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Saul Leblon: Dilma pode escolher

Ser Francisco ou Berbóglio

na Carta Maior

A história não é fatalidade. Um exemplo de quem mudou suas circunstâncias? O Papa, que deixou de ser Bergóglio para se tornar Francisco.


A incerteza que  antecede as definições do segundo governo Dilma mantém o Brasil em suspenso à direita e à esquerda.


Mercados financeiros giram feito barata tonta ao sabor dos mais desencontrados boatos.


Vendidos suplicam por um boato baixista; comprados dão a vida por uma puxada nas cotações. Ganha-se na diferença diária entre um zunzum e outro.


Especulações sobre o comando da economia oscilam entre o tudo e o nada, muito pelo contrário.


Há lastro.


Dilma Invocada: não mendigarei a indulgência do mercado

A assombração na urna
por Saul Leblon

Uma parcela majoritária dos brasileiros rejeita delegar o futuro do país aos candidatos dos mercados. Não é pouco. Mas está longe de encerrar a disputa.

Quando as urnas de outubro emitirem o seu veredito, sendo ele o que se espera, terá início um novo turno.

Ele desenhará um capítulo decisivo na história da luta progressista no Brasil.

É recomendável acalmar o país após um pleito encarniçado, aconselham setores do PT à Presidenta Dilma.

É verdade. A primeira obrigação de um Presidente vitorioso é desarmar os espíritos, reabrir canais de diálogo, propor uma agenda de negociação. Pacificar a crispação eleitoral.

Mas é preciso ter claro: repetir o que já vem sendo feito será pouco mais que mendigar indulgência aos mercados.

Eles não a concederão.

A menos que o vencedor adote o programa derrotado.

Não se trata, portanto, apenas de exercer um quarto e sucessivo mandato progressista em um país em desenvolvimento.

O ponto a reter é que estamos diante de desafios que prenunciam o ciclo mais delicado da trajetória nacional desde 2002.

A vitória nas urnas será um passo do caminho.

Entre outros recados, a reeleição de Dilma significará que uma parcela majoritária dos brasileiros se recusou a delegar a tarefa do futuro à livre escolha dos mercados.

Não é pouca coisa.

Dadas as condições da disputa, contra uma frente única conservadora local e global, em meio a uma crise internacional que se arrasta por seis anos, e considerando-se o desgaste inevitável de 12 anos de governos progressistas, chega a ser um feito histórico.

O safanão dos votos nos apetites plutocráticos, portanto, demarca as linhas de campo do jogo.

Mas está longe de encerrar a disputa.

O nome do jogo é construir uma alternativa à lógica dos puros-sangues cevados na alfafa rentista, que exaurem a sociedade, tem maioria no legislativo, detém meios financeiros para sabotar a economia e dispõem de um oligopólio midiático para acabrunhar as expectativas de toda a sociedade.

Indiferentes ao veredito das urnas, eles não cessarão de escoicear as estrebarias cobrando a validação da rédea solta que a vitória de Marina ou Aécio lhes facultaria.

Mudar essa correlação de forças é o turno histórico que começa imediatamente após a contagem do último voto em outubro.

Trata-se de encurtar a rédea do tropel xucro para devolver ao Estado e à sociedade a capacidade de mobilizar forças e recursos e assim coordenar o passo seguinte do país no século XXI.

O Brasil dispõe hoje de uma incontrastável rede de controles financeiros e ideológicos, públicos e privados, nativos e forâneos, com braços que se articulam de dentro e de fora do país, indo das universidades às consultorias de mercado, da prontidão midiática aos partidos políticos conservadores.

Esse redil articulado e eficiente trabalha sob prontidão máxima para não deixar escapar um objetivo central.

Qual?

Assegurar a valorização real à liquidez rentista, independente do seu custo social.

Garantir que anualmente se reserve algo como 3% do PIB em recursos fiscais ao pagamento de juros da dívida pública (cujo serviço efetivo atinge quase o dobro disso, somadas rolagens, vencimentos, capitalizações).

Esse é o dogma angular da catedral conservadora.

Foi sobretudo em torno dele que se estruturou a lengalenga do discurso da terceira via vocalizado pela doce Marina, assim como a promessa de resgate ‘dos fundamentos’, ecoada por Aécio e seus armínios.

Os efeitos colaterais da ração rentista –uma taxa de retorno irreproduzível no investimento produtivo, nas mesmas condições de liquidez, segurança e rentabilidade– explicam em boa parte a anemia na formação bruta de capital fixo no país.

Com os desdobramentos sabidos.

O investimento (em máquinas, tecnologia) é a alavanca da inovação e da produtividade sistêmica.

Sem ele, a economia cresce pouco, a indústria murcha, os empregos de melhor qualidade escasseiam.

O país perde competitividade internacional. Seu mercado é invadido por importados.

Empregos, renda e impostos vazam para o exterior. Cadeias produtivas locais são corroídas, ademais de desequilibrar a contabilidade externa: hoje, mais de 1/5 da manufatura consumida no país é importada. O déficit cambial da indústria é de quase US$ 100 bi, o valor equivale a cerca de 25% das reservas brasileiras.

O conjunto favorece a arenga do ‘custo Brasil’, que em certa medida pretende compensar a atrofia do investimento com a hipertrofia da exploração dos assalariados.

