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A vaidade tem um preço

E muitas vezes paga-se caro por ela
por A. Capibaribe Neto
Na verdade, a vaidade, em si, não custa tanto assim, mas o que vem junto no mesmo pacote e o que ela vai causando em seu desfile aparentemente exuberante. Assim como alugo, vez por outra, ouvidos amigos, provo, igualmente, da necessidade de praticar a paciência para escutar confissões que aparentemente diminuem o peso daquele que carrega uma dor, seja ela qual for. Estava a mais de onze mil metros de altitude, sobre o deserto da Arábia, em um voo de Istambul para Kathmandu, no Nepal, nessas coincidências que juntam duas pessoas aleatoriamente por conta da vizinhança determinada pelo número dos assentos. Em momentos assim, sou de pouco falar, de puxar conversa para ver se o tempo passa mais depressa por conta desses voos longos demais.
E estava ali, ainda me acomodando na poltrona do corredor, vendo o que havia para leitura de bordo, essas coisas, quando um cidadão me ofereceu um jornal. Não era bem isso que eu tinha em mente, mas aceitei, e nesse aceitar, quando vi, estávamos conversando sem ao menos nos apresentarmos. Descobrimos algumas coincidências entre nós que foram abrindo portas, abrindo as janelas da vida de cada um. Tinha filhos que já quase não via, tinha netos, tinha histórias e essas histórias davam conta de casamentos, separações, alegrias, decepções. Descobrimo-nos sentimentais e quase tínhamos o mesmo cuidado com as estrelas, as mesmas que podíamos ver, bem acima das nuvens, pela janela do avião. Minha visão dessas estrelas era romântica e com elas eu fazia as minhas confidências e conseguia acalmar as mágoas.
A visão dele era através de um potente telescópio com o qual se divertia quando se refugiava em sua casa de campo, não lembro mais onde. Lembrei-me de um ditado espanhol que diz: "duas pessoas olham através da mesma janela; uma vê o campo, a outra, as estrelas...". No nosso caso, víamos as mesma estrelas com olhares e sentimentos diferentes. Com o telescópio ele conseguia trazê-las para mais perto; eu costumava deixa-las onde estavam e passear, sem pressa, através de suas distâncias incomensuráveis, mas tudo no mesmo universo cheio de histórias, de mistérios e confissões. Ele falou da ex-mulher, da que veio depois dela e que morreu. Falou da tristeza de sua morte anunciada, do luto, do tempo que levou para cicatrizar o vazio aberto em seu peito e de outra que veio poucos anos depois. Até ensaiou mostrar a fotografia dela, mas desistiu de pegar a mochila no compartimento acima da minha cabeça. Melhor assim. Falou do filho irresponsável e da filha mais ainda, da qual não tinha notícias havia mais de dois anos. "É assim mesmo - tentei ajudar - filhos quando criam asas vão para longe, tentar descobrir seus espaços e horizontes...", coisa com a qual ele não concordou porque fora criado de forma diferente, apegado ao pai, protegido pela mãe. Enfim, um filho com família e com valores do que uma família representa. Aqui e ali, eu conseguia falar também. Passei a sentir uma necessidade de abrir-me, falar das minhas histórias, das malas que carregava. Consegui dizer pouco, quase nada, pois quando menos esperamos, chegou a comissária de bordo para perguntar se queríamos frango ou carne e sobre as nossas preferências pelo que beber. Enquanto ele havia falado até aquele momento eu pensava nas coincidências com as quais ele não podia imaginar. Acabou o jantar, a comissária simpática recolheu as bandejas e os copos e ele emendou. Emendar aqui é força de expressão, porque ele recomeçou o papo por outro capítulo... O que falava dos lugares por onde tinha andado, das fotografias que tinha feito. Nesse momento, eu consegui dizer que também gostava de fotografia, mais nada. Queria comentar que acabara de deixar o Afeganistão para trás, mas não houve jeito. Não houve espaço para a minha vaidade. Nem lembro mais de quantas coisas ele falou até dizer que ia cochilar um pouco. Logo depois que uma turbulência acordou a maioria, menos ele, que dormia como um anjo, a voz do chefe de cabine informava que logo aterrissaríamos no aeroporto de Kathmandu, antes do terremoto, bem entendido. Ah, queria dizer que eu tinha uma filha, mas não deu tempo, nossa viagem chegara ao fim.
no Diário do Nordeste

Séneca Entre a Vida e a Morte novo

Sugestão de JNS
 "O sábio prolongará a sua vida enquanto dever, e não enquanto puder"
                    - Séneca
                    
