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Carlos Augusto: micróbios na minha cruz

(a propósito da resenha publicada na Folha de São Paulo (Ilustrada) sobre PAGU: VIDA-OBRA, em 13/12/2014)

Queria agradecer a crônica sobre o meu livro PAGU: VIDA-OBRA que o Otavinho Frias, Diretor da Folha de São Paulo, estomagado com os meus reclamos pelo fato de a Folha ter publcado um poema meu sem minha autorizacão e sem me pagar direitos autorais, e por eu ter denunciado a parcialidade política do jornal contra a presidente Dilma nas últimas eleições, encomendou a Marcia Camargos, beletrista, autora do romance “Micróbios na Cruz” e co-autora, entre outros, dos livros “Yes, nós temos bananas: histórias e receitas com biomassa de banana verde” e “Monteiro Lobato: furacão na Botocúndia”, além de receptora de prêmios da Câmara Municipal de São Paulo e da Academia Paulista de Letras.

Os títulos falam por si mesmos. Vai direto para engordar o tolicionário do meu THE GENTLE ART OF MAKING ENEMIES. Piada pronta, apud Josephus Simmanus. Meu livro é tão ininteligível que serviu de roteiro ao longa de Norma Bengell e a várias outras pagusetes. Como a obtusa professora fala em Patrícia Galvão, sabotada durante 50 anos pela candidíase das cadeiras de letras da USP, a cujo corpo docente pertence, e sobre a qual ninguém sabia ou falava nada antes do meu livro, que é de 1982 (!!!), sinto-me no direito de incluí-la também na classe dos que Décio Pignatari chamava de “chupins desmemoriados“.

Aproveito para denunciar a perseguição que a Folha de São Paulo move contra mim, chegando a solicitar vários dos meus últimos livros às editoras e omitindo qualquer notícia sobre eles.

P.S. – O título do livro, adulterado e banalizado pela resenhista, com a cumplicidade da Ilustrada, não é PAGU, VIDA E OBRA, mas PAGU: VIDA-OBRA.


Cultuando o nada

por A. Capibaribe Neto

Interessante! Fui pesquisar o significado de "beleza" e lá estava: qualidade do belo, coisa muito agradável ou gostosa. "A festa foi uma beleza", mas pode ter sido de arromba; "que beleza este bolo!" Mas, o que é belo? Segundo o seu Aurélio, é aquilo que tem forma perfeita e proporções harmônicas, que é agradável aos sentidos, elevado, sublime, ameno, aprazível, sereno, e por aí vai. Voltando à "beleza" o vocábulo pode designar também, do ponto de vista da Física, o número quântico introduzido para caracterizar propriedades de certos tipos de partículas que contêm pelo menos um "bottom" e, por convenção, o "bottom" tem beleza. Na Maçonaria, significa uma das três colunas que sustentam uma loja (beleza, força e sabedoria). Já estupidez é a falta de inteligência, de discernimento. Vamos ao foco da abordagem do culto ao nada.

Cada um de nós tem uma percepção pessoal, diferente e especial do que seja beleza ou belo, mas beleza não é uma profissão. Pode até contar ponto na hora da escolha para uma determinada função, mas sempre precisa de qualidades acessórias para uma contratação isenta de intenções além do nível profissional, mas é preciso ter cuidado para não fazer constar dentre os requisitos exigidos para a contratação e que possa ser visto, legalmente, como forma de discriminar as mulheres ditas feias, porque aí vai dar confusão com direito a mídia. A bem da verdade, uma mulher feia inteligente é igual a uma mulher bonita inteligente; só que feia, digamos assim, o que não deixa de fazer uma diferença. Para que serve, por exemplo, uma mulher melão ou melancia, se nem orgânicas elas são? Repaginadas, enxertadas com isso e aquilo, saradas, adulteradas com mil produtos, elas não têm tempo de pensar, de estudar, de ler, de se informar porque precisam estar no noticiário. A Geisy Arruda, por exemplo, foi expulsa de uma Universidade, em São Bernardo do Campo, por estar usando um vestido cor de rosa, muito justo, muito curto, saiu escoltada pela polícia por uma porta e logo entrou pela porta do sucesso imediatamente. Hoje, Geisy Arruda é notícia quase diariamente. Não pode levantar uma perna, tossir, mostrar a calcinha que logo aparece na primeira página dos noticiários eletrônicos, principalmente depois de haver passado por uma reforma geral.

O Thor Batista, cuja profissão é rico decadente, afora isso, não passa de uma montanha de músculos exagerados que ele faz questão de inflar quando passa e manda "beijinho no ombro" para os invejosos dele. Dizem que quando ele leva uma mulher para o quarto, de preferência com espelhos nas paredes e no teto, ao invés de aproveitar a companhia da mocinha igualmente sarada e turbinada, ficam lá os dois apenas mostrando os peitorais, os bíceps, as panturrilhas, inchando feito um baiacu. A mocinha também mostra lá os seus peitorais, mas ele nem liga. Eles se amam, se cultuam, se admiram feito Adonis sem sexo. Literalmente! E logo dizem "vamos malhar"? Pois bem, são campeões de nada sem mais tempo para coisa nenhuma. E isso tem lá as suas consequências. Andressa Urach, por exemplo, já foi notícia pela beleza artificial dos arquitetos do corpo.

Turbinou tudo, e agora corre o risco de ser "demolida" ou até mesmo virar notícia triste. Esses campeões do NADA sincronizado, que se mostram através de cansativos selfies, ainda são moda; ainda há quem goste, quem admire, mas é aí que entra a estupidez e define muito bem a falta de discernimento só quando é tarde demais.




Para quem quer chutar o balde

São 6:50 da manhã, você abre os olhos e senta na cama, estático. Olha para frente e não consegue se mexer. Sua cabeça gira em loop, revisando cada um dos problemas que encontrará ao longo do dia. Entre um problema e outro é possível escutar o leve sufoco da mente. Será assim pelo resto da vida? Não existe uma forma de fugir disso?
Se você ama seu trabalho, adora sua profissão e acorda feliz e contente para enfrentar o dia, meus parabéns, este texto não é para você. Se acha que a vida é assim, basta aceitar e seguir passivo, também não tenho grandes novidades. Este é um guia para aqueles que sonham, que não se conformam e que buscam uma mudança na forma que vivem. É para os que escolheram outra coisa em detrimento ao padrão social.
Faço questão de reforçar a relação entre o texto e a forma que atuo em minha própria vida. Utilizo este trecho do Antifrágil, de Nassim Taleb, para representar minhas palavras:
“Em acordo com o ethos do praticante, a regra deste livro é a seguinte: eu como minha própria comida.
Eu apenas escrevo, em cada linha escrita ao longo da minha vida profissional, sobre coisas que fiz. E os riscos que recomendei que outros assumissem ou evitassem, eu mesmo tenho assumido e evitado. Eu serei o primeiro a ser ferido se estiver errado.[…] Não significa que a experiência pessoal de uma pessoa constitua em amostra suficiente para derivar uma conclusão sobre uma ideia; mas uma experiência pessoal gera um selo de autenticidade e sinceridade sobre uma opinião.”


Não existe forma simples e fácil de fazer isso. Mudar de vida e quebrar os padrões que estão estabelecidos faz tanto tempo exige mais do que força de vontade e determinação. É necessário dar um salto de fé. Meu mentor indireto, um personagem fictício chamado FAKEGRIMLOCK, diz em seu livro “The Book of Awesome”:
“Startup é olhar para uma janela e começar a construir asas. Visão é acreditar que as asas estarão prontas antes de chegar ao chão”
Você pode não se importar com todo discurso de empreendedorismo e toda essa loucura que é o mundo dasstartups, mas aqui nós utilizamos este conhecimento como ferramenta para sustentar o estilo de vida que buscamos. Não estou falando de montar uma empresa de um bilhão de dólares, o novo Facebook nem nada do tipo. Entender como o mecanismo de gerar receita funciona é necessário para que a gente possa acordar meio dia sem culpa, buscar os filhos na escola e não perder o exame de karatê da sua filha.
O que quero dizer é que dinheiro importa e antes de tomar qualquer atitude você precisa aprender a manuseá-lo.

