem, porque Deus prometeu companhia a João Ubaldo e Rubem Alves.

- Ô promessa desgraçada, ô promessa sem jeito.

Assim acaba esse folheto; nosso padrinho embarcou na Nau Catarineta do eterno para navegar nas nuvens da memória do povo nordestino.

Boa viagem, professor. Obrigada por tudo.

Téta Barbosa - jornalista e publicitária.

Aécio Neves e sua "Bolsa Família"

Parasitismo estatal para si, liberalismo para os outros

por Luis Carlos da Silva, especial para o Viomundo

Em várias declarações já ouvimos Aécio dizer que os petistas não podem perder a presidência da República, dentre outros motivos, para não ver cair seu padrão de vida. Provocação barata que ocupa o espaço dos debates estruturais que deveriam presidir uma disputa eleitoral da magnitude desta que temos à frente.

Mas, entremos no clima por ele proposto.

Aécio, de fato, não precisa se preocupar com seu padrão de vida. Ganhando ou perdendo eleições. Aliás, nunca se preocupou. Descendente das oligarquias conservadoras mineiras, que foram geradas nas entranhas do Estado, desde o império, ele não tem a menor ideia do que seja empreender na iniciativa privada. Do que seja arriscar em negócios e disputas de mercado. Do que seja encarar uma falência, uma cobrança bancária, uma perda de patrimônio.

Pasmem: é esse o candidato que faz apologia do livre mercado, da iniciativa individual como base para a ascensão social e da ideia do “cada um por si” como critério de sobrevivência na selva do capitalismo contemporâneo.

Até sua carreira eleitoral tem como fato gerador a agonia terminal do avô, cuja morte “coincidiu” com o dia de Tiradentes . Seu primeiro cargo eletivo é tributário disso: em 1986 ele obteve mais de 200 mil votos para deputado federal sem lastro político próprio. Quatro anos mais tarde, distante do “fato gerador”, ele se reelegeu com magros 42.412 votos.

No quadro a seguir temos um diminuto resumo da versão de sua “bolsa família”.

Reitera-se: trata-se de um “diminuto resumo”. A história de seus avós paternos e maternos é a reprodução integral de como foram formadas as elites mineiras: indispensável vínculo estatal (cargos de confiança no Executivo, cartório e muita influência no Judiciário), formação de patrimônio fundiário à base da incorporação de terras devolutas e estreitas ligações com carreiras parlamentares.

O pai, Aécio Cunha, por exemplo, morava no Rio de Janeiro quando, em 1952 retorna a Belo Horizonte e, com 27 anos de idade, em 1954, “elegeu-se deputado estadual, pela região do Mucuri e do Médio Jequitinhonha, ainda que pouco conhecesse a região (…)” conforme descrição no Wikipédia. Seus oito mandatos parlamentares nasceram de sua ascendência oligarca. Do avô materno, Tancredo, dispensa-se maiores apresentações. Atípico sobrevivente de várias crises institucionais que levaram presidentes à morte, à deposição e ao exílio, Tancredo Neves sempre esteve na “crista da onda”. Nunca como empresário. Quase sempre como interlocutor confiável dos que quebravam a normalidade democrática.

Aécio Neves, por sua vez, era um bon vivant quando passa a secretariar o avô, governador de Minas Gerais, a partir de 1983. Nunca foi empresário, nunca prestou concurso público, nunca chefiou nenhum empreendimento privado. Sua famosa rádio “Arco Íris” foi um presente de José Sarney e Antônio Carlos Magalhães. Boa parte de seu patrimônio é herança familiar construída pelo que se relatou anteriormente. O caso do aeroporto do município mineiro de Cláudio é apenas mais uma ponta do iceberg.

Enfim, ele é isso: um produto estatal que prega liberalismo, competição, livre mercado… para os outros. Uma contradição em movimento. Herdeiro, portanto, de uma típica “bolsa família”; só que orientada para poucos.

Aliás, esse parasitismo estatal é característico da maior parte das elites brasileiras. Paradoxal é defenderem os valores neoliberais.

Luis Carlos da Silva é sociólogo e assessor do bloco Minas Sem Censura