                    Peter Paul Rubens (1577-1640), Morte di Seneca, Alte Pinakothek, München.
"Não é a última gota que esvazia a clepsidra, mas toda a água que anteriormente foi escorrendo" - Séneca
A meditação sobre a vida se resume, no fundo, a uma meditação sobre a morte. Assim, num pequeno ensaio intitulado Acerca da Brevidade da Vida, Séneca afirma que "é preciso a vida inteira para aprender a viver e – o que talvez vos surpreenda mais – é preciso a vida inteira para aprender a morrer."
Carta 26, ao referir-se a Epicuro, sublinha que ele "nos aconselha a 'meditar na morte' ou a atribuir a maior importância à aprendizagem da morte". Indo ainda mais longe, a Carta 70 considera mesmo que "nenhuma meditação é tão imprescindível como a meditação da morte", devendo concentrar-nos nela em vez de nos prendermos/distrairmos "com assuntos que, afinal, talvez sejam supérfluos". Sem queremos aqui analisar exaustivamente a "meditação da morte" levada a efeito por Séneca, indicaremos no entanto algumas das suas linhas fundamentais (...)


i) A morte é um processo intrínseco à própria vida, de tal forma que viver é sempre, ao mesmo tempo, morrer. Como diz Séneca de forma metafórica, "não é a última gota que esvazia a clepsidra, mas toda a água que anteriormente foi escorrendo".
 ii) Não se pode viver bem sem aprender a desprezar a vida – saber viver implica saber morrer, morrer com "serenidade de espírito", aceitando a morte. Por isso mesmo, "a preparação para a morte tem prioridade sobre a preparação para a vida"; só tal preparação permitirá evitar a situação de muitos "que andam miseravelmente à deriva entre o medo da morte e os tormentos da vida, sem querer viver nem saber morrer".
iii) Temos de viver como se estivéssemos para morrer, não adiando a nossa vida para o futuro, organizando "cada dia como se fosse o final da batalha, como se fosse o limite. O termo da nossa vida."
    Manuel_Domínguez_Santos_Prado_madrid
    Manuel Domínguez Sánchez, Morte di Seneca, 1871, Museo Nacional del Prado, Madrid
iv) A morte tem de ser uma morte corajosa, tem de ser vivida como um momento de grandeza, tem de, no fundo, ser a "bela morte" por outros meios - já que "a coragem perante a morte é uma fonte de glória, é uma das maiores façanhas do espírito humano". Como observa Séneca em relação a dois casos bem conhecidos, "foi a cicuta que deu grandeza a Sócrates! Tira a Catão o gládio com que assegurou a sua liberdade, e tirar-lhe-ás grande parte da sua glória!"
 v) Viver bem, com qualidade e dignidade, é mais importante do que viver muito sem qualidade e dignidade. Por isso mesmo, diz Séneca, "o sábio prolongará a sua vida enquanto dever, e não enquanto puder".
Extraido de "O Suicídio considerado como uma das Belas Artes" ∗ J. M. Paulo Serra Universidade da Beira Interior; com imagens da Internet



As chatices do Amor, por A. Capibaribe Neto

As emoções que sobrevém às emoções que ruborizam e arrepiam no primeiro momento, com o primeiro olhar, a primeira vontade, são mágicas. As manobras que antecedem à conquista fazem bater mais forte o coração, mas logo depois do primeiro sinal de aquiescência por conta da sinergia, as temperaturas se estabilizam e o passo seguinte obedece a um roteiro muito comum. O primeiro encontro ainda tem ansiedade, nervosismo, coração batendo mais forte antes do eclodir do primeiro toque, primeiro beijo, daí pra frente, as pedras que poderiam dificultar o caminho que vai até os lençóis são pequenas e logo se transformam em areia macia, boa de deixar rastros. Aí, o tempo...! Se não houver muita criatividade e criatividade pode ser entendida como predisposição e dinheiro, advém a rotina e da rotina até a chatice é um passo. Essa reflexão não remete à pressuposição de que seja uma regra, mas via de regra é o que acontece, principalmente se tudo tiver começado com uma paixão e muito desejo fazendo as carnes arderem por conta da fome que custa a passar e de uma sede descontrolada, quase irracional.