Mas também com privatizações e sucateamento de serviços –recurso ortodoxo para emagrecer a máquina pública exposta a uma espiral de demandas que as receitas atrofiadas do baixo crescimento não dão conta de atender.

O saldo da condicionalidade rentista é tão compatível com o equilíbrio macroeconômico quanto enxugar o chão com a torneira aberta.

Não é uma questão técnica ou uma queda de braço apenas local.

Thomas Piketty que o diga.

A renda média da família norte-americana hoje é 8% inferior a existente em 2007, antes da crise. E já estava estagnada em relação ao nível de 1999.

Ou seja, há 15 anos a renda da classe média da nação mais rica da terra não cresce, enquanto nesse meio tempo a bocarra financeira já se empanturrou de lucros e bolhas suficientes para levar o capitalismo mundial a sua pior crise desde 1929.

Essa é a determinação central da luta de classe em nosso tempo, que tem na bomba norte-americana de sucção de capitais um abrigo seguro para o dinheiro arisco de todo o mundo.

É assim que a livre mobilidade dos capitais desautoriza as urnas e afronta governos progressistas em todo o planeta.

Ao mesmo tempo que impede o controle dos juros pelo Estado, sabota impostos e taxas que compensem a sua sangria no poder fiscal dos governos.

A ‘solução’ proposta pelo conservadorismo nas eleições presidenciais de 2014 consiste em resgatar o Estado mínimo, dar independência ao BC em relação à democracia, ‘flexibilizar’ a correção do poder de compra das famílias assalariadas.

Enfim, oficializar o descompromisso entre as urgências da população e as obrigações do Estado.

É forçoso repetir: se tudo ocorrer como se prenuncia, essa diretriz terá sido rechaçada nas urnas de 2014 no Brasil.

O desafio será substituí-la por uma coordenação –interna e de alianças internacionais– que propicie a delicada sintonia política entre a agenda do Bem-estar Social e a produtividade capaz de suportá-la.

A prioridade recente à infraestrutura e o impulso industrializante do pré-sal em toda cadeia de fornecedores da Petrobrás constituem trunfos invejáveis do Brasil na disputa pela competitividade em nosso tempo.

O conjunto, porém, ainda carece da legitimidade de um projeto ancorado em amplo escrutínio social, que dê ao governo meios políticos para agir além da margem incremental que desacredita o Estado e enerva a cidadania.

Hoje, esse debate sobre custos, prazos, metas, concessões, sacrifícios e salvaguardas flutua acima da sociedade, restrito à linguagem cifrada do jornalismo econômico conservador.

Será preciso politizá-lo, como Dilma e Lula começaram a fazer na campanha em relação ao BC independente, para explicitar escolhas e pactuar compromissos de curto, médio e logo prazo.

Embora a Presidenta Dilma tenha repelido a ideia de promover desemprego e castrar direitos trabalhistas –‘nem que a vaca tussa’, disse ela– para reduzir a inflação ou baixar custos’, hesita-se em transformar a encruzilhada brasileira em uma agenda de debate popular.

Tal blindagem permite que se difunda a confusão proposital entre eficiência e exploração.

Na vida real de uma nação, as urgências da sociedade, quando despolitizadas e tratadas em regime incremental de longo prazo, não raro levam ao desatino regressivo.

Massas de forças descomunais em conflitos insolúveis podem arrastar uma nação para correntezas incontroláveis, sujeitando-a a predadores ferozes.

Sacudir a agenda do futuro brasileiro a salvo da entropia do arrocho, requer uma alavanca capaz de irradiar impulsos tão fortes quanto aqueles derivados das assembleias históricas registradas no estádio da Vila Euclides, em São Bernardo do Campo nos anos 80.

Não será o PT exaurido por 12 anos de governo que fará isso sozinho –ele próprio carente de um aggiornamento só crível se tiver forças dirigentes que o reconduzam a um mergulho de volta à organização de base dos movimentos sociais.

O terceiro turno das eleições de 2014 é uma tarefa para o engajamento democrático de amplas forças da sociedade brasileira, cujo catalisador pode ser a luta pela Constituinte da reforma política.

Nisso o destino do PT e o do desenvolvimento progressista se entrelaçam firmemente.

Por exemplo, no desafio de engajar politicamente 24 milhões de jovens brasileiros moradores das periferias urbanas.

Eles representam cerca de 17% da população ,conforme estudo da Serasa Experian, divulgado esta semana, que traça o perfil de 11 segmentos que compõem o mosaico de renda da sociedade.

Hoje, a inserção desse contingente se dá, predominantemente, pelo rally do consumo.

Embora desfrutem de renda baixa, esse grupo de moços e moças entre 21 e 35 anos captou um quinto de todo o crédito liberado pelo sistema financeiro brasileiro.

Seu caso evidencia uma dimensão não mais adiável do terceiro turno à vista.

Nela, as forças progressistas vão se defrontar com seu principal fantasma e a mais grave omissão.

A abrangência das mutações econômicas e sociais registradas no país desde 2004 não se fez acompanhar de uma contrapartida no plano da representação política.

