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Crônica dominical de Luis Fernando Veríssimo


O grampo da velhinha
Como se sabe, existe uma velhinha em Taubaté que é a última pessoa no Brasil que acredita. Ela acredita em anúncio, acredita em nota de esclarecimento, acredita nos ministros da área econômica [acredita no clã Bolsonaro, acredita na imparcialidade do judiciário e até acredita que a Globo e a Record faz jornalismo]. Depois que foi localizada, a velhinha de Taubaté, coitada, não teve mais sossego. Todos os dia batem à sua porta querendo saber que canal ela está olhando, que produto ela está usando e se a explicação do governo sobre o último escândalo foi convincente. Ela sempre diz que foi. Algumas agências de publicidade estão incluindo no seu approach de marketing um “Velhinha Factor“, ou a questão: isto passa pela velhinha? Muitas entidades públicas e privadas mantêm a velhinha sob constante observação. Fala-se mesmo que existe em Taubaté uma unidade médica em prontidão permanente, exclusivamente para atender a velhinha em caso de mal súbito ou escorregão. Há uma convicção generalizada de que, quando a velhinha se for, tudo desmoronará. A boa saúde da velhinha interessa tanto ao governo quanto à oposição responsável. Se ela morrer – ou deixar de acreditar -, teremos o caos, que não convém ao projeto político de nenhum dos lados. Quando o Tancredo e o Figueiredo se encontrarem e um perguntar como vai a saúde, não estará se referindo nem ao outro, nem ao Aureliano. Estará falando da velhinha de Taubaté. Só a velhinha de Taubaté nos separa das trevas.
Por isto, segundo o Correio Braziliense, o SNI decidiu intensificar sua vigilância sobre a velhinha e um agente disfarçado de funcionário da companhia telefônica bateu à sua porta, há dias. Foi a própria velhinha, um pouco irritada com as constantes interrupções do seu tricô e do seu programa na TV, quem atendeu.
– Quié?
– Vim consertar o telefone.
– Eu não tenho telefone. O agente pensou com rapidez.
– Vim instalar o telefone e depois consertar.
– Mas eu não comprei telefone nenhum.
– Deve ser presente de alguém.
– Quem me daria um telefone de presente?
– Alguém que está tentando ligar para cá e não consegue. A velhinha acreditou. Mas pensou um pouco e decidiu:
– Se ele já vem estragado, eu não quero. E fechou a porta. O agente entrou em contato com seus superiores. Recebeu instruções para adotar o Plano de Contingência B. No dia seguinte bateu à porta da velhinha vestido de mulher e apresentando-se como divulgadora de produtos de beleza. Apesar do bigode e da barba, a velhinha acreditou. Deixou-o entrar e enxotou um gato de uma poltrona para ele sentar.
– Estamos lançando uma linha de grampos para o cabelo e queremos que a senhora seja uma das primeiras a experimentar.
– Mmmm. São grátis?
– Absolutamente grátis. Só há algumas condições. A senhora precisa usá-los o tempo inteiro. Menos no banho, porque se molhar estraga o transmis… Estraga o grampo.

– E se eu quiser comprar depois de experimentar, posso?
– Pode.
– Quanto custa cada um?
– Dez mil dólares.
– É um pouco salgado…
A velhinha está usando os grampos o tempo inteiro, menos no banho e todas as suas reações estão sendo gravadas e mandadas para Brasília, para análise. Houve um momento de suspense quando a velhinha, em conversa com um gato, expressou algumas dúvidas sobre reforma da previdência. Mas as dúvidas passaram e a velhinha voltou a acreditar na versão oficial. Sua pulsação é firme. Sua digestão é boa. Fora uma pequena artrite, nada ameaça sua saúde. Ainda temos algum tempo antes do caos.
Vida que segue

Crônica da tarde


Tinha um burro amarrado numa árvore, aí veio o diabo e o soltou.
O burro entrou na horta dos camponeses vizinhos e começou a comer tudo.
A mulher do camponês dono da horta, quando viu aquilo, pegou o rifle e disparou.
O dono do burro ouviu o disparo, saiu, viu o burro morto, ficou enraivecido, também pegou seu rifle e atirou contra a mulher do camponês.
Ao voltar para casa, o camponês encontrou a mulher morta e matou o dono do burro.
Os filhos do dono do burro, ao ver o pai morto, queimaram a fazenda do camponês.
O camponês, em represália, os matou. Aí perguntaram ao demônio o que ele havia feito e ele respondeu:
– “Não fiz nada, só soltei o burro”.