A conquista sadia, o jeito manso e sem a pressa que ajuda a paciência de sonhar com o dia seguinte e o dia depois do dia seguinte, no desfiar das contas Amor não dá para explicar. Esse sentir é muito pessoal, exclusivo, é único como uma impressão digital e cada um o prova e sente seus gostos, perfumes, tudo, de uma forma muito especial e mágica. Quem ama de verdade, quem sente amor por alguém e é correspondido, não precisa dizer: "eu te amo", melhor poder olhar bem fundo nos olhos do outro e dizer com alegria pela certeza: "ah, como você me ama... Também!". Quem ama e é amado nunca diz "você me faz muito feliz...!" Que história é essa de fazer o outro feliz? A felicidade é de dentro para fora, é uma coisa que se sente e se espalha através de cada célula e pela alma de cada um. Se não é assim que muitos pensam, é exatamente assim que deveria ser, porque a frase mais correta seria: "eu me sinto imensamente feliz ao seu lado, com você, em você...!" É bem verdade que não existe uma cartilha para amar nem pode haver a pretensão de dizer como os sentimentos se espalham, invadem e completam as pessoas. Quando acontece uma separação não significa necessariamente que o amor acabou. Desavenças, desentendimentos, explosões temperamentais estão embutidas no pacote. Faz parte. Não existe uma medida para provar quem ama mais a quem. Desencontros, brigas pequenas, grandes ou feias estão sempre evidenciadas nos grandes romances, nas novelas baratas ou mesmo naquelas inteligentes. São raros os amores prometidos para sempre que ainda perduram. Casais que conseguem viver juntos até que a morte os separe e quando acontece é motivo de pauta jornalística até na mídia internacional. Quem viveu um grande amor, um amor de verdade e dele insiste falar ou lembrar arrastando uma asa tem tudo para ser alvo do rigor da paciência alheia quando a mesma saudade é venerada em confissões repetitivas. E aquilo que se repete fica chato, sem graça, mesmo que lá no fundo tenha havido uma história complicada de amor de um homem por uma mulher...
O amor tem dessas chatices.

no Diário do Nordeste

Crônica

Somos netos do Trabalho e da Escola, não da riqueza
por Fernando Brito
zenogueira
O cidadão à direita na foto é meu avô, José Nogueira de Oliveira Sobrinho.
A foto é de 1929. Ele, de 1910.
Achada nos guardados de minha mãe, depois de sua morte, provocou uma cena interessante.
Meu filho de dez anos, nascido quase duas décadas depois de sua morte, chorou diante da descoberta de que “ele era pobre”.
E era, mesmo, pintor de paredes, como se vê nas roupas velhas, pintalgadas, e no chapéu improvisado com que evitava – nem todos – os pingos de tinta nos cabelos.
Mas era algo que o orgulhava, muito mais do que pudesse envergonha-lhe a pobreza.
Tanto que a foto, no verso, com a grafia trêmula dos mal-letrados, era dedicada a sua “queridinha Innocência, como prova de sincera amizade”, que viraria casamento no ano seguinte.
Minha faxineira, que estava comigo quando revirei as caixas e achei a foto, trouxe da filha – jovem adulta e já mãe – reação semelhante à do Pedrinho.
“Fernando, minha filha não acreditou que alguém mandasse uma foto para a namorada assim, vestido de farrapo e mostrando que era pintor de parede.”
É, uma foto mostrando que era pobre.
Ou, quem sabe, para a jovem moça do interior, mostrando que era trabalhador?
Os anos seguintes mostrariam o que ele – e ela, que se tornaria também trabalhadora – podiam alcançar com isso.
A chegada ao Rio, de segunda classe de trem, sem uma muda de roupa, porque na viagem roubaram seus poucos baús de papelão.
Com a ajuda do Sebastião, o Compadre, ao seu lado aí na foto, conseguiu se instalar na “capital”.
A casa de cômodos terrível, em Botafogo, depois uma melhorzinha, na Penha e, afinal, o conjunto do Iapi, moradia decente e boa.
A pobreza, agora convertida em vida modesta, nunca lhe foi uma vergonha, com apenas uma reserva pequena de mágoa pelo apelido de “Zé Galinha”, ainda quando vivia no interior e andava com as ditas cujas penduradas pelos pé numa vara, a vender pelo vilarejo de Conservatória.
Ao contrário: o trem da madrugada, as pilhas de costura feitas a pedal na velha Singer – que depois ganhou um motorzinho, que maravilha- por minha avó para a Casa Boneca, loja boa da Rua Voluntários da Pátria, o aprendizado dele, a melhorar a arte, sabendo fazer decapê, ouro velho, asa de barata e tantas pequenas artes da pintura, tudo isso nos era contado com orgulho e, no final, com saudades.
Nada, porém, se comparava à felicidade de ter formado a filha professora.