Estude muito, sobre tudo

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Leia muito e aprenda tudo o que puder sobre trabalho autônomo, empreendedorismo e negócios. Aprenda como começar um pequeno negócio do zero, atuar como freelancer e manutenção de rede de contatos. Dependendo do caminho que pretende trilhar, esta será a melhor forma de se sustentar, então é melhor entender como fazer.
Considere o trabalho de estudo como sua graduação pra vida. Procure biografias de gente que se comporta como você e traçou caminhos similares. Entenda o básico necessário sobre investimento, fontes de renda paralela e marketing. Abra seu leque de conhecimento a ponto de se tornar uma empresa de uma pessoa só, sendo capaz de administrar – num nível básico – todos os seus problemas iniciais. Quando a administração se tornar difícil é porque já pode pagar alguém para fazer isso.
Seu objetivo no começo é meio contraintuitivo. Quando muitos buscam se especializar em algo, você está ampliando seu espectro para entender o básico de muitos assuntos, criando uma base para se aprofundar no que for necessário, quando for necessário.
Entenda que estudar não consiste em apenas ler textos sobre o assunto na internet, mas ler livros de referência. Se leitura não é um hábito, é preciso resolver isso bem rápido. Existe muito conhecimento bom escrito por aí, muita coisa que podemos aproveitar.
Absorva o que for útil, descarte o que não valer a pena.

Defina planos claros

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Planejamento é um dos passos mais negligenciados quando conversamos sobre mudar de vida. Normalmente ouvimos alguém questionar “Você vai sair do seu emprego?”, como se estivéssemos agindo por impulso, de qualquer jeito. Talvez fosse assim que eles agiriam, mas a gente não.
Para definir um bom plano é necessário quebrar o objetivo em pequenas peças que se mostrem alcançáveis. Digamos que você é um designer, mas agora quer se tornar psicólogo. O primeiro passo seria entrar numa universidade. O menor passo a ser tomado neste ponto é começar a estudar para um vestibular. É um longo caminho, mas que pode ser transformado em uma ação simples.
Este exemplo pode ser adotado qualquer que seja seu plano. Às vezes é bem difícil reduzir alguns cenários, mas toda ação que te aproxime da experiência de conviver diariamente com o que busca pode servir. É analista de sistemas e quer se formar em física? Estude um pouco de física e matemática diariamente, comece um blog sobre o assunto, onde articula as ideias que está aprendendo. Conheça pessoas que já estão no meio e vivem da forma que está buscando. Faça todas as perguntas que puder. Se passos graduais e constantes não forem acontecendo, pode ter certeza que o plano vai voar para dentro do armário novamente, se tornando apenas um sonho distante.
O que estamos fazendo por aqui se chama estratégia do halter. Você mantém sua atividade segura e com maior estabilidade enquanto desenvolve um projeto paralelamente. Este projeto normalmente começa menor, exigindo menos tempo e dedicação, mas que se concretizado traz um resultado positivo muito grande. Focando sempre em equilibrar o risco.
Entretanto, existe um ditado popular no mundo da luta: “você tem um plano até levar um soco na cara”.
Esteja preparado para mudanças bruscas. Seja por encontrar um caminho melhor ou por alguma falha ao longo da execução do plano primário. O plano B deve prever alguns possíveis acontecimentos e fornecer uma solução para isso. No meu caso, eu tinha um plano A, estudar empreendedorismo em outro país, montar um negócio e gerar receita a partir disso. O plano B consistia numa série de atividades que eu gosto de fazer e que são remuneráveis, que serviriam para me sustentar caso a empresa desse errado ou demorasse muito para ter retorno.
Além dos planos A e B, é importante ter um última alternativa, um plano Z.
Quando você está fugindo do navio, é interessante ter um bote inflável para navegar até seu destino. Se o bote furar, é imprescindível ter um colete salva-vidas.
O plano Z deve ser livre de estigmas. É quando o barco afundou e todos os recursos não deram certo. Normalmente este plano engloba voltar para casa dos pais, pedir abrigo na casa dum amigo, voltar para o emprego anterior ou até algo pior que seja capaz de pagar sua alimentação.
É um refúgio para arrumar fôlego para tentar novamente.
Meu plano final era buscar abrigo na casa de uma amigo, arrumar qualquer emprego que pudesse bancar minha alimentação e ir escalando novamente até ter um bom salário, juntar mais uma grana e arriscar de novo. Lembre-se, nada é pessoal, se não deu certo a gente tenta de novo.

Arredonde as finanças

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Antes de entrar na sala do seu chefe e encher a boca para dizer “Eu quero pedir demissão”, é extremamente importante organizar suas finanças.
Respirar fundo e vencer aquele medo de abrir o site do banco, somar tudo o que existe de prestação do cartão de crédito, empréstimos, financiamentos e dívidas gerais. Coloque suas dívidas no papel e encare-as com coragem. Pense como viveria com metade do que você ganha no momento, ou até menos, tendo que sustentar prestações mensais. Chutar o balde sem ter suas dívidas quitadas vai inevitavelmente transformá-lo num mal pagador, em breve seu nome estará sujo na praça e seu crédito comprometido. Comece a organizar tudo e trabalhar com foco em zerar estas contas.
Entre em casa e faça uma lista de absolutamente tudo o que consome recurso mas é subutilizado. Normalmente, um serviço que você poderia viver sem, mas por alguma forma de luxo mantém funcionando. O maior exemplo disso é a TV a Cabo. Quando me preparei para largar o emprego, pagava quase 200 reais mensais em TV a cabo, por semana eu consumia menos de 1 hora do serviço. É um dinheiro que vai para o ralo, pagamos apenas porque já está ali. Este é apenas um exemplo, cada pessoa possui necessidades diferentes e utiliza serviços que podem ou não ser vitais para sua qualidade de vida. Queremos apenas identificar o que consome recurso com pouco ou quase nenhum retorno real, eliminando tudo o que for possível.
O mesmo serve para coisas fora de casa. Sua academia custa caro, mas você usa tudo o que é fornecido? Poderia optar por uma academia mais barata e que seja mais fiel ao que você precisa? Observe tudo o que for luxo desnecessário e elimine da sua rotina. O mesmo vale para comer fora, restaurantes caros, cinema, etc. O que puder poupar para zerar toda e qualquer dívida existente, vale a pena.
Calma, sua vida não será este inferno limitado para sempre, lembre-se do propósito maior. Com menos gastos sobra mais dinheiro. Você começa a adiantar prestações, pagar tudo o que deve ser pago e em poucos meses o dinheiro que iria para estes serviços está livre na sua mão. Agora você pode colocar tudo numa poupança e guardar o que conseguir. Pense que está apenas ajustando as coisas, você voltará a desfrutar dos prazeres da vida no futuro, fique tranquilo.
Neste processo é importante vender tudo o que não for essencial, tudo o que estiver ocupando espaço sem utilização. Recolha aquele videogame que não liga faz um ano, aqueles 5 relógios que você nem lembrava que tinha, jogos e DVDs, aquela bicicleta ergométrica que já virou cabide faz tempo. Se livre de tudo isso, mesmo dando pouco dinheiro, é um reforço a mais que vai para sua poupança.
Pense sempre que você só está ajustando o cenário para descobrir quanto realmente precisa por mês para viver. Este é um trabalho chato e muitas vezes traumático, mas entender quanto dinheiro precisará levantar mensalmente vai ajudar na organização dos planos. A boa notícia é que ao estourar a bolha social descobrimos que precisamos de bem menos – coisas e dinheiro – do que achávamos antes.