Conclusão: Se você quiser destruir um país, Solte o Burro.
QUANDO UM ANALFABETO CONSEGUE MANIPULAR MAGISTRADOS É SINAL DE QUE O PAÍS VIROU UM CURRAL...OS JUMENTOS TOMARAM O PODER!
por Caçador de passarinho
Pesquei nos comentários do Tijolaço

Vida que segue

Caiu na rede: o Rei na masmorra e o palhaço no castelo


Ponha um Rei na masmorra e ele continua sendo Rei. Ponha um palhaço no castelo e ele continua sendo palhaço.
O Rei se consola no cativeiro, com o carinho do povo que está longe dele. Enquanto o palhaço se enfurece no castelo com o desprezo do povo que está tão perto.
E assim a cela do Rei se torna do tamanho de uma nação, enquanto o castelo do palhaço se reduz ao tamanho de um túmulo.
Se existe algo tão triste quanto um Rei que teve sua coroa roubada, é um palhaço sem graça, cuja coroa que roubou não lhe assenta na cabeça.
Mesmo que um Rei morra no cativeiro, ele sempre será lembrado pelo povo como Rei. Já o palhaço sem graça, mesmo em vida estará condenado à vala comum do esquecimento...
Sabe por quê prender um Rei é tão perigoso? Porque a única maneira de arrebatar a coroa de um Rei é derrota-lo num duelo de vida ou morte. Na política esse duelo se chama eleição.
Deveriam tê-lo derrotado nas urnas, assim o povo aceitaria o novo Rei. Agora eles não sabem o que fazer com o Rei que está preso, e também não sabem o que fazer com o reino, que se encontra irremediavelmente dividido."
Oscar Filho
Circula no whatsapp
Vida que segue

Crônica dominical

A revolução das baratas

No dia em que a barata Gene viu sua mãe ser brutalmente assassinada por um chinelo, decidiu que era hora da revolução começar