Na mesa de domingo, esticada com tábuas e parentes, o elogio que se fazia a alguém cujo nome vinha à conversa, era “ah, conheço, é trabalhador”.
Não era “é esperto”, “é safo”, “tá bem de vida”, “tá podendo”.
A pobreza passada e a modéstia então presente nunca foram um problema, como também não viam o pouco (para eles, grande) progresso como virtude individual excepcional.
Havia milhares de outros assim, nas travessas que se espalhavam pelo Iapi, estreitas de só passar um carro, contrastando com as ruas principais do conjunto, largas e ajardinadas , hoje devoradas pelos “puxados”.
O trabalho e a educação eram valores presentes ali, com cada geração indo melhor em ambos mas, nem por isso, desprezando os que lhe foram degraus.
Não, a vida não era perfeita e sempre tinha alguém no descaminho.
Mas a regra era outra e até o “tio” oficial do Exército havia sido menino cavalariço, a quem a farda permitiu estudar.
Nos víamos, orgulhosamente, como uma continuidade, o desdobrar de um processo de progresso que era coletivo desde a família até a rua, o bairro, a cidade, o país.
Um caminho em que o esforço não era sacrifício.
Onde o trabalho, mesmo modesto, não era uma danação.
Onde aprender – tudo, na escola, nos livros, no jeito de empunhar o martelo pela ponta do cabo ou consertar os “fios de ferro” feitos de pano e viviam arrebentando – não era inútil, nunca.
Duas gerações, desde aquela foto, chegaram à universidade e ao trabalho intelectual.
Somos os netos do trabalho e da educação.
Mas estas modesta virtudes, por obra dos donos do mundo, foram deixada para trás.
Viramos “consumidores”, em lugar de cidadãos.
Meu pobre avô, com suas roupas respingadas de tinta e o salário mínimo, não pode ser visto com um homem feliz.
Mas era, e eu sou feliz e grato por ele.



Horóscopo de Mulher


O carácter é um pouco egoísta, independente, teimoso e autoritário (sobretudo para os inferiores sociais), se bem que estas qualidades sejam compensadas por qualidades sociais intensas e efusivas. Há uma acentuada ambição, sobretudo social, uma forte intuição das coisas práticas, e um grande poder de dominar, uma grande força de vontade e tenacidade. Isto apesar de ser fácil de zangar, impulsiva, tendente a ir até ao exagero em tudo, tanto que muitas vezes terá de se arrepender de atos impulsivos, cujas consequências nem sempre serão agradáveis. A excitabilidade nervosa é grande e deve sempre evitar coisas que a preocupem e tudo quanto possa incidir sobre os nervos, sobretudo as emoções muito fortes, que não tem a resistência precisa para suportar. Há uma certa propensão para a tristeza, que pode às vezes chegar até à melancolia, isto muito embora haja uma grande disposição para tudo quanto representa passatempo e diversões. Em todo o caso, há muita espontaneidade e sinceridade e uma grande impressionabilidade às coisas da vida social.

O espírito é engenhoso, imaginativo, sempre irrequieto, com facilidade em arranjar soluções para as dificuldades que lhe possam surgir, e é ao mesmo tempo preocupado e instável, sendo, porém, no fundo, intenso e violento em tudo. Há uma grande dose de subtileza e diplomacia feminina.
Fernando Pessoa



Quadrinhos

A morte de Stalín

Ambientada entre os instantes que antecedem a morte de Josef Stálin e seus apoteóticos funerais, a história em quadrinhos "A morte de Stálin" recebeu o prêmio Château de Cheverny de melhor HQ no festival Encontros com a História, em Blois (França). A partir de fatos reais e com a liberdade que prevê a literatura de quadrinhos, os autores recriam em tom de sátira expressionista o clima de conspiração, paranoia e medo que pesava sobre a URSS de Stálin, com destaque para as conspirações visando a sucessão do líder soviético. 
O roteiro é de Fabien Nury e os desenhos, de Thierry Robin.

Três Estrelas - 152 páginas - R$ 49,90

10 dicas para fazer o casamento durar




  1. Duas vezes por semana, vamos a um ótimo restaurante, com uma comida gostosa, uma boa bebida e um bom companheirismo. Ela vai às terças-feiras e eu, às quintas.
  2. Nós também dormimos em camas separadas: a dela é em Fortaleza e a minha, em SP.
  3. Eu levo minha mulher a todos os lugares, mas ela sempre acha o caminho de volta.
  4. Perguntei a ela onde ela gostaria de ir no nosso aniversário de casamento, “em algum lugar que eu não tenha ido há muito tempo!” ela disse. Então, sugeri a cozinha.
  5. Nós sempre andamos de mãos dadas…Se eu soltar, ela vai às compras!
  6. Ela tem um liquidificador, uma torradeira e uma máquina de fazer pão, tudo elétrico. Então, ela disse: “nós temos muitos aparelhos, mas não temos lugar pra sentar”. Daí, comprei pra ela uma cadeira elétrica.
  7. Lembrem-se: o casamento é a causa número 1 para o divórcio. Estatisticamente, 100 % dos divórcios começam com o casamento.
  8. Eu me casei com a “senhora certa”. Só não sabia que o primeiro nome dela era “sempre”.
  9. Já faz 18 meses que não falo com minha esposa. É que não gosto de interrompê-la.
  10. Mas, tenho que admitir: a nossa última briga foi culpa minha. Ela perguntou: 
- O que tem na TV?”
- E eu disse: “Poeira”.

