Dilma Rousseff – Ô, Miriam, deixa eu te falar uma coisa. A nossa visão naquela época, de ajuste de longo prazo, ela ainda não estava completa. A questão do ajuste fiscal de longo prazo é algo que você constrói, porque implica, inclusive, relações complexas intertemporais. Exemplo: nós mantivemos sempre a trajetória e perseguimos isso. Aliás, eu queria te esclarecer, eu sou integrante, fui aliás, desculpe, da junta orçamentária. Todos os cortes de gastos aprovados por esse governo, em 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009, e início de 2010, foram aprovados com meu acordo. Todos os superávits primários e as metas de superávit primário foram aprovadas com o meu acordo. Aliás, o Programa de Aceleração do Crescimento mostra, da nossa parte, uma maturidade maior, porque eu não posso prever um plano de ajuste fiscal de longo prazo em que o PIB começa mais alto e acaba mais baixo. É o inverso, eu tenho de prever um plano de ajuste fiscal de longo prazo em que o PIB começa mais baixo e passa para um patamar mais alto. O próprio plano de ajuste fiscal é um fator de elevação do nível de crescimento da economia.
[Aqui a ministra está dizendo que não se pode fazer ajuste fiscal constrangendo o investimento e o crescimento. Ao contrário, o ajuste deve vir como consequência do crescimento, do incentivo ao crescimento.]
ML – Ministra, deixa eu interromper, porque a minha pergunta não está sendo respondida.
DR – Eu estou tentando, viu, Miriam, estou fazendo o melhor dos meus esforços para te responder. Então, no caso do PAC, por exemplo, nós trabalhamos com metas de superávit primário, de queda do déficit nominal e de taxa de juro. Tanto é assim que foi só porque o valor do PAC, vamos supor, o primeiro valor, R$ 500 bilhões e pouco, era consistente com essa trajetória que a gente queria de queda do endividamento, e você a de convir comigo, o único governo nos últimos anos que perseguiu queda sistemática do endividamento foi o governo do presidente Lula.
ML – Ministra, os números mostram o contrário. A dívida pública cresceu, ministra.
DR – Você está falando a bruta, né, Miriam?
[Só na cabela da Miriam a dívida Bruta é a mais importante que a líquida. E como se verá a seguir, não há truques contábeis, mas diferentes interpretações sobre o papel da capitalização do BNDES. A política fiscal está tão 'descuidada' que o Risco País continua caindo. Quem será que está errando? Truques contábeis é ela se referir ao valor nominal da dívida e não sua relação com o PIB.]
ML – A bruta, que é a mais importante, até porque na líquida tem alguns truques contábeis.
DR – Então, vamos discutir porque a dívida bruta cresceu.
ML – Mas deixa eu terminar a minha pergunta. Pelo contrário, o governo Lula, a partir do momento em que a senhora assume e a partir do momento em que o ministro Palocci sai, começa a aumentar muito os gastos públicos. Então, a minha pergunta é o seguinte: a senhora estava errada quando atropelou a proposta do ministro Palocci?
DR – Me desculpa, Míriam, você está falando uma coisa que não é correta.
ML – O que não é correto?
DR – No momento em que nós fizemos o maior superávit primário, tão grande que nós pudemos construir o fundo soberano, foi em 2008. Você está equivocada no que se refere a números. Além disso, Miriam, vou te falar uma coisa. Você falou em dívida bruta. Você sabe por que que a nossa dívida bruta cresceu? A dívida líquida você concorda que é cadente.
[E mais. Foi na gestão Dilma e Mantega que o Brasil elevou as reservas aos níveis que nos garantiram passar pela crise internacional com soberania. Fruto, é claro, do trabalho iniciado por Palocci e Henrique Meirelles, mas dizer que a política fiscal foi deixada de lado com Dilma na Casa Civil, é uma afirmação que não tem base real. ]
ML – Ela aumentou recentemente também.
DR – Fizemos um pequeno desvio diante da crise, muito necessário para a gente poder sair da crise sem grandes conseqüências. Aliás, o Brasil tem um dos menores déficits nominais e uma das menores dívidas/PIB.
[A dívida líquida aumentou em 2009, mas já retomou seu ritmo de queda em 2010, mesmo com algumas desonerações ainda em curso. ]
ML – A senhora estava errada quando atropelou a proposta do ministro Palocci?
DR – Miriam, me desculpa, eu acho que você está errada no conceito. Não houve essa questão. Temos perseguido e cada vez mais aprimorado nossa política de ajuste de longo prazo. Tanto é assim que, no caso da dívida bruta, as razões pelas quais ela cresce são o fato de a gente ter construído 250 bilhões de dólares de reserva. E você sabe tão bem quanto eu: se eu quiser diminuir a dívida, eu posso. As reservas têm liquidez imediata, o BC liberou R$ 100 bilhões para os bancos, diante da crise, e agora já está voltando a recompor o compulsório. Por último, transferimos R$ 180 bilhões para o BNDES, um pouco menos do que isso, a título de garantir empréstimo e investimento de longo prazo, impedir que as empresas brasileiras tivessem um enorme choque de crédito. Portanto, não se pode discutir dívida bruta no Brasil sem dizer porque ela aconteceu. Senão, é como a gente lançar plumas ao vento. Eu digo: olha, a dívida bruta subiu e não digo, por exemplo, ela é completamente diferente da dívida bruta da Grécia, que está quebrando. Nós não estamos quebrando, pelo contrário. Estamos cada dia mais robustos.
[Dívida líquida é a diferença entre o que o país deve (dívida bruta) e o que tem a receber mais as reservas. Os tais truques contábeis, citados na pergunta anterior, se baseiam na tese mercadista segundo a qual a capitaização de um banco de investimento, no caso o BNDES, deve ser computado como dívida líquida e não apenas como dívida bruta. Essa tese não leva em consideração que o banco não só tem retorno dos financiamentos que faz ao setor privado, como tem lucro. O índice de inadimplência do BNDES é muito baixo para ser considerado uma capitalização de risco. Risco seria deixar os investidores com projetos sem financiamento.]