Havia décadas que as baratas pensavam em realizar um grande levante. Estavam cansadas do ódio peculiar que os seres humanos sentiam por elas, figurando como o inseto mais repulsivo do planeta Terra. Injustiçadas, odiadas, temidas. Mal podiam surgir em um ambiente, e o pânico se instalava por completo. Fêmeas e machos subindo aos gritos em cadeiras. Mas sempre havia 2 ou 3 algozes, psicopatas, empunhando chinelos e listas telefônicas, olhos vermelhos injetados, a boca espumando, ansiosos pela carnificina. E se as baratas não fossem rápidas o suficiente, jazeriam mortas, as patas para cima. Seu poderoso casco de quitina não seria forte o bastante para lhes salvar a vida.
E Gene era a líder da revolução baratística. Tinha uma inteligência incrível, uma memória invejável e uma estratégica mente militar. O assassinato da mãe diante dos seus olhos, alguns meses antes, fizera despertar o que lhe faltava para liderar a revolução: o ódio. O plano estava parcialmente definido, mas era preciso esperar o momento certo. Sua melhor amiga, Salete, sempre se postava como a temerosa:
– Mas estamos realmente prontas?
– Nunca antes estivemos tão prontas. – A voz de Gene trepidava com sua raiva incontida. – Em breve, teremos nossa vingança. Os humanos pagarão cada gota de hemolinfa derramada.
– Não sei, não. Tem coisa errada, Gene. Os números não batem.
– Como assim? Salete mostrou um esboço.
– Em nosso último censo militar, ficou constatado que somos 85 baratas para cada humano. Agora, pense comigo: a maioria dos humanos não tem mais do que dois ou três filhotes. E muitas das fêmeas deles nem se reproduzem. Mas nossas fêmeas, em apenas 150 dias, chegam botar 320 ovos. A proporção não bate, Gene. Deveríamos ser milhares ou milhões de baratas para cada humano. Onde estão as outras?
– Você não sabe onde elas estão?
– Não.
– Estão mortas, Salete – arrematou, séria. – A diferença na sua estatística é o número de irmãs assassinadas injustamente. Sentenciadas à morte por chineladas e sufocamento venenoso, enquanto os algozes gritam “nojenta”, “maldita”, “desgraçada”. Houve um silêncio entre as duas amigas. A verdade calou qualquer argumento.
Revolução das baratasNaquele mesmo dia, uma notícia se espalhou entre as baratas. Ninguém sabe como, mas as baratas tomaram conhecimento de que, no próximo mês, os humanos em todo o planeta dormiriam durante uma hora, simultaneamente. Era a oportunidade que Gene tanto esperava. Salete desconfiou:
– Como assim?
– É a nossa chance, Salete.
– Por que os humanos vão dormir todos ao mesmo tempo?
– Você deveria estar me perguntando sobre nossa estratégia de ataque.
– É só que me parece estranho.
– Faremos um ataque simultâneo, em todo o mundo. Atacaremos os humanos enquanto estiverem dormindo.
– Vamos comê-los?
– Não, minha querida. Pelo menos, não enquanto estiverem vivos. Isso os acordaria.
– Então, o que vamos fazer?
– Vamos sufocá-los.
– Como?
– Vamos entrar em suas bocas, e invadir suas vias respiratórias.
– Mas…
– Um ataque em massa. Dezenas de baratas saltando sobre a boca de cada humano. Eles não terão chance de qualquer reação.
– Isso significa que…?
– Sim. Algumas terão de se sacrificar. Mas seus nomes ficarão registrados na história. Figurarão na literatura como as baratas que conquistaram a liberdade para suas filhas e irmãs.
O plano estava traçado. Gene enviou baratas mensageiras para que avisassem cada um dos exércitos alocados em despensas, esgotos, sótãos, porões, e até nas matas. As baratas em todo o planeta precisavam saber. Todas elas deveriam sair dos seus esconderijos e lutar pela liberdade. A história propagada pelos humanos de que, para cada barata avistada existem mil escondidas, mudaria. Naquela noite, os humanos veriam todas elas, mas desta vez, seriam elas a ter os olhos injetados, e a boca espumando de ódio. E exatamente um mês depois, a guerra teve início.
Gene saiu pelo ralo do banheiro seguida por seu posto avançado de 249 baratas. Era meia-noite. Encaminharam-se lentamente para os quartos dos humanos, ansiosas pelo ataque final. Em questão de menos de uma hora, a raça humana estaria extinta da face da Terra. Chinelos e inseticidas nunca mais seriam produzidos.
Gene ainda salivava de ódio, quando ouviu um estranho zumbido. Ergueu lentamente a cabeça. Logo acima, parcialmente camuflada pela escuridão, viu uma figura familiar: o general Tod, uma vespa-joia. Ele estava a frente do que pareciam 3 ou 4 centenas de vespas e marimbondos.
O coração de Gene saltou-lhe à boca. Seu cérebro começou a juntar as peças e tudo se encaixou. Salete tinha razão. O sono coletivo dos humanos não podia ser verdade. O boato havia sido um embuste criado pelas vespas, as maiores inimigas das baratas, depois dos humanos. Em um relance, Gene já podia ver seus corpos sendo arrastados para buracos e servindo de alimento para larvas de vespas.
Gene virou-se para seu exército e, quase sem voz, gritou:
– É uma cilada… Fujaaaaam!
Mas era tarde demais. Ao grito de comando do General Tod e dos outros milhares de generais vespas de emboscada em todo o mundo, o ataque histórico das vespas contras as baratas começou. Vários anos depois, os jornais ainda noticiariam o misterioso desaparecimento de todas as baratas do planeta terra. A culpa, para todos os efeitos, recairia sobre o aquecimento global.
de Juliano Martins
Vida que segue

Esperando por Isabel, por Elika Takimoto


Fui almoçar em um self service baratinho no Flamengo. Na entrada, uma menininha linda de uns sete anos me interceptou:

- Tia, me paga um prato de comida. Eu quero comida. Tô com fome. Quem vai negar um prato de comida para uma criança?
- Claro. Vamos, falei. Qual seu nome?
- Isabel, tia.
- Vamos lá, Isabel. Assim que entramos ela começou:
- Pode ser quentinha? É que eu preciso levar para meus irmãos também, tia.
- Quantos são?, perguntei.
- Muitos, tia. Respondeu ela olhando para as opções. Pode ser quentinha, tia?
- Claro. O que você quer que eu coloque aqui?
- Arroz, tia. Coloca muito arroz. Agora feijão, tia. Purê de batata. Mais purê. Macarrão, tia.
- Não quer legumes? Uma salada também? Não quer?, insisti como faço com meus filhos.
- Não, tia. Quero comida. Carne, tia. Pode colocar carne também?
A quentinha deu 40 reais de tanto peso. Geralmente pago menos que 15 no meu prato. Entreguei para Isabel com uma garrafa de refrigerante que ela havia escolhido. Isabel pegou tudo e saiu correndo.
Fiz meu prato e sentei para almoçar com calma.
Em poucos minutos, vi Isabel mais uma vez com outra tia apontando o que queria colocar na quentinha. Lá saiu Isabel apressada com outra marmita...
Logo depois, veio Isabel segurando a mão de um tio de novo. O tio olha para ela carinhosamente e coloca tudo o que Isabel quer.
Nessa hora eu estava pagando e resolvi seguir Isabel. Ela foi ali para a praça do Largo do Machado. Havia várias pessoas com cobertores sujos, roupas rasgadas, sentadas no chão e deitadas em cima de papelão esperando por Isabel.
Isabel não mentiu. Ela dava comida para “seus irmãos”.
Tão pequena e já carrega a responsabilidade de um Estado e a pressa - daqueles que entendem a necessidade - de alimentar um Brasil.
Vida que segue