by Luis Fernando Veríssimo



Fuxico, que palavra pobre!




Depois de muito além
Acho que confundi o tempo porque muito pouco liguei para ele. Aquele que sai por aí em busca de limites nunca vai achar que encontrou o seu. Foi assim mesmo. Muitas vezes, acordei de uma canseira exagerada, e as dores espalhadas pelo corpo faziam cobranças... E aí, levantava com preguiça, mas as promessas do novo lugar davam forças e ânimo, e logo fazia delas um bálsamo perfumado ou uma massagem com jeito e logo estava de pé. Em alguns momentos, nem lembrava de onde vinha, onde estava. Só sabia que iria encontrar o que buscava em forma de imagens que me esperaram uma vida inteira e aquele seria o momento do nosso encontro. No ritual de arrumar as mochilas de bagagem pouca, cuidar das lentes, da carga das baterias e das câmaras fiéis, encontrava espaço para lembrar das pessoas queridas e escolher as melhores saudades para sentir. "Ah, se vocês estivessem aqui...!" E ia embora de novo para chegar outra vez lá onde a paisagem fazia suas curvas no meio de cores especiais ou em mil tons de cinza de sensualidade especial. Os rostos que "sequestrava" numa fração de segundo muitas vezes sorriam para mim, aquiesciam e até pediam para fazer uma foto de lembrança. Era sempre muito boa e divertida a sensação de haver ficado, eu também, como recordação para pessoas que possivelmente nunca voltarei a encontrar outra vez. Até parece que foi ontem que deixei o Brasil para trás e saí sem destino. Haviam mil horizontes, mil entradas, mil montanhas, vales e paisagens deslumbrantes... Em várias delas quase morri de frio, nas armadilhas das curvas sem proteção no alto de montanhas selvagens, ou porque na avaliação de talibãs em meio a uma tempestade de neve eu não valia um tiro sem motivo. A sensação de só saber disso depois dá um frio cortante que percorre o corpo sobrevivente sem saber do que podia ter acontecido. Sobreviver sem ter vivido a ameaça não tem graça. E seguia adiante e ria das loucuras procuradas. Um dia, no meio da madrugada, acordei sem saber onde estava, procurando mais calor debaixo de uma coberta pouca para o meu tamanho por conta do frio que entrava curioso pelas frestas e se instalava ao meu redor. Tremer de frio não é bom, não é agradável, não tem graça. A saída era esperar que o sol tivesse pressa e viesse em meu socorro. Foi sentindo frio assim que deixei muita coisa "pra lá"; que refleti sobre os últimos anos da minha vida; sobre o que podia ter feito ou deixado de fazer, mas em nenhum momento provei de arrependimentos maiores que as culpas de tê-los provocado. A vida só tem sentido quando permite erros. Corrigir as rotas permite fazer curvas, desviar das pedras, descobrir atalhos e evitar abismos. Ou cair neles. E depois fazer todo um caminho de volta até o topo. Fiz isso. Fez-me valorizar as escolhas, com poucas exceções. Deixei mágoas em meio às flores selvagens de lugares inesquecíveis. Descobri mil motivos para perdoar as maldades alheias e vi quão pequenas são as pessoas pobres de espírito que se alimentam de fuxico. "Fuxico!" Que palavra pobre! Do alto dessas montanhas as pessoas que vivem disso parecem muito pequenas. Deixei de me preocupar com os nomes dos lugares aonde queria chegar e dos lugares por onde andei. Apenas vivi suas cores, seus sons e seus cheiros. As montanhas me fizeram bem à alma, ao espírito. Menos ao joelho que machuquei... Já passou. Quando me dei conta já estava ficando "tarde" e era hora de fazer a curva, voltar ao ponto de início. Uma viagem nunca termina. Quando ela acaba é apenas o momento de começar outra porque existe muito mais depois de muito além...

por A. Capibaribe Neto


Mal-estar, sofrimento e sintoma: uma psicopatologia do Brasil entre muros, de Christian Dunker

O novo livro de Christian Dunker, que nas palavras de Vladimir Safatle "é a prova maior da vitalidade madura do pensamento psicanalítico brasileiro", realiza uma abordagem original sobre o mal-estar, o sofrimento e o sintoma na sociedade brasileira contemporânea. Analisando como a lógica do condomínio organiza nossas formas de sofrer, Dunker provoca: “Como foi possível inventar uma forma de vida comum sem uma verdadeira comunidade?” Leia, no Blog da Boitempo, o texto de orelha do livro, assinado por José Luiz Aidar Prado.