Converse com todo mundo

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A menos que você viva numa bolha isolada, sua decisão de chutar o balde não afeta apenas sua vida. Existem pessoas que, pelo convívio, esperam algo de você e podem ser afetadas por essa decisão. A vida com sua namorada vai mudar bastante, já que a grana será temporariamente mais curta e contada. Se possui filhos ou é casado, essa é uma conversa para se ter com todos da casa, tentando ajustar os planos para que todos entendam que a busca é por uma tranquilidade maior, um estilo de vida que promove felicidade em detrimento do dinheiro. Tudo nessa vida é conversável, mas abordar algo assim exige tato e sensibilidade. Mudar o padrão assusta bastante.
Depois de informar os mais próximos que está planejando dar uma guinada na vida e começar o planejamento das coisas, converse com seus amigos. No meu caso, amigos foram uma firme base para dar um passo tão difícil. Explique exatamente suas motivações e planos, deixe claro que tudo pode dar errado e que a ajuda deles será imprescindível. Abra o jogo e pergunte se pode contar com eles. Você vai se surpreender com o tamanho do apoio que pode receber dos amigos. Hoje sei, por mais que tudo dê errado e eu não tenha dinheiro para nada, eu terei um teto para morar e estrutura para reconstruir a vida novamente.
Evite fazer tudo às cegas, preparar pessoas que podem ajudar não apenas evita surpresas futuras, mas ativa o radar de oportunidade. Seus amigos agora estão atentos para oportunidades que apontem na direção que você você está apontando. Seus amigos só querem te ver bem, certamente envolve-los é a melhor decisão.

Defina uma rotina

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Venho falando exaustivamente sobre isso, mas neste tópico a rotina tem um papel fundamental. Sem um trabalho formal é extremamente difícil coordenar uma rotina. Temos o dia inteiro por nossa conta e as coisas vão acontecer na medida que formos agindo. Essa falsa sensação de flexibilidade é uma fácil promotora da procrastinação. A Lei de Parkinson sempre se mostra certa quando temos muito tempo em nossas mãos.
“A quantidade de tempo que uma pessoa tem para desempenhar uma tarefa é o tempo que será utilizado para completar a tarefa.” – Lei de Parkinson
É preciso ter consciência da nossa incapacidade de agir deliberadamente quando podemos escolher entre uma situação confortável ou uma atividade que exige alguma mudança de energia e concentração. É disso que muitas vezes surge a preguiça. Alterar nossos níveis de energia para entrar numa frequência diferente.
Defina padrões claros. Saiba a melhor hora para dormir e tenha um horário fixo para acordar. Mesmo que seja alguém que trabalhe melhor pela noite, organize sua rotina para que sempre consiga criar um fluxo de atividades, se esforçando cada vez menos para executar suas tarefas. Acredite, se você não estabelecer um padrão logo de inicio, vai ser muito difícil realizar qualquer atividade que precise se repetir por muito tempo.

Saúde conta mais do que você acredita

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É muito comum forçarmos todo nosso empenho em produzir cada vez mais e melhor. Até mesmo quando deixamos um trabalho que consideramos exaustivo para fazer algo que nos dá prazer, acabamos nos afogando em mais trabalho. As barreiras que muitas vezes existem quando trabalhamos numa empresa com outras pessoas deixam de existir, agora você pode fazer tudo o que quer, como achar melhor. Essa pilha pode nos deixar negligentes com a base do nosso negócio, nós mesmos.
Dedicar um horário religioso para manutenção da saúde vai evitar que você desenvolva o que chamamos desíndrome de burnout. Sua rotina deve garantir que diariamente se exercite, coma direito e tenha um período de diversão não produtiva.
É vital lembrar o motivo de toda mudança, reforçando que isso tudo parte de você, por você. Minha rotina normalmente começa indo para academia pela manhã, depois cozinhando o almoço e termina a noite assistindo algum seriado, filme ou jogando videogame. É interessante lembrar que você não precisa fingir que produz, então seu tempo realmente trabalhando acaba sendo bem reduzido, abrindo espaço para leitura e outras atividades.
Saúde física e mental formam parte da base que toda pessoa deve ter antes mesmo de tentar mudar o rumo das coisas. Quando trazemos a responsabilidade das coisas para nós, nossa saúde representa a diferença entre ter dinheiro ou não ao fim do mês. Ficar uma semana gripado sem conseguir fazer nada tem um impacto muito maior do que faltar no trabalho e entregar um atestado. Equilíbrio é uma palavra muito importante.

Vai ser difícil e provavelmente vai dar errado

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Algo que ninguém gosta de falar, que os livros que promovem mudanças no estilo de vida omitem, mas quem já entrou na dança sabe muito bem: tudo vai dar errado e é mais difícil do que parece para quem vê de fora.
É mais do que necessário acostumar-se com o gosto da derrota. Ninguém pode dizer que o plano dará certo, muito menos garantir algum tipo de sucesso. Se alguém está te dizendo o oposto, pode ter certeza que está vendendo algum produto e quer que você morda a isca.
O que parece um caminho planejado e trilhado vai apresentar problemas inimagináveis, que nem o mais minucioso planejamento conseguirá prever. Cada vida é uma vida. Você pode estar com as finanças em dia, projeto paralelo começando a engatar, pronto para virar a chave, quando sua filha fica doente, precisando gastar uma fortuna em tratamento. Ou algum acordo que estava prestes a fechar acaba não acontecendo. Só este ano tive mais de 20 situações incríveis, prestes a fechar e que acabaram não rolando.
Acostume-se, faz parte.
Sonhar é bom, mas é preciso manter nossas expectativas mais próximas do real. Nunca sabemos quais variáveis irão influenciar no andar das coisas. Fosse fácil, todos fariam.
É minha responsabilidade deixar esta mensagem bem clara para vocês. Não podemos garantir que vai funcionar. O segredo consiste em não desistir até que eventualmente funciona. Por isso tenha um levantamento de tudo o que deu errado, entenda o erro, aprenda e siga.
Todos os passos apresentados são o mínimo necessário para começar sua mudança. Estes são pontos complexos, mas inevitáveis para qualquer transformação significativa. O risco, por incrível que pareça, apenas aumenta nosso esforço em direção a qualquer resultado positivo. Colocar a pele em jogo é um motivador importante para sairmos do lugar e agir sem nos preocupar demais com opiniões alheias, ego e outras besteiras que nos afetam quando estamos confortáveis em nossa regular estabilidade. Não existe inovação, mudança ou progresso sem fatores estressores, precisamos destes estímulos para seguir em frente.
Quando a água bate na bunda, nosso instinto é sair do lugar.
Se você já fez algo parecido e gostaria de compartilhar sua experiência, junte-se a nós na caixa de comentários. Sua experiência pode minimizar os erros de outras pessoas.