Lula é culpado!


Definitivamente, Lula é culpado. Desde de sempre. Nasceu culpado, viveu sob o estigma da culpa e haverá de morrer no pecado. Lula é culpado há gerações. O seu sangue está contaminado por cepas indígenas e, provavelmente, africanas. Lula é malnascido. E mal-agradecido: em vez de se conformar à sorte de ter sobrevivido a uma taxa de mortalidade infantil que transformava em anjinhos, pela graça de Deus, mais de 90 das cem crianças nascidas no sertão pernambucano, quis alçar-se além de sua condição de sobrevivente, de sobra do destino, de raspa do tacho. Quis -oh falta de senso da ordem natural das coisas!- ser presidente da República.
Lula não é inocente. Pode até ter sido ingênuo, por acreditar que fosse aceito ou tolerado pela Casa Grande e seus sabujos. Pode ter sido confiado, crédulo. Mas não inocente.
Dizer, gritar, espernear que Lula é inocente, é dar legitimidade às acusações e condenações de Moro, Dallangnol, daqueles patéticos juízes do TRF-4, talvez a mais completa corte de pascácios da história do judiciário brasileiro. Dizer que Lula é inocente é certificar todas as manchetes, todos os textos, todos os artigos, toda as opiniões que a mídia comercial, e monopolista, verte em caudais todo os dias. Dizer que Lula é inocente é reconhecer e validar o que o Jornal Nacional, na voz marcante de William Boner ou com a sisudez para a ocasião de Renata Vasconcelos, comunica aos brasileiros todas as noites há mais de mil noites.
Dizer que Lula é inocente, corresponde até mesmo a aceitar a bizarrice do power point de Dallangnol, a militância aecista de Igor Romário, a incompetência letal de Erika Mareka e o cavanhaque indecoroso do Santos Lima.
Dizer que Lula é inocente é como que ratificar as acusações dos nazistas a Dimitrov, pelo incêndio do Reichstag; autenticar a culpa de Dreyfus por traição à França; é escolher Barrabás; é filiar-se ao Santo Ofício na condenação de Giordano Bruno; é adotar como sua a sentença contra Tiradentes; é atuar como assistente de acusação da Savonarola; é botar fogo nas piras que consumiram todos os cristãos novos e os muçulmanos recalcitrantes, as bruxas, os hereges e a longa procissão dos desajustados às normas da Santa Madre.
Lula é inocente do quê? De um apartamento que nem Moro reconheceu que fosse dele? De um sítio, cuja propriedade escriturada, de papel passado e testemunhada foi sonegada a troco –mais uma vez- da convicção de um juiz, da delação de um torturado?
Não, não há inocência em Lula. Ele não é inocente de roubo, porque não roubou.
Lula é culpado!
Como a Joana D’Arc de Bernanos e de Bressan, Lula é culpado de sua inocência. Como a Santa, foi relapso, desavisado, confiante, demasiadamente confiante. Afinal, ele imaginou que poderia fazer tudo o que fez impunemente? Que poderia arrostar os poderosos e seus interesses transnacionais, desafiar um a um os proprietários da política, os donos do dinheiro, os donos da opinião pública e à sempre desfrutável classe média? Em que país pensou que vivesse?
É desta ordem a culpa de Lula.
Lula é culpado porque resgatou dos porões do gigantesco navio negreiro que é este país, dezenas de milhões de brasileiros. É culpado porque introduziu essa gente no maravilhoso mundo das três refeições diárias, mesa há 500 anos reservada a apenas uma minoria. É culpado por essa fantástica e ciclópica (que mais superlativos poderia usar?) obra de combate à fome, à desnutrição, à mortalidade materno-infantil, à degradação física e moral da nossa gente. É culpado porque botou anel de doutor no dedo dos filhos de operários e trabalhadores rurais. É culpado porque inventou um programa para dar aos brasileiros uma moradia digna, sadia e financeiramente acessível. É culpado porque, operário e pau-de-arra, entendeu mais que os ilustrados antecessores, especialmente mais que o sociólogo boquirroto, ciumento, fútil e ocioso, que um país sem ciência tecnologia estaciona no tempo e no espaço e torna-se mero e servil caudatário das nações imperiais. Daí a magnífica rede federal de educação profissional, científica e tecnológica, a rede de escolas técnicas, as universidades plantadas em todo o país, para horror dessa nossa elite tacanha, obtusa, inculta, grosseira e preconceituosa que ainda hoje sonha com a senzala.
Lula é culpado pela mais fabulosa descoberta em território pátrio dos últimos séculos, o petróleo na camada do pré-sal. Os muxoxos dos tucanos, à frente, na vanguarda do atraso, como sempre, o invejoso FH; e a reação blasé dos economistas e dos jornalistas de mercado, da grande mídia comercial e do mercado financeiro, revelaram não apenas despeito, mas, sobretudo, decepção com as possibilidades abertas à consolidação da soberania nacional e, acima de tudo, da cimentação de um poder popular, nacional e democrático.
Lula é culpado por ter aberto a mais formidável possibilidade para remir o Brasil do atraso, da pobreza e da dependência. Lula é culpado por insurgir, desafiar, confrontar aquela que, talvez, seja a pior, mais daninha, a mais colonial, a mais estúpida, a mais iletrada, ignorante e xucra das classes dominantes mundiais, a elite brasileira.
Lula é culpado por tornar o Brasil respeitado, ouvido e acatado internacionalmente. Jamais, em tempo algum, o nosso país teve tal protagonismo e liderança. Lula enterrou o complexo de vira-lata, de que os sapatos do chanceler dos tucanos são o mais vergonhoso exemplo.
E isso foi imperdoável!
Lula é culpado, mil vezes culpado, por ter libertado a Polícia Federal e o Ministério Público das injunções políticas, dando-lhes, é verdade, uma autonomia excessiva.
Lula é culpado (por favor, nunca relevem essa culpa que, para a classe média metida a sebo, esse é um pecado mortal) por transformar os aeroportos em rodoviárias.
São por essas culpas que Lula foi condenado e é mantido preso. São as culpas de Mandela, de Spartacus, de Frei Caneca, de Zumbi dos Palmares, do Conselheiro. O tal do triplex, cuja propriedade permanece em um incômodo e escandaloso limbo? Os pedalinhos dos netos em um sítio em Atibaia?
Ora, vão à merda!
Roberto Requião - jornalista, advogado e político que dignifica a atividade.
Vida que segue