Eduardo Galeano


Em mil e quinhento os nativos descobriram que eram índios.
Descobriram que viviam na América.
Descobriram que viviam nus.
Descobriram que existia o pecado.
Descobriram que devia obediência a um Rei ou a uma Rainha de outro mundo e a um Deus de outro céu.
E que este Deus havia criado o pecado e a vestimenta, e havia mandado que fosse queimado vivo quem adorasse o sol, adorasse a lua, adorasse a terra e a chuva que lhe molha.

Confissões de um homem sincero

Neste mundo em que tudo fenece
Uma mulher me esperava no restaurante. Ela sempre chegava um pouco antes; eu sempre um pouco depois. Fazia muito tempo que não a via, mas certos hábitos jamais se alteram. Vi que ela folheava um livro, acomodada numa mesa para dois. Ela sempre tinha um livro à mão para a hipótese de eu demorar mais que o razoável. O livro que ela lia naquele momento, vi depois, era uma pequena biografia de Marcel Proust sobre a qual eu escrevera numa revista.
Era Mariza.
Ela estava de volta à cidade por uns dias para visitar a mãe. Mariza, depois que rompemos, conheceu uma fazendeiro de Mato Grosso. Logo se casaram e ela mudou para lá para viver seu novo amor bucólico.
“Tudo bem?”, perguntei.
“Graças a Deus.”
Rimos e o gelo se quebrou. Era uma piada particular nossa. Mariza é atéia. 
Ela jamais acreditou em Deus. Num certo momento, deixou de acreditar também em mim. Foi aí que nosso romance começou a terminar. Reencontros com amores passados servem para mostrar muita coisa. Mostram, por exemplo, como uma intimidade construída em anos pode ser dissolver instantaneamente com o rompimento. Você trata com cerimônia constrangida alguém com quem, até pouco antes, tinha a mais absoluta liberdade. Só falta a gente dar continência ao outro.




“A melhor coisa que você fez por mim, em muito tempo, foi indicar na revista este livro”, ela disse. “Sou realmente muito grata a você.” Era a Mariza de sempre, irônica, às vezes ferina mesmo num banal agradecimento pela indicação de um livro.

A arte de escrever para idiotas

- Os autores do excelente texto não deram nome aos que ganham dinheiro para escrever para idiotas. Eu cito alguns, você concorda ou não com a minha pequena lista?

  1. Reinaldo Azevedo
  2. Augusto Nunes
  3. Diogo Mainard
  4. Ricardo Noblat
  5. Merval Pereira
  6. Josias de Souza
Nos comentários, deixe sua listinha. Leia com atenção o artigo abaixo:
Para aqueles que não lerão este artigo
Em nossa cultura intelectual e jornalística surge uma nova forma retórica. Trata-se da arte de escrever para idiotas que, entre nós, tem feito muito sucesso. Pensávamos ter atingido o fundo do poço em termos de produção de idiotices para idiotas, mas proliferam subformas, subgêneros e subautores que sugerem a criação de um nova ciência.
Estamos fazendo piada, mas quando se trata de pensar na forma assumida atualmente pela “voz da razão” temos que parar de rir e começar a pensar.
Artigos ruins e reacionários fazem parte de jornais e revistas desde sempre, mas a arte de escrever para idiotas vem se especializando ao longo do tempo e seus artistas passam da posição de retóricos de baixa categoria para príncipes dos meios de comunicação de massa. Atualmente, idiotas de direita tem mais espaço do que idiotas de esquerda na grande mídia. Mas isso não afeta em nada a forma com que se pode escrever para idiotas.

Diga-se, antes de mais nada, que o termo idiota aqui empregado guarda algo de seu velho uso psiquiátrico. Etimologicamente, “idiota” tem relação com aquele que vive fechado em si mesmo. Na psiquiatria, a idiotia era uma patologia gravíssima e que, em termos sociais, podemos dizer que continua sendo.