por Alberto Brandão

Papo de homem

Às 5 horas da manhã, enquanto boa parte dos moradores do Rio de Janeiro ainda não deu por encerrada a noite anterior, a vida de José Queiroz já está a pleno vapor. Hoje um senhor de 66 anos e pai orgulhoso de 9 filhos, Queiroz começa seu expediente antes do sol raiar desde que trocou, aos 13 anos, os laranjais de Nova Iguaçu pelo Hipodrómo da Gávea – área de 650 mil metros quadrados à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas e entre cartões postais como o Cristo Redentor e o Morro Dois Irmãos.
Com 46 kg distribuídos por uma altura de 1,62 metro, o inquieto senhor é um retrato vivo da história do turfe no Brasil. Parou de estudar na quarta série e foi ajudante, jóquei, dono de cavalos e, como morador da cocheira número 5 da Vila Hípica da Lagoa, hoje ocupa a função de treinador. Outra maneira de descrevê-lo é dizer que Queiroz é, extra oficialmente, o maior contador de histórias do Jockey Clube Brasileiro. Com fala rápida e olhar sagaz, distribui, a cada 5 ou 10 minutos, causos e pérolas de sabedoria.
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Para além das 1600 vitórias que a memória insiste em não registrar com números exatos, Queiroz coleciona as lembranças de um passado que mistura as próprias histórias, as do turfe e aquelas de um Brasil do qual muita gente só ouviu falar.
Passar uma manhã com o ex-jóquei é um convite a saber como ele conquistou sua primeira vitória, em janeiro de 1967, mas também ouvi-lo falar sobre as cinco esposas e outros amores que teve. Enquanto descobria que ele sofreu 15 ou 16 fraturas em seus dias de competição, soube também detalhes sobre a época em que o jóquei morava na Zona Sul, desfilava de carrão e fazia ginástica na mesma academia em que o eventual companheiro de bar Tom Jobim. Assim como não se esquece dos finais de semana em que era convidado para a fazenda do General Figueiredo – um notório admirador de cavalos –, Queiroz também faz questão de contar que sua última vitória em corrida longa, de 3500 metros, foi conquistada em cima de Jorge Ricardo – brasileiro que se tornou recordista mundial do esporte ao alcançar a marca de 12 mil vitórias  (link para post anterior). Foi de tudo, menos tímido. Como figurante, fez pontas nos filmes a Hora Marcada, com Gracindo Júnior, e na pornochanchada Giselle – homenagem brasileira ao clássico Emanuelle gravada em parte no Hipódromo da Gávea.
“Me aposentei das pistas por que fui enjoando. Eu semprei fui gastador, investi nos meus filhos e nas minhas vontades. Assim vivi minha vida inteira. O homem tenta fazer grandiosas coisas da vida, mas não se dá conta que a vida é feita de pequenas coisas”.
Às 5 da manhã, Queiroz já está pronto para montar.
Às 5 da manhã, Queiroz já está pronto para montar.
Aos 66 anos, J. Queiroz ainda conserva o físico dos jóqueis.
Aos 66 anos, J. Queiroz ainda conserva o físico dos jóqueis.

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Quando falamos de carnaval, é comum pensar nos barracões abarrotados e milhares de pessoas trabalhando para aprontar as fantasias e a farra do próximo ano. Quando pensamos em futebol, estamos cansados de saber dos sonhos de milhares de garotos que tentam, todos os anos, se profissionalizar. Mas quando falamos em turfe, é comum que o dinheiro das apostas ou o glamour dos chapéus esvoaçantes dos Grandes Prêmios nos façam esquecer que aquela também é só a pontinha de algo bem maior: existe uma multidão de anônimos, de carne e osso e muitas vezes invisíveis, que constrói os alicerces de qualquer indústria.
É interessante perceber que, por trás de cifras astrônomicas como o 1 bilhão de reais que o turfe movimenta todos os anos no Brasil ou o R$ 1 milhão de premiação que o GP Brasil de entregou em 2013, milhares de pessoas vivem e acordam todos os dias para, por exemplo, tratar e treinar os animais que brilham nas pistas aos finais de semana. Foram essas as pessoas que tentei captar em fotos e conversas durante um final de semana de incursão do PapodeHomem pelo Jockey Club do Rio.

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Morro Dois Irmãos, Avante Solo e Telmo. Cartões postais do Rio se espalham ao lado do Jockey
O cavalariço Telmo da Silva Peçanha foi quem me deu a primeira barbada no meu final de semana de turfe. No primeiro páreo daquele sábado, o castanho Avante Solo, cria sua e do irmão que faz as vezes de treinador no Haras Bela Vista, de Teresópolis, era um dos favoritos: vinha da segunda colocação na última prova que disputara.
Aos 49 anos, Telmo trabalha com cavalos desde que se entende por gente – entrou nessa por conta de um cunhado que trouxe a paixão do Sul do País. “O cavalariço é quem tem menos valor, mas é quem vive mais com o cavalo: no final de semana de prova, a gente fica 48 horas com o bicho. Isso aqui é uma responsabilidade danada. Se o cavalo tossir, o patrão tem que saber – acho que por menos de R$ 15 mil ele não vende esse aqui. O jóquei mesmo só vem para montar e pronto”.
Para a sorte das minhas economias, naquele final de semana o Avante Solo não tossiu: faturou o primeiro lugar.

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Dos 45 anos que já viveu, o ferrador Falcão passou 22 orbitando em torno do Jockey Club do Rio. Baiano de nascimento, fez do ofício que aprendeu com um chileno chamado Miguel o negócio da família. Três dos seus irmãos já trabalharam como ferreiros nas cocheiras que circundam o Jockey, e agora é a vez da próxima geração: seis sobrinhos e seu filho, de 20 anos, aderiram à profissão. “É um serviço pesado, mas é um bom emprego. A gente só leva uma mordidinhas e uns puxões de vez em quando”. Quando chega a hora do descanso, os cavalos também têm vez. “Sempre que estou em casa ligo a televisão no canal turfe”.

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Aos 19 anos de idade e com apenas seis meses de Rio de Janeiro, o alagoano Josivaldo Alves Clemente conta os dias para voltar para a cidade que deixou para trás – Delmiro Gouvêa, município que faz fronteira com Bahia, Pernambuco e Sergipe ao mesmo tempo. A mulher, três anos mais velha, mandou avisar que os empregos com carteira assinada voltaram a aparecer naquele canto do sertão. É hora de matar a saudade, juntar os panos e pensar em filhos.
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Acostumado a quebrar pedras na cidade natal, veio para o Sudeste a convite do primo Clécio – que também trabalha e dorme em uma das cocheiras do Jockey Club Brasileiro. “Tinha medo de cavalo, vim por que estava precisando. Se eles fossem brabos eu voltava no mesmo dia, mas o Queiroz quem me ensinou tudinho”.

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Aos 37 anos e com alguns quilos a mais, Marquinhos passa pela transição que há entre deixar de ser jóquei – começou em 1993 – e assumir o papel de treinador. Divide as cocheiras com Queiroz, e aparece pontualmente antes do sol nascer.

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Assim como Queiroz, José Machado começou no turfe em 1963 – com um empate no número de vitórias, os dois chegaram até a dividir o posto de campeão de estatísticas do Jockey Clube Brasileiro em 1968. Embora tenha parado de competir apenas em 1994, Machado é instrutor da Escola de Profissionais do Turfe, instituição sediada no Hipódromo da Gávea, desde 1986.
Na parede: Machado e Queiroz em fotografia que lembra os campeões de estatística de 1968.
Na parede: Machado e Queiroz em fotografia que lembra os campeões de estatística de 1968.
Todos os dias pela manhã, ensina meninos e meninas entre 16 e 18 anos – a maioria mora na escola – a alinhar o passo do cavalo, trotar e galopar. As aulas são gratuitas, a primeira parte do processo leva entre 6 meses e 1 ano e um novato só deixa de envergar a farda amarela de aprendiz depois de conquistar 70 vitórias nas raias. “Ensinar depende muito do garoto. É igual andar de bicicleta, uns vão mais rápido, outros não. São uns cinco anos montando para ter uma boa base, mas só o tempo é que mostra se um jóquei é bom: depende da qualidade da montaria, da aceitação do público e de ter estrela também”.
Os páreos do Jockey são dominados por alunos e ex-alunos de Machado.
Os páreos do Jockey são dominados por alunos e ex-alunos de Machado.
As espinhas não negam: quanto mais novo um jóquei começar, melhor
Um dos seus alunos mais recentes tem sobrenome de campeão, e mostra que a paixão por cavalos é mesmo coisa de família. Felipe Galvão de Queiroz, penúltimo filho homem de Queiroz, conquistou 12 vitórias nos dois meses em que competiu antes de se machucar – está com 18 anos, tem 1,64 e faz regime para ficar com 49 quilos. Começou “tarde”, mas deve ser o único a levar o legado do pai para as pistas. O mais novo, Rafael, sabe tudo de turfe, mas já encerrou a carreira antes mesmo de começar: com 12 anos já calça 41, sinal de que vem gente grande por aí.
No lombo do cavalo, o turfe é implacável. Ali em cima, só é permitido crescer como pessoa.