Luis Fernando Veríssimo: debaixo da cama




Uma cama larga, simbolizando o país. Sobre a cama, não me pergunte como, um reacionário, simbolizando as classes dominantes, sua mulher frívola e infiel, simbolizando a inconsciência nacional, e um doido, simbolizando um doido. Fala o doido:
-- Esse ruído...
-- Que ruído? – pergunta o reacionário.
-- Debaixo da cama.
-- Não ouvi ruído nenhum.
-- Exatamente. Não é estranho? O jacaré está quieto.
– Que jacaré?
– O jacaré embaixo da cama.
A mulher frívola e infiel dá um grito abafado. O reacionário diz:
-- Não há jacaré nenhum embaixo da cama.
O doido faz uma cara triunfante e pergunta:
-- Se não há um jacaré embaixo da cama, então o que é que está em silêncio?
A lógica do argumento é inatacável. E, a julgar pelo tamanho do silêncio, o jacaré é enorme.
-- Por que será que ele está quieto? – pergunta o reacionário.
-- Não sei – diz o doido. – A não ser que ele tenha comido alguém...
A mulher frívola e infiel leva as mãos à boca mas deixa escapar um nome:
-- Danilo!
-- O quê? – dizem o reacionário e o doido juntos.
-- Nada, nada...
Mas ela desaparece sob o lençol para chorar seu amante. Danilo, comido por um jacaré embaixo da cama! E com o pijama novo que ela lhe deu.
-- O jacaré deve ter comido o comunista – diz o reacionário.
-- Que comunista?
-- Tem sempre um comunista debaixo da cama.
-- Depois eu é que sou doido...Não tem comunista nenhum debaixo da cama.
-- Se o jacaré comeu, não tem mesmo.
--Só há uma maneira de sabermos o que realmente aconteceu – diz o doido, sensatamente. Olharmos debaixo da cama.
Os dois espiam embaixo da cama e vêem um moço de pijama novo, que sorri sem jeito.
O reacionário endireita-se na cama e começa a refletir. Olha para o doido, depois olha para sua mulher que chora. Aos poucos, vai se dando conta da situação.
-- Meu Deus! – exclama.
-- O quê? – diz o doido, pensando que é com ele.
-- O comunista comeu o jacaré.