Mensagem da Vovó Briguilina

Leia com atenção
Cada palavra
Cada frase
Cada parágrafo
De cada página
Se precisar, releia
Depois, vire a página e continua a leitura
Quando terminar de ler o livro, tem de ter extraido dele alguma lição
Se não aprendeu nada, então releia o livro com mais atenção, porque sempre podemos aprender alguma coisa.
Oraite?



Papo de homem

Conhece aquela?...
"Ele é tão lesado que se cuidasse de uma tartaruga ela fugiria"...Então?




"É por causa do Barrichelo". Foi assim que me apresentaram o Rubens, uma tartaruga que foi encontrada perto do trabalho há pouco mais de um mês. Ela parecia perdida caminhando assustada na calçada e, com medo de ela ser atropelada, rapidamente o amigo Rodrigo a trouxe para a casinha aqui do PapodeHomem. 
Muito mais rápido que isso, logo virou piada. Quem diabos perderia uma tartaruga? Aquela velha máxima de que "ele é tão lerdo que deixaria a tartaruga fugir se cuidasse de uma" poderia existir de fato?
O Rubens foi a atração da casa, o alívio cômico do final de tarde. Pesquisando, descobriram que ele, na verdade, era um jabuti do sexo masculino e que gostava de comer mamão, mesmo que a iguaria soltasse seu intestino. Acompanhei tudo meio à distância, era muita gente em cima do bicho, imaginei que ele fosse um cara mais discreto, um verdadeiro outsider
Sabe, aquela coisa de querer ficar meio só, de conhecer o mundo com as próprias patas? Acho que essa era a do jovem Rubens, uma descoberta de si mesmo no urbanismo selvagem da zona oeste de São Paulo. Teve um dia que me vi a sós com ele. Fui lá fora pensar numas palavras chiques e me deparei com sua desenvoltura meio estúpida pelo quintal. Me sentei e passei a reparar nele. Ele parou e me olhou. Ficamos nesse jogo de mente alguns minutos. Provavelmente ele me contou um pouco de sua vida, seu desejo de chegar ao Alasca, a saturação que ele estava sentindo da cidade grande, da falsidade das pessoas, do escárnio pela condição natural de lerdeza que ele carregaria para o resto da vida. 
Preconceito, liberdade, o direito de ir e vir de todos. Acho que tivemos um papo incrivelmente produtivo sem trocar uma única palavra. Era hora de libertar o Rubens.
Batendo de porta em porta, descobriram o dono do Rubens e seu verdadeiro nome: Leopoldo. Morava há uns dois quarteirões dali, em uma casa que estava em reforma. Os pedreiros deixaram o portão aberto e foi a brecha que o Rubens, digo, Leopoldo queria. Seu dono, um senhor de pouco mais de 50 anos contou que o jabuti ficara na casa quando o pai dele se mudou. Logo, o bicho tinha mais de 50 anos. O nosso aventureiro gosta de longas caminhadas pelo bairro, sempre na companhia de seu dono.
Ao levar o Leopoldo de volta para casa, o Rodrigo - que foi quem encontrou e o batizou de Rubens - começou a trocar uma boa conversa com o dono, saber mais sobre o passado do bairro, saber mais sobre a família do cara. No meio do papo, o pai do cara chegou da rua, um velho de mais de 70 anos chegando em sua moto, estiloso de tudo, descolado. Os três, encantados uns com os outros e com a deliciosa conversa sobre a vida, descobriram coisas em comum, falaram da paixão pelas motocicletas, sobre velocidade, sobre esperteza e lucidez e já passava mais de meia hora desde que se encontraram pelo motivo da entrega do jabuti.
E aí se deram conta. Onde estava o Jabuti? Lá se foi mais uma hora até encontrarem novamente o Leopoldo.
Vi depois, em meu celular, quatro ligações não atendidas. Não foi dessa vez, Rubens. Não foi dessa vez.

10593198 731684930200051 6780156370076319432 n
É escritor e editor do Papo de Homem. Lançou, nesse ano, seu primeiro livro de contos, o Ela Prefere as Uvas Verdes e outras histórias de perdas e encontros.

Os nomes das Saudades

Crônica dominical de A. Capibaribe Neto

Cada saudade tem um nome.
Cada saudade tem um adjetivo.
Saudade grande....
Saudade pequena...
Saudade boba...
Saudade que vale a pena, violenta...
Saudade amena...Continua>>>


O amor é fome




Sexta-feira à noite e aquela angústia. São as tais borboletas no estômago, os suspiros de saudade, a lembrança de ter sido sempre bom, sempre gostoso.
E a pizza que não chega.
Nessas horas, o entregador é seu príncipe encantado que sempre traz o amor eterno. Conta-se as horas, coloca a roupa apressado, a ansiedade toma conta. Será que a mesa está bonita? Será que ele está pensando em mim também?