O economista Márcio Pochman, arguto observador desse assombração político, sugere que ele lança a luz mais esclarecedora sobre irrupção de protestos registrados nas ruas brasileiras em 2013.

Sua angulação expõe um flanco pouco debatido das políticas sociais desse período, na verdade, quase um tabu.

O carro-chefe delas, o decano Bolsa Família, chega hoje a 14 milhões de lares, reúne o formidável contingente de 50 milhões de beneficiados.

Não possui um único fórum próprio que os expresse.

O engajamento dos principais interessados talvez até barateasse a estrutura do programa, obsessão do conservadorismo que, todavia, vetou os comitês gestores formados por representações locais do Fome Zero, logo no início de 2003.

Do alto de seus 380 anos de casa grande e senzala, as elites brasileiras são acometidas de surtos psicóticos ao menor ensaio de organização democrática dos interesses populares.

‘Bolivarianismo’ , sapecam de bate pronto, como o fizeram agora contra a Politica de Participação Social do governo –um bem-vindo sinal de autocrítica do governo, ao lado da proposta de plebiscito pela Constituinte da reforma política.

Outros paradoxos associados às politicas e programas desenvolvidos nos últimos anos sugerem que o próprio PT se deixou amedrontar pelo preconceito conservador.

Cerca de 1,7 milhão de jovens beneficiados pelo Programa Universidade para Todos (PROUNI) e o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) somam 31% do total das matrículas no sistema privado de ensino superior no Brasil.

Todavia, pergunta Pochmann, onde estão as entidades estudantis revigoradas por esse aluvião de juventude popular no ensino superior?

Não acabou.

Mais de 20 milhões de trabalhadores conquistaram um emprego no mercado formal desde 2003. Mas e a taxa de sindicalização? Ela permanece estagnada, fuzila o economista.

O Programa Minha Casa Minha Vida completou cinco anos em abril tendo contratado 3,39 milhões de unidades (das quais, 1,68 milhão já foram entregues).

Mais de seis milhões de pessoas foram beneficiadas. Quantas associações de moradores foram estruturadas e participam da agenda urbana atualmente?

Assim por diante.

As perguntas incomodas de Márcio Pochmann –já listadas mais de uma vez neste espaço– indicam que certas dimensões do desafio do desenvolvimento foram perigosamente negligenciadas nos últimos anos.

Transformações democráticas fornecem, muitas vezes, a única alavanca capaz de remover obstáculos econômicos intransponíveis quando abordados no âmbito de sua própria lógica.

Por isso mesmo, o baixo incentivo ao engajamento dos contingentes ticados pelas políticas sociais nos últimos anos talvez tenha atingido seu ponto de saturação.

Os impasses sobrepostos na engrenagem do desenvolvimento brasileiro implicam romper estruturas anacrônicas e construir outras novas, ao mesmo tempo e com igual intensidade. Quase como atravessar um rio de dupla correnteza, uma puxando para cada lado.

Quem acha que pode haver equilíbrio macroeconômico nesse ambiente açoitado por ventos em litígio, acredita em fadas. A fada dos mercados autorreguláveis, por exemplo.

Mas quem acredita que é possível desencadear um novo ciclo de desenvolvimento sem um protagonista social que o conduza, incorre igualmente em perigosas ilusões.

O turno à vista após outubro oferece ao campo progressista a chance de se desfazer dessas miragens.

Talvez a derradeira oportunidade, para não ser engolido por elas.

Saul Leblon: Marina você desbotou




...Serve ao Brasil um Presidente da República que terá apenas o orçamento fiscal para governar, já que a moeda, o juro, o câmbio e o poder de compra das famílias serão ordenados pela banca através do BC independente?

Serve ao Brasil um Presidente da República que tem como meta programática desregular o mercado de crédito no país? E desobrigar a banca privada da destinação obrigatória de parte dos depósitos à vista e da poupança ao crédito agrícola e ao financiamento habitacional?

Serve ao país um Presidente da República que se propõe a reforçar a hipertrofia de um poder financeiro, cuja participação na Bolsa brasileira já é o dobro da registrada pelo seu equivalente nos EUA, mas que não financia a produção e menos ainda a infraestrutura?

Serve ao país um Presidente da República que se avoca herdeira dos protestos de 2013 por melhores serviços e maior qualidade de vida, mas que se apoia em uma terceirização do poder de Estado desse calibre? Leia na íntegra>>>


Editorial

Deus e o diabo na terra da Globo
Exatamente a sessenta anos atras Getúlio Vargas cometia suicídio, a direita conservadora reedita em farsa a tragédia. Ensaia um simulacro de catarse nacional varguista emprestando à consternação pela morte de Eduardo Campos uma dimensão histórica que ele não tem. Nosso Grande e genial Glauber Rocha que entendia muito de misticismo sempre deixou claro: Deus nos deu a vida. O diabo inventou a cerca e arame farpado. O pig quer nos vender arame farpado como a redenção brasileira. Continua>>>

O Brasil sob a neblina da guerra, por Saul Leblon

Toda a semelhança com o bombardeio israelense realizado indiscriminadamente contra palestinos destinado a inocular o sentimento de rendição, submissão incondicional não é mera coincidência


A expressão ‘a névoa da guerra’ é uma metáfora do elevado grau de incerteza que cerca o campo de batalha no momento que antecede o conflito.