Mecenas: Jockey Rio

Quer conhecer e acompanhar mais sobre Turfe?
O PapodeHomem e o Jockey Rio encerram hoje uma série de 3 textos sobre o esporte que movimenta apaixonados por competição em todo o mundo nesse canal especial.
Junte-se aos que já tiveram uma nova experiência em apostas online! Conheça agora o novo site de apostas JockeyRio.com.br.

por Ismael dos Anjos

Alex Castro: O que é Ideologia

A questão não é se meu colega de casa está certo ou errado, se FGTS é bom ou ruim, se as leis trabalhistas engessam ou não a economia. A questão é a ideologia que fundamenta e embasa nossa interpretação da realidade.

Esse menino do Kansas, nascido e criado no coração dos Estados Unidos, mesmo quando demitido de um emprego onde não tinha nenhum direito trabalhista, ainda assim vê, pensa, percebe, reflete, entende o mundo… do ponto de vista das classes empregadoras. Sua primeira reação foi se colocar não em seu próprio lugar (“poxa, se eu morasse num país como o Brasil, pelo menos ganharia um dinheirinho agora…”) mas no lugar do chefe que tinha acabado de despedi-lo.

Passo boa parte do meu tempo tentando fazer pessoas privilegiadas (homens, pessoas brancas, hétero, cis, classe média, etc) se identificarem com as desprivilegiadas (mulheres, negras, gays, trans*, etc). É uma tarefa muito, muito difícil.

Uma ideologia como a norte-americana, que consegue quebrar nossa tendência natural de puxar a sardinha para o nosso lado, só podia mesmo ser uma das mais bem-sucedidas do mundo.

Pena que, em vez de fazer as pessoas ricas se identificarem com as pobres, faz as pobres se identificarem com as ricas.

Nesse ponto, algumas pessoas leitoras, admiradoras da ideologia norte-americana, talvez estejam reclamando da ideologia esquerdista do meu texto.




Mas é impossível um texto não ter ideologia ou não estar totalmente imerso na ideologia da pessoa que o escreveu e da sociedade que a produziu. Quando você tem a ilusão de ler um texto que não é ideológico, isso simplesmente quer dizer que o texto tem a mesma ideologia que você: logo, que a ideologia do texto é invisível.

A pessoa que reclama de não aguentar mais “tanta ideologia” não é uma livre-pensadora, descompromissada e apolítica tentando formar suas próprias opiniões, mas sim uma pessoa mentalmente preguiçosa e de cabeça fechada, que só gosta de se expor às opiniões com as quais já concorda e que se sente extremamente incomodada quando exposta à opiniões diferentes.

Existem muitas ideologias. A ideologia desse meu texto, de achar que ideologia está em todo lugar, é uma delas.

A ideologia de se achar sem ideologia, por outro lado, é uma das ideologias mais disseminadas em nossa sociedade, especialmente entre as pessoas bem-nascidas de inclinação conservadora, que fazem desabafos como:

“Sou apenas um indivíduo livre, não tenho raça, não sou afiliado a partido, não tenho ideologia, não me meto em política! Quero só ficar aqui quietinho no meu canto, trabalhando duro, cuidando da minha família, viajando, curtindo meus livros, sendo feliz!”

Certo ou errado, o problema de quem fala essas coisas é não perceber a sua própria ideologia.

Ideologia é como espinafre no dente: a gente só vê o dos outros.

* * *

Ideologia é o conjunto de ideias, saberes, preconceitos, etc, que permite que as pessoas se relacionem com e façam sentido da realidade: são as lentes através das quais percebemos o mundo. Por isso, ideologia não é algo necessariamente ruim, e muito menos algo oposto à “verdade”. Não existe essa tal “verdade a-ideológica”: qualquer verdade será sempre apreendida através da ideologia de quem a vê.

Uma das definições mais famosas de ideologia é do filósofo francês Louis Althusser, escrevendo em 1970: a relação imaginária dos indivíduos com suas condições reais de existência, gerando assim uma representação distorcida da realidade.

A definição de Althusser, porém, dá a entender que a “representação distorcida da realidade” seria resultado de vermos o mundo através de uma ideologia falsa ou falha: se apenas tivéssemos escolhido a ideologia correta, então perceberíamos a realidade de forma não-distorcida.

Mas, considerando que nossos sentidos e nossa cognição são inerentemente falhos e limitados, todas as representações da realidade apreendidas através deles serão sempre, por definição, distorcidas.

Não temos a capacidade de perceber a realidade de forma não-distorcida.

(Pensem em quão ególatra seria alguém capaz de bater no próprio peito e se auto-afirmar ser “a pessoa que vê o mundo como ele realmente é”, “a pessoa que enxerga todas as coisas como elas verdadeiramente são.”)

Uma definição de ideologia mais neutra, que não presume que ideologia seja algo negativo ou falso, é a da historiadora norte-americana Barbara Fields, em 2012:

“A ideologia é melhor compreendida como um vocabulário descrito da vida cotidiana, necessário para que as pessoas possam conferir um sentido básico à realidade social, vivida e criada por elas a cada dia. É a linguagem da consciência que possibilita a relação específica entre pessoas. É a interpretação em pensamento das relações sociais através da qual elas constantemente produzem e reproduzem o seu ser coletivo em todas as suas mais diversas formas: família, clã, tribo, nação, classe, partido, empreendimento, igreja, exército, associação, etc. Deste modo, as ideologias não são ilusões, mas sim reais, tão reais quanto as relações sociais pelas quais elas se mantém.”

* * *

Meu colega de casa não passou nem duas semanas ocioso e logo foi contratado por outro restaurante, também um dos melhores da cidade e com as mesmas e sofríveis condições de trabalho.

Segundo a ideologia dele, tudo aconteceu tão rápido porque, em uma economia de mercado sem tantas regulamentações trabalhistas, é muito mais fácil e descomplicado contratar.

Segundo a minha ideologia, foi uma combinação de sorte e talento.

A gente não enxerga o que quer, enxerga o que pode. Inclusive eu. Inclusive você.



Ebook da semana


Rainha dos Corações Congelados
por Rebeca S.
Você estaria disposto a pagar o preço, seja ele qual for, para se livrar da dor que consome seu peito?
Um coração despedaçado, uma alma ferida, um espírito vazio... Seja qual for sua angústia, ela pode fazê-la desaparecer. Por completo. Para sempre.
"Um romance sem amor... Seria isso possível?"

Agamenon Mendes Pedreira:

Enquanto blogueiro e jornalista desempregado crônico, passo os meus dias vagando pela Rua da Amargura, onde fica estacionada a minha residência, o Dodge Dart 73, enferrujado. Quando não estou curtindo o ócio sem dignidade, procuro a companhia de outros blogueiros amigos meus que também estão muito ocupados em não fazer nada. De tanto coçar o escroto (o saco e não eu), cheguei a fazer uma ferida na região testicular. Esta chaga, a céu aberto, já está me enchendo o saco, quer dizer, me inchando o saco. Pra espantar o tédio que se abate sobre a minha mente todos os dias, resolvi passar numa livraria e roubar o novo livro do Chico Buraque, O Irmão Alemão.

A princípio, achei que o novo romance do genial compositor de “Apesar do PT” era sobre a Segunda Guerra Mundial, um assunto que muito me interessa. Nunca perco a Maratona Hitler do History Channel. Mas, na verdade, Chico resolveu escrever a biografia não-autorizada do seu meio-irmão mesmo sabendo que o grupo Procure Sabesta é absolutamente contra a publicação de biografias não-remuneradas. Na década de 20, o pai de Chico, o historiador Sergio Buraque, apesar de ser de Hollanda, estava na Alemanha e resolveu, enquanto “homem cordial”, mostrar as “Raízes do Brasil” para uma criatura alemã. No original. Não se sabe exatamente, qual foi a raiz que o priápico intelectual botou pra fora. Pode ter sido a mandioca, o nabo, o cará ou até mesmo o mastruço. O fato é que a meia-mãe do Chico Buraque engravidou e deu à luz  um menino, que foi batizado de Franz Büracken von Holland.