In : Luiz Fernando Veríssimo(1983)-"A Velhinha de Taubaté – Novas histórias do analista de Bagé" - Porto Alegre – L & P M – 142 p (história à pg.30)
Vida que segue

Não armar-se - uma crônica

Esta crônica não era para ser. E não seria se, numa quarta-feira, 13 de março, um daqueles dois rapazes não tivesse um 38 à mão. A sensação é de que escrevi esta crônica tendo um revólver apontado na minha direção.


Vocês sabem que eu faço rodeios, invento temas amenos, escrevo levezas, assumo. Eu me reservo o direito de abdicar da caligrafia da dor. Muito excepcionalmente a estática melancolia do cinza compõe as cores na minha paleta. Assim é.


Até que uma tragédia sem nome entra portão adentro. Lá dentro tem uma escola. Ela fica em Suzano. Que fica em São Paulo. Que fica no Brasil. E o Brasil é aqui.


Aqui onde jovens e crianças todos os dias saem para estudar, sob o elevado risco de que um dia possam não mais voltar para suas casas. Porque é possível - e é provável - que algum jovem possa aparecer com máscara de caveira e uma arma na mão. Atirando e matando. Impiedosamente. Sem motivos e nada que justifique tamanho massacre e brutal tragédia.


A Escola Raul Brasil é a escola onde eu e você trabalhamos e onde nossos filhos passam a maior parte do dia. Foi ali e é em cada escola que perdemos – todos nós – também um pouco dos nossos filhos e nos perdemos a nós mesmos.

A escola de Suzano é a representação das escolas brasileiras com quase nem uma exceção. Desestruturas e carentes de recursos de toda ordem e abandonadas pelos governantes.

Na minha escola falta vigia, não se vê um guarda. Alguém para controlar a entrada e oferecer o mínimo de segurança.
Na Escola de Suzano, também.

É legítimo pensar que o simples fato de haver um guarda no portão de todas as escolas do País, sistematicamente em todos os horários de funcionamento, tragédias como esta seriam muito raras e mais difíceis.

É absolutamente racional perceber que é papel do Estado a proteção de seus cidadãos. A segurança coletiva das pessoas – e não individual – é resultante da Democracia. No entanto, há quem insista na divergência.


É estarrecedor ver no dia do massacre de Suzano, as mais altas e constituídas autoridades defenderem o porte de arma como direito à defesa.

Causa aversão seus discursos torpes soando como deboche às famílias que perderam seus entes queridos. Eles afirmam que se professores e servidores estivessem armados tal tragédia teria sido evitada.

Me impacta o chefe da Nação revelar que dorme com um revólver ao lado da cama. Ele mora no Palácio do Planalto!

Pessoal, se isso não é culto à arma, é algum tipo de patologia, desculpem! É a suprema comprovação do mito que virou mico.

Me recuso a construir o cenário de uma comunidade escolar armada, onde cada um tenha direito de portar a sua arma de fogo. Uma aberração dessas tem saído de quem tem pólvora no lugar do cérebro e reiteradamente sido dita por infames de paletó e gravata. Que não acreditam em democracia. Que redigem e assinam decretos que decretam seu fim. E escancaram mais portões para a ocorrência de mais tragédias como a de Suzano.

Alguém avise pra essa gente que no regime democrático o povo escolhe seus representantes e estes é quem estabelecem políticas públicas e formulam leis que lhe garantem segurança e proteção pelo Estado.

Digam-lhes que quem respeita a democracia acredita que a solução contra a violência não está na liberação de armas.

Ninguém, a não ser agente do Estado, deveria ter nem porte nem posse de armas.

Porém, os que não respeitam a democracia e acreditam na força como solução para os problemas condizentes ao Estado, defendem o porte e a posse.

Eu vejo na cara dessa gente a caveira que encobria a cara do jovem atirador... Fantasmas recém saído dos porões da História cujas ideias são de vergonhar os republicanos da antiga República da Espada.