Seu formulador, Carl von Clausewitz (1780/1831), um general prussiano ilustrado, amante da filosofia e da literatura, tutor do príncipe herdeiro Frederico Guilherme IV, é autor de outra máxima de reconhecida pertinência na compreensão dos conflitos modernos: ‘a guerra é a continuação da política por outros meios’.

A névoa da guerra recobre o noticiário brasileiro nessa antessala da eleição de outubro.

A neblina da desinformação é tão espessa que ofusca a própria visão do campo progressista sobre seus desafios e possibilidades.

A mídia não reflete apenas a incerteza da disputa; ela é a principal usina irradiadora das nuvens de pessimismo através das quais, para glosar Clausewitz, a política se transforma na continuação da guerra por outros meios.

Os desequilíbrios inscritos no crescimento brasileiro dos últimos anos – sobretudo a endogamia entre juros altos e câmbio valorizado, que atrai capitais especulativos, encharca o mercado de dólar, barateia importações e comprime a indústria local — não explicam o belicismo do noticiário.

Sua determinação, na verdade, é criar um ambiente de prostração eleitoral.

Tornar a sociedade refém do pânico próprio das presas enredadas em tragédias inelutáveis e incompreensíveis.

Qualquer semelhança com o bombardeio indiscriminado destinado a inocular o sentimento de rendição incondicional em populações civis não é mera coincidência.

Israel o faz com artefatos explosivos. A emissão conservadora, com manchetes.

No caso específico da economia brasileira, a manipulação de uma cortina de fogo de adversidades e revezes é operada de forma a impedir que o eleitor alcance o discernimento das grandes questões em jogo na disputa eleitoral em curso.

Em primeiro lugar, o discernimento histórico de que contradições macroeconômicas são inerentes ao capitalismo.

Em segundo lugar, que hoje elas estão exacerbadas pelo movimento errático de massas descomunais de fluxos financeiros, engalfinhadas na disputa virulenta por um pedaço da riqueza global.

Que foi diminuída ao longo de seis anos de colapso da ordem neoliberal.

Em terceiro lugar, trata-se de naturalizar as relações de um capitalismo sem freios, para desautorizar agendas alternativas.

Faz parte dessa mutação ‘esquecer’ que já não foi assim nos seus próprios termos.

Mas não foi.

Há exatamente 70 anos, em 22 de julho de 1944, o acordo assinado em Bretton Woods –que o neoliberalismo cuidou de sepultar na década de 80— visava impedir o que predomina agora.

Ou seja, a lógica de um capitalismo ensandecido em sua própria liberdade.

Que submente nações aos desígnios da mobilidade extorsiva dos capitais, sonegando-lhes instrumentos para ordenar seu fluxo na economia, ademais de negar-lhe o poder de comando sobre variáveis cruciais do desenvolvimento, como as políticas monetária, fiscal e cambial.

A libertação dos demônios reprimidos em Bretton Woods não sepultou apenas os alicerces do Estado do Bem-Estar Social.

Ela ameaça conduzir a humanidade a um estágio de indiferenciação regressiva entre a ordem jurídica, o sistema político e a hegemonia irretorquível dos mercados financeiros.

Já vivemos isso antes quando o dono da terra era o dono do servo, o dono da lei, o senhor da vida e da morte.

No absolutismo moderno, Estados e nações são chantageados incessantemente pelos mais diferentes marcadores da cobiça e das expectativas manejados pelos mercados financeiros desregulados.

Não só as bolsas, os mercados futuros e as agências de risco, mas também a mídia associada.

Tangidos pela volatilidade ininterrupta de variáveis que não controlam –e cuja coordenação exigira um poder de comando estatal demonizado como ilegítimo— governantes se veem obrigados a elevar a taxa de juros a níveis recessivos para evitar a fuga de capitais; a política cambial escapa-lhes pelos dedos; oscilações adversas nas paridades ora desencadeiam a perda da competitividade manufatureira, ora impõem o arrocho salarial sobre as famílias, ademais da perda do poder de compra nas relações de troca internacionais.

Um governante que acene com políticas de controle de capitais, estabilização cambial e cortes nas taxas de juros será comprimido até esfarelar por entre as pinças de um articulado alicate global e local.

Calcula-se que a estagnação dos negócios provocada pela crise de 2008 tenha acumulado atualmente nos caixas das grandes corporações norte-americanas cerca de US$ 7 trilhões em capitais ociosos.

É só um dos reservatórios da liquidez circulante no planeta.

Capturar o Estado de uma economia com a envergadura que tem a brasileira interessa sobremaneira a essa riqueza fictícia, compelida a uma corrida de vida ou morte pelo planeta para alimentar a sua reprodução.

É disso também que se trata nas urnas de outubro próximo.

Disso e do seu contrário.

Ou seja, de construir uma política de investimento de longo prazo, que detenha o comando das variáveis que dão margem de segurança e previsibilidade ao cálculo econômico contra o tsunami externo.

Mais ainda.

De fazê-lo na era dos mercados desregulados, quando todo capital é capital estrangeiro e, independente da nacionalidade jurídica, opera contra barreiras de comando público e soberania democrática.