Confirmando a genética darwinista, esse meio-irmão de Chico Buarque, teve uma vida muito semelhante ao original brasileiro. O irmão de Chico era artista de televisão, cantor e compôs várias músicas louvando o socialismo. Igualzinho ao Chico. Assim como seu irmão tupiniquim, Franz Büraken era um sujeito boa-pinta e, com seus olhos cor de ardósia, deixava as mulheres loucas e ele aproveitava para passar o rodo. Igualzinho ao Chico. Franz Büraken viveu a vida inteira na Alemanha Oriental e apoiava o governo. Igualzinho ao Chico. Por uma coincidência do destino, Franz Büraken também era um ídolo da MPB (Música Prussiana da Bavária) e seu primeiro grande sucesso foi a marchinha “Das Bündchen”. A única diferença é que Franz Büraken von Holland nunca saiu da RDA e Chico Buraque, sempre coerente, prefere praticar o comunismo de esquerda em Paris, que é muito melhor.

Polêmica: “Marx é possivelmente mais importante que Jesus”, diz Thomas Piketty autor de O Capital no século 21

“A diminuição de desigualdade de renda depende de políticas de valorização do salário mínimo e de políticas inclusivas. A difusão de educação de qualidade é o mais importante mecanismo para diminuir a desigualdade de renda. É preciso também criar taxações progressivas de renda e fortalecer movimentos trabalhistas.”
São palavras do economista francês Thomas Piketty, em São Paulo. Ele está na cidade para promover o lançamento de seu polêmico livro “O Capital no século XXI”. Piketty participou na tarde desta quinta de um debate sobre a sua obra na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA-USP).
O título de seu livro remete ao clássico de Karl Marx. “Marx é possivelmente mais importante que Jesus”, disse ele na FEA.
“Se nenhuma medida for tomada, os países desenvolvidos tendem a ter uma concentração de riqueza semelhante à das oligarquias do século XIX”, afirmou Piketty.
Dessa maneira, segundo ele, a economia ficaria cada vez mais dominada por herdeiros abastados. Em um cenário extremo, seria o fim da meritocracia e da livre iniciativa.

Livro da semana

O beijo na nuca - Dalton Trevisan

O livro reúne 48 contos e marca o retorno do mestre do conto brasileiro a histórias maiores. Título ao mesmo tempo irônico e revelador, mescla as histórias trágicas e apaixonantes que se repetem ao longo do livro, mas também servem, em parte, como imagem para a linguagem incisiva e veloz do consagrado autor. Dalton ficcionaliza o desventurado ciclista, o desgraçado atropelado.


 


Vida de cinema, por Luiz Fernando Veríssimo

Os filmes que víamos antigamente não nos prepararam para a vida. Em alguns casos, continuam nos iludindo. Por exemplo: briga de socos. Entre as convenções do cinema que persistem até hoje está a de que socos na cara produzem um som que na vida real nunca se ouviu.

O choque de punho contra o rosto fazia estrago nos rostos — ou não fazia, era comum lutas em que os brigões quase se matavam a murros terminarem sem nenhuma marca nos rostos — mas poupava os punhos. E como sabe quem, mal informado pelo cinema, entrou numa briga a socos, o punho quando acerta o alvo sofre tanto quanto o alvo.

No cinema de antigamente você já sabia: quando alguém tossia, era porque iria morrer em pouco tempo. Tosse nunca significava apenas algo preso na garganta ou uma gripe passageira — era morte certa.

Quando um casal se beijava apaixonadamente e em seguida desparecia da tela era sinal que tinham se deitado. E depois, não falhava: a mulher aparecia grávida. Nunca se ficava sabendo o que acontecia, exatamente, depois que o casal desaparecia da tela, a não ser que o filme fosse francês.

Pode-se mesmo dizer que o começo da mudança do cinema americano começou na primeira vez em que a câmera acompanhou a descida do casal e mostrou o que eles faziam deitados. Depois desse momento revolucionário não demoraria até aparecerem o beijo de língua e o seio de fora. E chegarmos ao cinema americano de hoje, em que, de cada duas palavras ditas, uma é fucking.

Se a vida fosse como o cinema nos dizia, nunca faltaria bala nas nossas pistolas ou gelo no balde para o nosso uísque quando chegássemos em casa. E sempre que tivéssemos de sair às pressas de um restaurante, atiraríamos dinheiro em cima da mesa sem precisar contá-lo e sem esperar que o garçom trouxesse a nota.

Seria uma vida mais simples, em cores ou em preto e branco, interrompida a intervalos por números musicais em que cantaríamos acompanhados por violinos invisíveis, e quando dançássemos com nossas namoradas seria como se tivéssemos ensaiado durante semanas, e não erraríamos um passo, e seríamos felizes até the end.


Rubem Alves

O Batizado

Sérgio, meu filho, me fez um pedido estranho. Pediu-me que preparasse um ritual para o batismo da Mariana, minha neta. Eu lhe disse que, para se fazer tal ritual, é preciso acreditar. Eu não acredito. Já faz muitos anos que as palavras dos sacerdotes e pastores se esvaziaram para mim, muito embora eu continue fascinado pela beleza dos símbolos cristãos, desde que sejam contemplados em silêncio.

Papo de homem

A autencidade e o exemplo imperfeito de Oscar Wilde

Dos três elementos de estética de que tratei (expressão, presença e horizonte), ligados aos três critérios éticos (caráter, virtude e felicidade), os primeiros (expressão e caráter) estão conectados com a ideia de autenticidade.

A autenticidade é, portanto, um pré-requisito para a formação das heurísticas da economia da atenção (os critérios e metacritérios que usamos para nos embrenhar no mundo dos fenômenos cognitivos internos e externos).

“Seja você mesmo, os outros já foram cooptados.”

– Oscar Wilde

Um movimento da virada de século XX, o esteticismo, de onde ainda batem hoje as ondas da “arte pela arte” e tantos outros conceitos mais ou menos claramente vinculados com a fonte, teve como grande expoente o gênio da ironia fina aforística, a elusiva wit (traduzida como “espirituosidade”), Oscar Wilde.

Wilde é uma figura interessante para nossa era “pós-pós” como típico da modernidade já se deparando com aspectos e tensões da pós-modernidade. Seu principal romance, O Retrato de Dorian Gray, lida com as questões estéticas da duplicidade, isto é, a falta de autenticidade.

O esteta, na sua qualidade quixotesca, já ridicularizada na época de Wilde, assume seus ideais como valores naturalmente acima e intocáveis pelas configurações sociais. A barganha faustiana aqui segue na mesma velha dicotomia céu/inferno, antevendo o “inferno são os outros”; e, também, “o céu são as minhas prerrogativas”, no caso de Wilde, “meu ideal de beleza”, não corrompido por qualquer moral.

Beleza desvinculada de ética que ganha, hoje, a dimensão além do pertencimento, a preocupação não só com aqueles que escolhemos (como próximos, como queridos), mas principalmente para com aqueles que desprezamos, desconhecemos ou aparentemente não têm “nada a ver conosco” — embora para o esteticista, os mores particulares da classe alta britânica fossem mais o alvo do que essa visão mais atemporal e neutra da ética.

Também por isso, é extremamente complexo entender a vida de Wilde em nosso contexto atual. Eu, como ele mesmo, reconheço sua vida como uma tragédia e consigo admirar a obra, ainda que veja a arte e vida de forma diametralmente oposta a Wilde. Isso pode ser assim porque, a meu ver, um dos aspectos da “arte pela arte” do estetismo curiosamente se “purifica” da ausência explícita de visão ética, por um motivo bastante abstrato: a arte pela arte no seu ápice não venderia ou propagandearia a noção de “arte pela arte”; não ideologizando, deliberadamente evitaria a propaganda, até mesmo de si própria. Exporia o artista nu em sua contradição. Bom, quem dera.