Letrinhas que se movem

Sandra Mayworm:
imagem não exibida
A Arca de Noé
Fonte: Pesquisa feita no livro "A Arca de Noé" de Vinicius de Morais , lançado pelo CIRCULO DO LIVRO S.A - 1970 Sete em cores, de repente O arco...

Cada Livro Uma História

Luiza Simas:
imagem não exibida
Gosta de escrever? Que tal seu texto aqui no blog?
Oi! Bom, vou fazer este post bem rapidinho, pois só é pra contar e oferecer algo a vocês, ok? Eu adoro/amo escrever, mas sei o quanto é difícil tod...

Entropia




O mal é que se acredita que a entropia, só irrompe no fisíco 

Absolutamente tudo se desgasta. O natural é ir de novo ao velho. De pouco complexo a muito complexo. A questão maior é que o próprio mundo e tudo o que nele há está, neste momento em um ponto crítico e apocalíptico. Os partidos políticos fazem parte deste caldo já tão partido e desgastado. O negócio é que para gerar algo novo, a partir do velho, só é possível quando nos desvencilhamos do velho. Podemos até aprender (ou não) com aquilo que se vai, mas tem de aceitar ao que se esvai.
por Iara G



Papo de homem

Um poeta português disse que as cartas de amor são ridículas. Mas mais ridículo ainda é não escrever cartas de amor. Tenho um acréscimo à voz do poeta: algumas cartas de amor ultrapassam os limites do ridículo. São pomposas, verborrágicas, exageradas. A grande carta de amor é necessariamente simples e objetiva. Assim como a grande declaração de amor. A simplicidade é bela ao falar e ao escrever. Uma pessoa afetada na forma de se comunicar com as demais é afetada em outras esferas. “A verdade tem que falar uma linguagem simples, sem artifícios”, escreveu um filósofo da Antigüidade. O amor também. Isto é, se for verdadeiro.

As virtudes da economia ao se expressar têm notáveis exemplos históricos. Conta-se que os embaixadores de uma cidade grega tentavam convencer o rei de Esparta a aderir a uma esforço de guerra. O espartano deixou-os falar longamente. Depois disse: “Não lembro do começo nem do meio da argumentação de vocês. Quanto à conclusão, simplesmente não me interessa”.

Num outro caso, dois arquitetos atenienses disputavam a honra de construir um grande edifício. A platéia à qual cabia a escolha ouviu um extenso discurso do primeiro arquiteto. As pessoas já se inclinavam por ele quando o segundo disse apenas: “Senhores atenienses, o que este acaba de dizer eu vou fazer”. Para o pensador romano Sêneca, nos grandes arroubos da eloqüência há mais ruído que sentido”.

Os espartanos serão eternamente reverenciados pela simplicidade com que viviam e se expressavam. Uma vez perguntaram a uma autoridade de Esparta por que os espartanos não colocavam por escrito as regras da valentia para que os jovens pudessem lê-las. A resposta foi que os espartanos queriam acostumar seus jovens aos feitos e não às palavras. “O mundo é apenas tagarelice e nunca vi homem que não dissesse antes mais do que menos do que devia”, escreveu o filósofo francês Montaigne.

(Realmente sinto que estou exagerando nas citações. Deus, pareço um almanaque. Mas olho para trás e tento cortar algumas citações, e não consigo, não por mérito meu, mas dos donos das frases. Dá para deletar a seguinte reflexão do escritor e historiador Plutarco? Disse ele: “A palavra expõe-nos, como nos ensina o divino Platão, aos mais pesados castigos que deuses e homens podem infligir. Mas o silêncio jamais tem contas a dar. Não só não causa sede como confere um traço de nobreza”.)

Também no amor, há mais “ruído que sentido” nas frases espalhafatosas ditas ou escritas. A mais genuína, a mais poderosa declaração de amor é, muitas vezes, o olhar silencioso, o gesto mudo, e, no entanto, estamos quase sempre inclinados a berrar nossa paixão. Na cama, sobretudo, trava-se muitas vezes uma competição para ver quem gritar mais alto, um torneio de gemidos geralmente insinceros e ensurdecedores que cada parceiro acredita, numa mistura de ignorância e ingenuidade, serem excitantes. O berro amoroso incomoda o ouvido e dificilmente chega ao coração. E provoca não orgasmos maravilhosos, não maratonas sexuais inacreditáveis, mas simplesmente sede.

por Fábio Hernandez