É disso que se trata também quando o jornalismo abestalhado de ideologia neoliberal menospreza a importância dos instrumentos de coordenação financeira criados na reunião de cúpula dos Brics, realizada agora no Brasil.

O que a neblina ofuscante da emissão conservadora providencia nesse acirramento da disputa é a interdição implacável da politização da economia, único antídoto à rendição incondicional aos mercados prescrita por seus candidatos do peito e da alma.

Faz parte desse boicote a greve do capital contra o investimento.

Repita-se, a economia brasileira encerra desequilíbrios reais.

Em parte derivados da transição em curso no cenário global (superliquidez de um lado, baixo crescimento do comércio, de outro).

Mas não são eles que explicam o recuo acelerado das inversões produtivas nos últimos meses, magnificado pelas sirenes do apocalipse midiático.

O principal impulso vem da disputa para alterar a correlação de forças da sociedade nas urnas de outubro. E desfrutar, a partir daí, das vantagens de um novo ciclo de expansão da riqueza sob auspícios da restauração neoliberal no Brasil.

Sugestivo desse braço de ferro é o resultado da pesquisa feita pela consultoria Grant Thornton realizada junto a 12.500 empresas, em 45 países, divulgado no mês passado.

A enquete mostra uma dualidade paradoxal dos humores no país.

Cerca de 20% dos executivos consultados aqui esperam piora no desempenho da economia nos próximos 12 meses.

A taxa está acima da média global (15%).

Em contrapartida, 46% das companhias instaladas no Brasil garantem que vão ampliar seus investimentos em máquinas e equipamentos nos mesmos próximos 12 meses.

Mais: 24% pretendem construir novas instalações no período.

Os números são os maiores do mundo nos dois quesitos.

Nos EUA, investimentos em máquinas e equipamentos estão previstos nos planos de 43% das empresas, diz o levantamento da Grant Thornton --a taxa é de 37% no Reino Unido, 35% na Alemanha e 32% no Japão.

Na China, o percentual cai a 29%; no México, o novo titã dos livres mercados, recua a 28% --bem abaixo da média global de 37%.

Os dados corroboram a percepção de que a neblina da guerra eleitoral ofusca a realidade subjacente à disputa.

O que as urnas de outubro vão dizer é quem terá a hegemonia na condução do novo ciclo de desenvolvimento na sociedade que reúne a 5ª maior extensão territorial do planeta, abriga mais de 200 milhões de habitantes, sendo 90 milhões de assalariados, tem uma renda per capita crescendo acima de 2% ao ano, em média, e consolidou um mercado de consumo popular que já representa 53% da população.

Uma economia que tem um encontro marcado com um pico de investimentos em infraestrutura entre 2015 e 2017, somando R$ 299,2 bilhões, ademais de uma espiral de produção de petróleo extraído das maiores reservas descobertas no mundo no século XXI.

A 'névoa da guerra' não borra apenas esses contornos do campo de batalha.

Ela oculta os projetos de futuro em duelo no confronto.

O fatalismo midiático trata um como populista. Consagra ao outro o título de passaporte para a redenção brasileira.

Deslindar o sentido dessa rotulagem aos olhos do eleitor implica romper a visão economicista que frequentemente contamina o próprio discurso do governo.

Não é uma questão retórica.

A politização das escolhas do desenvolvimento significa estender ao eleitor, de fato, a tarefa de ir além do voto, para no momento seguinte da urna se engajar na construção efetiva do destino sufragado. Ou este não se consumará.


Elite vip e sua grei - Vão vocês tomar no cu

A elite reserva ao país o mesmo lugar exortado à presidente

Quando a elite de uma sociedade se reúne em um estádio de futebol e a sua manifestação mais singular é um coro de ofensas de baixo calão, quem é o principal atingido: o alvo ou o emissor?

Vaias e palavrões são inerentes às disputas futebolísticas. Fazem parte do espetáculo, assim  como o frango e o gol de placa. A passagem de autoridades por estádios nunca foi impune.

O que se assistiu no Itaquerão, porém, no jogo inaugural da Copa, entre Brasil e Croácia, não teve nada a ver com o futebol ou deboche, mas com a disputa virulenta em curso  pelo comando da história brasileira.

Sem fazer parte da coreografia oficial o que aflorou ali foi a mais autêntica expressão cultural de um lado desse conflito, nunca antes assumido assim de forma tão desinibida  e ilustrativa.

Encorajado pelo anonimato, o gado OP (puro de origem) mostrou o pé duro dos seus valores.

Dos camarotes vips um jogral raivoso e descontextualizado despejou sua bagagem de refinamento e boas maneiras  sobre uma Presidenta da República em missão oficial.

Por quatro vezes, os sentimentos de uma elite ressentida contra aqueles que afrontam a afável, convergente e impoluta lógica de sociedade que vem construindo aqui há mais de cinco séculos, afloraram durante o jogo.

Foi assim que essa gente viajada, de hábitos cosmopolitas, que se envergonha de um Brasil no qual recusa a enxergar o próprio espelho, ofereceu a um bilhão de pessoas conectadas à Copa em 200 países uma síntese dos termos elevados com os quais tem pautado a disputa política  no país.