O Brasil não precisa de armas para voltar a ser a 5ª economia do mundo e gerar emprego e renda para os brasileiros.
O brasileiro não precisa de armas. 
O brasileiro precisa é da manutenção de seus direitos trabalhistas e previdenciários.
O brasileiro não quer morrer trabalhando sem se aposentar.









A política de governo de armar o cidadão corresponde a dar armas ao bandido, sobretudo, e vai de encontro à democracia.
Armar a todos vincula toda forma de violência e qualquer tragédia à essa tresloucada política de governo.
O outro nome de uma arma é violência. É barbárie.
Isso tudo tem nos deixado irremediavelmente tristes.
Não precisamos chorar sobre nossos jovens assassinados.
Precisamos olhar o mundo sobre outro prisma que não o do ódio.
Não precisamos marcar encontros com tragédias assim.

Irmãos, não vamos nos armar. Vamos sim, nos amar sempre mais.
Uma dor, lágrimas, preces.
Silêncio pela vítimas da Escola de Suzano
[entre elas incluo a família dos autores]

Vida que segue

Crônica dominical

- Ótimo conselho as mães que se veem refletidas na mãe abaixo (primeira fase). É um exemplo de vida que vale muito ser seguido. Leia com atenção e compartilhe com quem você acha que se enquadra na estória -.
***
Minha mãe tinha muitos problemas. Não dormia e se sentia esgotada. Era irritada, rabugenta e azeda. E sempre estava doente, até que um dia, de repente, ela mudou. A situação estava igual, mas ela estava diferente. Certo dia, meu pai lhe disse:
- Amor, estou há três meses à procura de emprego e não encontrei nada, vou tomar umas cervejinhas com os amigos.
- Tudo bem.
Meu irmão lhe disse:
- Mãe, eu vou mal em todas as matérias da faculdade.
- Tudo bem, você já vai se recuperar. E se não conseguir, é só repetir o semestre, mas você paga a matrícula.
Minha irmã lhe disse:
- Mãe, bati o carro.
- Tudo bem filha. Leve-o para a oficina, procure uma forma de pagar o conserto e, enquanto o arrumam, vá trabalhar de ônibus ou de metrô.
Sua nora lhe disse:
- Sogra, venho passar uns meses com vocês.
- Tudo bem, ajeite-se na poltrona da sala e procure uns cobertores no armário.
Todos nós na casa da minha mãe nos reunimos preocupados ao ver essas reações. Suspeitávamos que tivesse ido ao médico e que ele lhe tivesse receitado uns comprimidos de “Se Virem" de 1000 mg. Com certeza também estaria ingerindo uma overdose. Propusemos então fazer uma "Intervenção" a minha mãe para afastá-la de qualquer possível vício que viesse a ter com algum medicamento "anti-birras". Mas qual não foi a surpresa quando todos nos reunimos em torno dela e minha mãe nos explicou:
- Demorei muito tempo para perceber que cada um é responsável pela sua vida, demorei anos para descobrir que minha angústia, minha mortificação, minha depressão, minha coragem, minha insônia e meu estresse não resolvem seus problemas, mas sim aumentam os meus. E não sou responsável pelas ações dos outros, mas sim responsável por minhas reações diante disso. Portanto, cheguei à conclusão de que o meu dever para comigo mesma é manter a calma e deixar que cada um resolva o que lhe cabe. Já fiz cursos de yôga, de meditação, de desenvolvimento humano, de higiene mental, de vibração, de programação neurolinguística e de milagres, e em todos eles encontrei um denominador comum, todos conduzem ao mesmo ponto:
Eu só posso ter ingerência sobre mim mesma, vocês têm todos os recursos necessários para resolver as suas próprias vidas. Eu só poderei dar-lhes o meu conselho se por acaso me pedirem e, segui-lo ou não, depende de vocês. Por isso, de hoje em diante, eu deixo de ser o receptáculo de suas responsabilidades, o saco de suas culpas, a lavadeira de seus arrependimentos, a advogada de suas faltas, o muro de seus lamentos, o depósito de seus deveres. Deixo de ser quem resolve seus problemas ou cumpre suas responsabilidades.
A partir de agora, declaro-os a todos ADULTOS INDEPENDENTES E AUTO-SUFICIENTES. Todos na casa da minha mãe ficaram mudos.
A partir desse dia a família começou a funcionar melhor pois todos na casa sabem exatamente o que lhes compete fazer.
Recebido por e-mail, sem a autoria conhecida
Todo mundo quer ser bom, mas da lua só vemos um pedaço 
Vida que segue...