A contradição em Wilde tem a ver com a autenticidade.

A homoafetividade muitas vezes foi (embora seja cada vez menos) uma das maiores fontes de duplicidade, obviamente porque surge em tensão com as expectativas da cultura. Ora, para qualquer tipo de outsider — deliberado ou não –, o inferno é, em grande medida, de fato os outros.

Porém, na cabeça vitoriana, e na cabeça de Wilde, moral e — seria adequado dizer aqui “opção sexual”? A configuração, digamos assim, do foco dos desejos do indivíduo (tendo ela uma dimensão deliberativa ou não) –, enfim, “esse segundo aspecto”, eram naturalmente conflagrados. Afinal, ética e os mores da sociedade britânica, como de praxe, eram aglomerados na perspectiva vitoriana — isto é, não havia noção de mores universais, ou valores éticos além dos costumes (o que etimologicamente soa um contrasenso mesmo).

Em certo sentido, há várias dimensões morais (éticas) na sexualidade: há o consentimento, há consequências biológicas (doenças, prole) e sociais (laços, contratos, expectativas) — mas na nossa cabeça pós-pós, homossexualidade simplesmente não é mais uma questão moral. Isso é coisa de moralidade prescritiva religiosa, tradicional, assim vemos.

Dois adultos consensuais fazem o que querem, tenham o gênero que tiverem: essa é nossa visão ética. Se ambos tiverem tesão, mas acreditarem na Bíblia, azar o deles — não temos nada a ver com as opções míticas das pessoas. Tire as patinhas daí, não venha me julgar de acordo com seus mores mórmons…

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Claro, há quem ainda mantenha que a homoafetividade é uma infração ética de algum tipo (como há gente em religiosidade medieval) — mas há duas categorias aí: os que acham que ela é imoral e são contra ela, e os que acreditam que ela é imoral e são contra noções de moral de qualquer tipo! Assim, teoricamente, era o esteta, o decadente, na era vitoriana. A dimensão moral permanecia, ela só era desafiada.

Pode parecer que tergiverso — podemos ser inautênticos ou dúplices de infinitas formas, e a homossexualidade na época vitoriana é apenas um exemplo dramático, e feito mais dramático ainda em se tratando de alguém tão preocupado com a autenticidade quanto Wilde. Poderíamos estar falando de alguém que segue uma carreira por pressão da família, ou do adolescente que finge gostar da música que o alvo de sua azaração admira.

Ou podemos falar do “desespero contido” das classes médias, do espalhafato do novo rico, da vergonha da pobreza, ou do falso contentamento do “dinheiro velho”… há duplicidade entre amigos, entre colegas e nos casais — e principalmente no Facebook dos momentos bem filtrados, e onde até os gritos por ajuda surgem como ironia.

Em qualquer âmbito, é possível perder o caráter, não estar ciente de si próprio e do outro, e resvalar para uma situação em que é difícil “escolher” (ou se aceitar em) uma forma de aparição.

Porque Oscar Wilde não é visto hoje exatamente como um mártir dos direitos civis homossexuais? Porque ele, por uma série de razões, muitas delas bastante compreensíveis, fracassou profundamente em ser autêntico. Como Dorian Gray, ele levava a vida de um esteta e um criminoso — por mais que nós entendamos que não era abominável em sua homoafetividade, para ele mesmo isso ainda não era claro, como o comportamento dele atesta.

Parte do problema é a confusão, própria da época, entre moralidade e esse sentido de sexualidade, sensualidade, estética, arte. Ora, Wilde e os outros estetas pregavam uma total separação entre ética e estética. O que se queria dizer com isso? Que a arte não servia para nos dizer como agir, não servia a um fim didático, não devia proselitisar, fazer propaganda. O que soa até muito bem. Mas ao que ela serve? Ela serve apenas para provocar sensações, de deleite ou de outros tipos. E talvez aí nisso haja certa limitação.

O seguinte trecho de transcrição do tribunal incriminou Wilde:

Charles Gill (advogado de acusação): O que é o “amor que não ousa dizer o próprio nome”?

Wilde: “O amor que não ousa dizer o próprio nome” neste século é um afeto de um um homem mais velho por um jovem, como o que existia entre Davi e Jonatas, como o que Platão tinha como a própria base da filosofia, e como o que está nos sonetos de Shakespeare e Michelangelo, e aquelas duas cartas de minha autoria, do jeito que são.

Neste século esse amor é incompreendido, tão incompreendido que pode ser descrito como o ‘amor que não ousa dizer o próprio nome’, e devido a ele que estou nessa situação aqui agora. É belo, é refinado, é a forma mais nobre de afeto. Com relação a ele não há nada que não seja natural.

É intelectual, e surge frequentemente entre um homem mais velho e um mais jovem, quando o mais velho tem intelecto, e o mais jovem tem tem toda a alegria, esperança e glamour da vida pela frente. Que ele seja assim, o mundo não entende. O mundo o ridiculariza, e algumas vezes nos coloca no pelourinho por causa dele.”

Sensação ou abstração? A quem pertence o eufemismo? Wilde disse tudo que era necessário para incriminá-lo. Se ele houvesse mentido de forma mais clara, até mesmo isso seria mais autêntico. Ele escolheu uma meia verdade que foi suficiente para a corte: não era nem bem verdade, nem foi prático.

Um mundo ideal como um balão desvinculado de tudo: das ignorâncias, dos sofrimentos, da própria verdade do quarto. Só algo com a aparência de sinceramente belo, mas que não diz nada a não ser o que, alas, a corte queria (e simultaneamente não queria!) ouvir. Pura sensação.

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O esteticismo também está associado, ou até pode ser mesclado com, o decadentismo e o simbolismo. O Retrato de Dorian Gray esfregava homoerotismo na cara do vitoriano — havia certa afetação sensacionalista em tratar do tema de uma forma simultaneamente tão direta e tão velada.

E não estou dizendo que a grande obra era isso, ou que isso sequer diminua seu valor: mas era também isso. Lorde Byron e seus excessos, Baudelaire e suas flores malvadas e paraísos artificiais, Aleister Crowley e o bad boy como sensação dos tabloides: mesma coisa. Esse é o nascimento do outsider como anti-herói, do rockstar.

Parte do estetismo era viver a arte, e isso incluía a afetação de ser uma celebridade, de causar comoção por não estar nem aí para o que os outros pensam, isto é, no fim se encontrando na verdade muito aí para o que os outros pensam.

Wilde foi, portanto, vítima (além de um tempo e espaço particular) do próprio jogo perigoso que jogava. Nunca admitiu (na época, publicamente) a própria homossexualidade como mais que platônica, mas definhou na cadeia por ela. Ora, se queria ser um mártir, começar uma causa que nem mesmo publicamente existia ainda, se é que a figura do gay (ou instância qualquer LGBT) ativista moderno pudesse existir na época, ele não teria cometido perjúrio, apenas escancarado que o amor dele era puro e físico.

Mas não, ele não queria essas coisas, preferiu mentir que praticava a veadagem dos anjos, sem genitais. Confessou amar homens, mas só lá no santuário platônico: não quis entrar nos detalhes da chuca.

Stephen Fry como Oscar Wilde, na cinebiografia “Wilde” (1997). Fry é homossexual, brilhante e autêntico. Seu documentário sobre a própria bipolaridade “Secret Life of the Manic Depressive” é bem interessante
Stephen Fry como Oscar Wilde, na cinebiografia “Wilde” (1997). Fry é homossexual, brilhante e autêntico. Seu documentário sobre a própria bipolaridade “Secret Life of the Manic Depressive” é bem interessante
Talvez isso não fosse uma opção, contemporizo, embora fosse: era só ir viver na França — apenas que a graça, para esse irlandês, era chocar os ingleses. Mas não foi só ele quem sofreu pela dança estética perigosa da ironia de seus escritos e de seus ideais “estéticos” (e desculpas): sua mulher e filhos, e seus parceiros também sofreram degradação social e econômica. E não foi tanto a homossexualidade ou as meias-verdades que causaram o sofrimento: foi essencialmente a húbris, que sustentou toda essa duplicidade.