Que Aécio & Eduardo tenham se esponjado nessa manifestação dá o peso e a medida do espaço que desejam ocupar no espectro da sociedade brasileira.

Dias antes, o  ex-Presidente Lula havia comentado que nem a burguesia venezuelana atingira contra Chávez o grau de desrespeito e preconceito observado aqui contra a Presidenta Dilma.

Houve quem enxergasse nessas palavras uma carga de retórica eleitoral.

A cerimônia da 5ª feira cuidou de devolver pertinência  à observação.

A formação virtuosa da infância,  o compromisso com a civilização, a sorte do desenvolvimento  e  os destinos da sociedade há muito deixaram de interessar à elite brasileira.

A novidade do coro contra  Dilma é refletir  o desejo  cada vez mais explícito  de mandar o país ao mesmo lugar exortado  à Presidenta.

Ou não será esse o propósito estratégico do camarote  vip ao apregoar o descolamento da sociedade brasileira de uma vez por todas, acoplando-a à grande cloaca mundial de um capitalismo sem peias, onde  se processa  a restauração neoliberal pós-2008?

Nesse imenso biodigestor de direitos e desmanche do Estado acumula-se o adubo  no qual floresce  a alta finança desregulada, que tem nos endinheirados brasileiros  os detentores da 4ª maior fortuna do planeta evadida em paraísos fiscais.

Estudos da  The Price of Offshore Revisited,  coordenados pelo ex-economista-chefe da McKinsey, James Henry, revelam que os brasileiros muito ricos – que se envergonham de um governo corrupto–  possuíam, até 2010, cerca de US$ 520 bilhões  em paraísos fiscais.

O passaporte definitivo  para esse  ‘novo normal’ sistêmico requer a vitória, em outubro, das candidaturas que carregam no DNA o mesmo pedigree da turma que deu uma pala na festa de abertura da Copa. Não propriamente contra Dilma, mas contra o que ela simboliza: a tentativa de se construir por aqui um Estado social que assegure aos  sem riqueza os mesmos direitos daqueles que enxergam no espaço público  um  mero apêndice  do interesse plutocrático. 

A expressão ‘vale tudo’ descreve com fidelidade o que tem sido e será, cada vez mais, o bombardeio   para convencer o imaginário brasileiro  das virtudes intrínsecas  à troca do ‘populismo’  pelo estado de exceção de direitos e conquistas sociais, em benefício dos livres mercados.

A mídia está aí para isso, como se viu pela cobertura dos fatos da última 5ª feira. Trata-se de saber em que medida o discernimento social, condicionado por uma esférica máquina de difusão dos interesses vips,  saberá distinguir um caminho que desvie a nação do futuro metafórico reservado a ela nos planos,  agora explicitados, de sua elite.

A indigência do espírito público dos endinheirados brasileiros, reconheça-se,  não é nova. Mas se supera.

O antropólogo Darcy Ribeiro foi  um legista  obcecado dos seus contornos e consequências para a formação do país, a sorte de sua gente e a qualidade do seu desenvolvimento.

Em um texto de  1986, ‘Sobre o óbvio – Ensaios Insólitos’, o criador da Universidade de Brasília, e chefe da Casa Civil de Jango, iluminou os traços dessa rosca descendente, confirmada  28 anos depois, em exibição mundial,  na abertura da Copa de 2014.

Política e Economia - A encruzilhada brasileira


O jogral do Brasil aos cacos esforça-se por  convencer a sociedade de que seus pés tateiam  o precipício  no qual o PT  transformou tudo aquilo que um dia já foi uma economia  de fundamentos sólidos, um país de  vida aprazível.


Narra-se  o Brasil  abanando leques para os donos da casa-grande.

O jogo pesado, por Saul Leblon

Querem tirar a Petrobras do campo

O caso Pasadena pode ser tudo menos aquilo que alardeia a sofreguidão conservadora.

Pode ser o resultado de um ardil inserido em um parecer técnico capcioso. Pode ser fruto de um revés de mercado impossível de ser previsto, decorrente da transição desfavorável da economia mundial; pode ser ainda  –tudo indica que seja–  a evidência ostensiva da necessidade de se repensar um critério mais democrático para o preenchimento de cargos nas diferentes instancias do aparelho de Estado.

Pode ser um mosaico de  todas essas coisas juntas.

Mas não corrobora justamente aquela que é a mensagem implícita na fuzilaria conservadora nos dias que correm.

Qual seja,  a natureza prejudicial da presença do Estado na luta pelo desenvolvimento do país.

Transformar a história de sucesso da  Petrobrás em um desastre de proporções ferroviárias é o passaporte para legitimar a agenda conservadora nas eleições de 2014.

Ou não será exatamente o martelete contra  o ‘anacronismo intervencionista do PT’  que interliga as entrevistas e análises de formuladores e bajuladores das candidaturas Aécio & Campos? (Leia ‘Quem vai mover as turbinas do Brasil?’)

Pelas características de escala e eficiência, ademais da  esmagadora taxa de êxito que lhe é creditada – uma das cinco maiores petroleiras do planeta, responsável pela descoberta das maiores reservas  de petróleo do século XXI–  a Petrobrás figura como uma costela de pirarucu engasgada na goela do mercadismo local e internacional.