Lula: um homem


Lula, em silêncio, comandou com os olhos o espetáculo de dor e esperança do que deveria ter sido apenas um enterro triste, como sempre são devastadoramente tristes os enterros de crianças.

Em silêncio, coroado de cabelos brancos, Lula fez o mundo tremer.

Pois o mundo todo que viu os seguranças, as polícias, os soldados, as armas e o rancor mobilizados, todos cagados de medo, sem compreender a força daquele homem.

Aquele homem que os deixou nus.

Paulo Coelho: meu funeral

Faz tempo que me pergunto: se eu morresse amanhã, como seria meu funeral?
E a partir daí, deixar de fazer aquilo que nos mantém como "mortos vivos" [ou vivo mortos], e arriscar tudo, pelos sonhos que sempre pensamos realizar. Querendo ou não a morte está nos esperando, Éla é a única certeza que temos na vida. 

Vida que segue...

A aliança, por Fernando Veríssimo

Esta é uma história exemplar, só não está muito claro qual é o exemplo. De qualquer jeito, mantenha-a longe das crianças. Também não tem nada a ver com a crise brasileira, o apartheid, a situação na América Central ou no Oriente Médio ou a grande aventura do homem sobre a Terra. Situa-se no terreno mais baixo das pequenas aflições da classe média. Enfim. Aconteceu com um amigo meu. Fictício, claro.
Ele estava voltando para casa como fazia, com fidelidade rotineira, todos os dias à mesma hora. Um homem dos seus 40 anos, naquela idade em que já sabe que nunca será o dono de um cassino em Samarkand, com diamantes nos dentes, mas ainda pode esperar algumas surpresas da vida, como ganhar na loto ou furar-lhe um pneu. Furou-lhe um pneu. Com dificuldade ele encostou o carro no meio-fio e preparou-se para a batalha contra o macaco, não um dos grandes macacos que o desafiavam no jângal dos seus sonhos de infância, mas o macaco do seu carro tamanho médio, que provavelmente não funcionaria, resignação e reticências… Conseguiu fazer o macaco funcionar, ergueu o carro, trocou o pneu e já estava fechando o porta-malas quando a sua aliança escorregou pelo dedo sujo de óleo e caiu no chão. Ele deu um passo para pegar a aliança do asfalto, mas sem querer a chutou. A aliança bateu na roda de um carro que passava e voou para um bueiro. Onde desapareceu diante dos seus olhos, nos quais ele custou a acreditar. Limpou as mãos o melhor que pôde, entrou no carro e seguiu para casa. Começou a pensar no que diria para a mulher. Imaginou a cena. Ele entrando em casa e respondendo às perguntas da mulher antes de ela fazê-las.
— Você não sabe o que me aconteceu!
— O quê?
— Uma coisa incrível.
— O quê?
— Contando ninguém acredita.
— Conta!
— Você não nota nada de diferente em mim? Não está faltando nada?
— Não.
— Olhe. E ele mostraria o dedo da aliança, sem a aliança.
— O que aconteceu? E ele contaria. Tudo, exatamente como acontecera. O macaco. O óleo. A aliança no asfalto. O chute involuntário. E a aliança voando para o bueiro e desaparecendo.
— Que coisa – diria a mulher, calmamente.
— Não é difícil de acreditar?
— Não. É perfeitamente possível.
— Pois é. Eu…
— SEU CRETINO!
— Meu bem…
— Está me achando com cara de boba? De palhaça? Eu sei o que aconteceu com essa aliança. Você tirou do dedo para namorar. É ou não é? Para fazer um programa. Chega em casa a esta hora e ainda tem a cara-de-pau de inventar uma história em que só um imbecil acreditaria.
— Mas, meu bem…
— Eu sei onde está essa aliança. Perdida no tapete felpudo de algum motel. Dentro do ralo de alguma banheira redonda. Seu sem-vergonha! E ela sairia de casa, com as crianças, sem querer ouvir explicações. Ele chegou em casa sem dizer nada. Por que o atraso? Muito trânsito. Por que essa cara? Nada, nada. E, finalmente:
— Que fim levou a sua aliança? E ele disse:
— Tirei para namorar. Para fazer um programa. E perdi no motel. Pronto. Não tenho desculpas. Se você quiser encerrar nosso casamento agora, eu compreenderei. Ela fez cara de choro. Depois correu para o quarto e bateu com a porta. Dez minutos depois reapareceu. Disse que aquilo significava uma crise no casamento deles, mas que eles, com bom-senso, a venceriam.
— O mais importante é que você não mentiu pra mim.