Em certo sentido, Wilde foi autêntico ao ideal quixotesco do esteticismo: ele simplesmente não acreditava que uma corte fosse escrutinar os detalhes da sodomia em meio ao decadentismo dândi das tiradas sofisticadas, em meio aos tão elevados ideais da arte como valor absoluto (e a palavra “ideal” aqui é até mais-que-platônica, é o ideal dos ideais, a aesthesis desvinculada de causa e efeito, um mundo totalmente a parte das questões humanas e temporais, a não ser para as menosprezar e ridicularizar — húbris ao quadrado).

A duplicidade está em reconhecer a tensão entre o público e o privado e a usá-la para os próprios fins: Wilde confiava que a homoafetividade podia ser pública, se fosse platônica, ainda que não fosse de fato em privado. É uma forma peculiar de “don’t ask, don’t tell”.

Mas o que é ser autêntico a uma fabricação, a um sonho que inevitavelmente acaba por se tornar o que explicitamente evita ser, uma prescrição, uma propaganda? E, pior, qualquer neopentecostal mais literato vai encontrar na vida e na obra de Wilde moralzinha para boi dormir: “olha só no que deu… e ele ainda encontrou Jesus na cadeia.”

Já toquei um pouco no assunto em meus textos sobre teleologia (“Breve ruminação hiperbólica de alguns clichês teleológicos” e “Mais sobre teleologia: o gênio/demônio“, que se conectam aos aspectos de horizonte e felicidade, mencionados no início do texto em relação aos dois grupos de valores tríplices de estética e ética que preconizo), mas a tensão entre o individuo enquanto construto de fora para dentro e enquanto construto de dentro para fora (“nature vs nurture”), exatamente o conflito de Dorian Gray. O cerne do problema wildeano também no tribunal da sua vida cotidiana, é a questão da autenticidade.

Em outras palavras, retomando o daimon socrático e a vocação cristã, o que realmente somos não é totalmente determinado por deliberação e questões internas, mas sim é um reconhecimento da relação destas com as circunstâncias do mundo (representados pelo “chamado” a se ser o que se é, seja por uma entidade externa, no caso do teísmo cristão, seja por o que for o que seja um “daimon”).

Nossa cultura, com uma motivação econômica deturpada, nos doutrina a acreditar que somos seres plenamente deliberativos, isentos. Porém, na verdade somos tão condicionados por hábitos ocultos que não somos sequer capazes de reconhecer o que seria efetiva liberdade — pensamos que somos livres e, assim, não achamos nada de estranho em estarmos algemados.

Em nosso sonho de seres plenamente deliberativos, acreditamos que podemos nos construir como quisermos — “o que você vai ser quando crescer?”, os adultos brincam de nos perguntar, eles mesmos lidando com os papéis que lhes couberam em suas vidas de adultos. E não estamos só falando em carreira, há a cena famosa de Annie Hall em que as crianças falam como adultos descrevendo seu passado: “eu era viciado em heroína, daí fiquei viciado em metadona”.


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O Wilde anacrônico diria “eu era uma sensação, gênio, popular e chique… daí acabei sacaneando todo mundo ao meu redor, apodreci na cadeia e morri doente e pobre em exílio”. Somos o que conseguimos ser, mas em geral nem temos clareza dos nossos potenciais, tanto pelo lado de os idealizarmos quanto por os menosprezar.

Enquanto isso, toda nossa experiência de clicks e compras parece plenamente deliberativa. “Eu dou like no que eu quero” — mas será que é assim?

(E aqui eu abro um parêntese enorme: homossexualidade e deliberação. O progressismo atual é contra a ideia de qualquer grau de deliberação na homoafetividade, mas me parece que isso é assim apenas por que é a forma de combater as ideias abstrusas de naturalismo da ala do teísmo prescritivista homofóbico — ser “criado gay”.

Porém, o quanto há de deliberativo na homossexualidade, fora dessa discussão, é difícil dizer. Em todo mundo possível, eliminando as bobiças da gente do livro tribal dos judeus, não há nada de particularmente positivo ou negativo em algo ter elementos deliberativos, ou mesmo ser “antinatural” — seja lá o que isso quer dizer num mundo não teísta –, porque não há deus a desafiar ou mos tribal universal.

Sem dúvida os defensores das noções de espectro de orientação e gênero hão de convir que há espaço para aqueles que gozam com a artificialidade e em desafiar mores, ou que pelo menos o homoerotismo deliberativo é uma possibilidade. Pela dimensão de contravenção moral decadentista, que talvez Wilde reconhecesse, ela continha deliberação. Mas essa é outra discussão, uma vez que pouco importa se um aspecto ou outro é dado ou deliberado, o que importa é como se pode ser autêntico em meio a isso).

Ao contrário do curioso produto do puritanismo vitoriano, que no seu ápice intelectual sonhava um mundo sem a pressão da sociedade ignorantona, daquela gente simplória e de mau gosto que não entendia nada de “amor grego”, o nosso ápice intelectual sonha uma sociedade auto-organizada, igualitária e acolhedora — espelhando nosso autorreconhecimento como seres isentos e justos, “automaticamente livres”.

Você conhece alguém que não se ache isento e justo? Dá para começar a desconfiar de autenticidade, e entender que há autoengano em massa. Se o autoengano é o que há de prevalente no mundo, daí a autenticidade ser rara.

E o mesmo tipo de tensões vitorianas ainda estão, em certo sentido, presentes: talvez não a “guerra da cultura” (que já foi vencida, por mais que a gente ainda tema a “bancada evangélica”, ou possam haver retrocessos circunstanciais), mas a da construção do eu como fruto de si mesmo e da cultura entrelaçados, e não um tumor na cultura ou a esquizofrenia das pressões da legião.

No seu exemplo mais microscópico, isso se espelha nos extremos da pessoa que fere pelo candor — por não respeitar circunstâncias, e simplesmente “dar a real” avassaladoramente — e da pessoa com a fala totalmente ensebada, que nunca menciona o “elefante na sala”. Há espaço para o candor, e há espaço para o eufemismo e para a fala estratégica: da mesma forma a autenticidade não é o irrascível independente ególatra, e tampouco o almofadinha superajustado.

Há um equilíbrio, um ponto ideal de moderação, entre adaptação, pertencimento e visão estratégica, por um lado, e rompimento, pensamento fora-da-caixa e espontaneidade, por outro.

Figuras trágicas como Wilde ou Sócrates, em suas imperfeições, e em suas amostragens de um período e dos problemas humanos vividos em um período, são importantes por vários motivos. Um deles é o exemplo, óbvio, mas que não é para ser seguido em nenhum tipo de simetria, uma vez que o custo em termos de sofrimento pode ser bastante desnecessário — bem como espelhar e interpretar circunstâncias tão diferentes não ser exatamente fácil.

Eles são ainda mais interessantes como amostras de aspectos da autenticidade, em particular de como é difícil ser autêntico, e que custos se aproximar da (nem vamos dizer conseguir) autenticidade pode acarretar.

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… Eu queria comer do fruto de todas as árvores no jardim do mundo … E assim, na verdade, eu segui, e assim que eu vivi. Meu único erro foi que eu me limitei exclusivamente às árvores do que me pareceu ser o lado ensolarado do jardim, e evitei o outro lado por sua sombra e melancolia.”

Em De Profundis, Oscar Wilde reconhece que tudo que aconteceu com ele não foi culpa de mais ninguém.

EDUARDO PINHEIRO
Diletante extraordinário, ganha a vida como tradutor e professor de inglês. É, quando possível, músico, programador e praticante budista. Amante do debate, se interessa especialmente por linguística, filosofia da mente, teoria do humor, economia da atenção, linguagem indireta, ficção científica e cripto-anarquia.