Ao propiciar ao país não apenas a autossuficiência, mas a escala de descobertas que encerram o potencial de um salto tecnológico, capaz de contribuir para  o impulso industrializante de que carece o parque fabril do país, a Petrobrás reafirma a relevância insubstituível da presença estatal na ordenação da economia brasileira. 

Estamos falando de uma ferramenta da luta pelo desenvolvimento. Não de um conto de fadas.

Há problemas.

A empresa tem arcado com  sacrifícios equivalentes ao seu peso no país.

Há dois anos a Petrobrás vende gasolina e diesel por um  preço 20% inferior ao que paga no mercado mundial.

Tudo indica que a cota de contribuição para mitigar as pressões inflacionárias decorrentes  de choques  externos e  intempéries climáticas tenha chegado ao limite.

Mas  não impediu que a estatal fechasse 2013 como a petroleira que mais investe no mundo: mais de US$ 40 bilhões/ano: o dobro da média mundial do setor.
Ademais, ela é campeã mundial no decisivo quesito da  prospecção de novas reservas.

Os números retrucam o jogral do ‘Brasil que não deu certo’.

O pré-sal já produz  405  mil barris/dia.

Em quatro anos, a Petrobras estará extraindo 1 milhão de barris/dia da Bacia de Campos.

Até 2017, ela vai investir US$ 237 bilhões; 62% em exploração e produção. Em 2020, serão 2,1 milhões de barris/dia.

Praticamente dobrando  para 4 milhões de barris/dia a produção brasileira atual.

O conjunto explica o interesse dos investidores pela petroleira verde-amarela que está sentada sobre uma poupança  bruta formada de 50 bilhões de barris do pré-sal.

Mas pode ser o dobro disso;  os investidores sabem do que se trata e com quem estão falando.

Há duas semanas, ao captar US$ 8,5 bi no mercado internacional, a Petrobrás  obteve oferta de recursos em volume  quase três vezes superior a sua demanda.

O marco regulador do pré-sal –aprovado com a oposição de quem agora agita a bandeira da defesa da estatal–- instituiu o regime de partilha e internalizou o comando de todo o processo tecnológico, logístico, industrial, comercial e financeiro da exploração dessa riqueza.

Todos os contratados assinados nesse âmbito passam a incluir cláusula obrigatória de conteúdo nacional nas compras, da ordem de 50%/60% , pelo menos.

Esse é o ponto de mutação da riqueza do fundo do mar em prosperidade na terra.

Toda uma cadeia de equipamentos, máquinas, logística, tecnologia e serviços diretamente ligados, e também externos, ao ciclo do petróleo será  alavancada nos próximos anos.

O conjunto pode fazer do Brasil um grande exportador industrial inserido em cadeias globais de suprimento e inovação  –justamente o que falta ao fôlego do seu desenvolvimento no século XXI.

É o oposto do projeto subjacente ao torniquete de manipulação e  engessamento que se forma em torno da empresa nesse momento.

Para agenda neoliberal não faz diferença  que o Brasil deixe de contar com uma alavanca industrializante com as características reunidas pela Petrobrás.

Pode ser até bom.

O peso de um gigante estatal na economia atrapalha a ‘ordem natural das coisas’ inerente à dinâmica dos livres mercados, desabafa a lógica conservadora.

A verdade é que se fosse depender da ‘ordem natural das coisas’ o Brasil seria até hoje um enorme cafezal, sem problemas de congestionamento ou superlotação nos aeroportos, para felicidade de nove entre dez colunistas isentos.

Toda a industrialização pesada brasileira, por exemplo  –que distingue o país como uma das poucas economias em desenvolvimento dotada de capacidade de se auto-abastecer de máquinas e equipamentos— não teria sido feita.

Ela representou uma típica descontinuidade na ‘ordem natural das coisas’.

A escala e a centralização de capital necessárias a esse salto estrutural da economia não se condensam espontaneamente em um país pobre.

Num  mercado mundial já dominado por grandes corporações monopolistas nessa área e em outras, esse passo, ou melhor, essa ruptura, seria inconcebível sem forte intervenção estatal no processo.

Do mesmo modo, sem um banco de desenvolvimento como o BNDES, demonizado pelo conservadorismo, a indústria e a economia como um todo ficariam comprometidos pela ausência de um sistema financeiro de longo prazo, compatível com projetos de maior fôlego.

Do ponto de vista conservador, o financiamento indutor do Estado, a exemplo do protecionismo tarifário à indústria nascente  –implícito nas exigências de conteúdo nacional no pré-sal–  apenas semeiam distorções de preços e ineficiência no conjunto da economia.

É melhor baixar as tarifas drasticamente; deixar aos mercados a decisão sobre  quem subsistirá e quem perecerá para ceder  lugar às importações.

O corolário dessa visão foi o ciclo de governos do PSDB,  quando se privatizou, desregulou e se reduziu barreiras à entrada e saída de capitais.

A Petrobrás resistiu.

Em 1997, até um novo batismo fora providenciado para lubrificar a operação de fatiamento e venda dos seus ativos aos pedaços.

Não seu.

Dez anos depois, em 2007, essa resistência ganharia um fortificante ainda mais indigesto aos estômagos conservadores, com a descoberta e regulação soberana das reservas do pré –sal.

Num certo sentido, a arquitetura de exploração do pré-sal avança um novo degrau na história da industrialização brasileira.

Mais que isso,  esboça um modelo.

Se a empresa privada nacional  não tem escala, nem capacidade tecnológica para suprir as demandas do desenvolvimento, uma estatal pode –como o faz a Petrobras -  instituir prazos e definir garantias de compra que de certa forma  tutelem  a iniciativa privada deficiente.

Dando-lhe encomendas para  se credenciar ao novo ciclo de expansão do país –e até mesmo operar em escala global, inserindo-se nas grandes cadeias da indústria  petroleira.

A outra  alternativa seria bombear  a receita petroleira  diretamente para fora do país, vendendo o óleo bruto.

E renunciar assim aos múltiplos de bilhões de dólares de royalties que vão irrigar o fundo do pré-sal e com ele a educação pública das futuras gerações de crianças e jovens do Brasil. 

Ou  então vazar  impulsos industrializantes para encomendas no exterior , sem expandir polos tecnológicos, sem engatar cadeias de equipamentos, nem elevar  índices de nacionalização em benefício de empregos e receitas locais.

A paralisia  atual da industrialização brasileira  é um problema real que afeta todo o tecido econômico.

Asfixiada durante três décadas pelo câmbio valorizado e pela concorrência chinesa, a indústria brasileira de transformação perdeu elos importante, em diferentes cadeias de fornecimento de insumos e implementos.

A atrofia é progressiva.

O PIB cresceu em média 2,8% entre 1980 e 2010; a indústria da transformação cresceu apenas 1,6%, em média. Sua fatia nas exportações recuou de 53%, entre 2001-2005, para 47%, entre 2006-2010 .

O mais preocupante é o recheio disso.

Linhas e fábricas inteiras foram fechadas. Clientes passaram a se abastecer no exterior. Fornecedores se transformaram em importadores.

Empregos industriais foram eliminados; o padrão salarial do país foi afetado, para pior.

É possível interromper essa sangria, com juros subsidiados, incentivos, desonerações, protecionismo e ajuste do câmbio, como está sendo feito pelo governo.

Mas é muito difícil reverter buracos consolidados.

O dinamismo que se perdeu teria que ser substituído por um gigantesco esforço de inovação e redesenho fabril, a um custo que um país em desenvolvimento dificilmente poderia arcar.

Exceto se tivesse em seu horizonte a exploração centralizada e soberana, e o refino correspondente, das maiores jazidas de petróleo descobertas no século 21.

Esse trunfo avaliza a possibilidade de se colocar a  reindustrialização  como uma resposta política  do Estado brasileiro à crise mundial.

Nada disso  pode ser feito sem a  Petrobrás.

Tirá-la do campo em que se decide o futuro do Brasil: esse é o jogo pesado que está em curso no país.

Saul Leblon - A velha senhora, a turbulência cambial, está de volta à América Latina


Ela nunca viaja sozinha.    


Em geral, faz-se acompanhar de sua inseparável dama de companhia, a instabilidade política.



Divisores importantes da história continental tiveram na alavanca cambial uma de suas forças de impulsão.



O colapso da dívida externa dos anos 80 foi um caso.



A paulada nos juros promovida  pelos EUA, em 1979, reeditou o dólar forte, barateou as importações americanas, baixou a inflação do país (que chegara a 12%) e compensou a sangria comercial, decorrente da elevação dos preços do petróleo, em 1973.



Resolveu o problema americano.  



Mas alteraria toda a estrutura  de passivos das economias  em desenvolvimento.



As taxas de juros norte-americanas  saltaram de um dígito para mais de 20%.



Foi o tiro de largada para a crise da dívida externa que desencadearia um efeito dominó com a quebradeira do México, Polônia, Brasil etc.



Empréstimos tomados a taxas  flutuantes, súbito tornar-se-iam impagáveis.



Teve um aspecto positivo:  a margem de manobra de ditaduras militares, como a brasileira, estreitou-se a tal ponto que terminariam abandonadas por amplos segmentos de seus patrocinadores empresariais.



O que se vive agora é uma  paulada de novo tipo, desfechada pelas  mesmas mãos.



O colapso das sub primes em 2008 produziu a maior crise do capitalismo desde 1929.



Os EUA foram, de novo, o epicentro.



Trilhões de dólares foram despejados então pelo Fed, o BC norte-americano,  para salvar o sistema financeiro hegemônico no planeta.



Bem ou mal, o resgate teve êxito.



Mas a guerra cambial denunciada pelo Brasil, que  valorizou as moedas dos países emergentes e danificou seu equilíbrio de preços, custou caro.



No caso brasileiro, danificaria adicionalmente sua planta industrial que já vinha –há uma década - afogada em importações barateadas pelo poder de compra artificial da moeda.



Com o ensaio de recuperação em marcha nos EUA,  encerra-se a temporada de dinheiro barato.



O mundo – sobretudo o mundo em desenvolvimento - pagará novamente o tranco do ajuste.



O desafio do câmbio veio para ficar na agenda da América Latina.



Erra quem imagina que estamos diante de uma questão técnica. Câmbio e inflação são almas gêmeas, por exemplo.