O secretário de Governo de Minas, Odair Cunha, descartou sua candidatura pelo Estado a algum cargo. Isso já é certo? A senhora vai deixar de concorrer para dar espaço a outras figuras do partido?
Não estamos discutindo isso ainda. Essa questão, se vou ser candidata ou não, não é uma discussão presente. Não a abrimos ainda. Vai ser aberta no futuro. Vamos avaliar. Vamos abrir o ano de 2018 e vamos fazer essa discussão, essa negociação.
A senhora tem viajado pelo país falando sobre o atual governo federal, acusando-o de levar retrocessos ao país. Quais seriam eles?
Acho que vivemos um golpe, não um golpe em um ato, é um processo. Ele tem vários atos. O primeiro ato, o inaugural, é o impeachment sem crime de responsabilidade. Pra que foi dado esse golpe? Para um segundo ato, que é o que está ocorrendo, o processo que fundamenta o golpe, o enquadramento do Brasil, no sentido político, econômico e geopolítico, no modelo neoliberal. E esse golpe tem o objetivo de reduzir a presença da população pobre no Orçamento. Tirar os pobres do Orçamento. E depois tem o objetivo de precarizar os direitos trabalhistas. Tivemos uma faculdade do Rio de Janeiro que demitiu todos os trabalhadores para depois recontratá-los em regime de pessoa jurídica. Um absurdo. Tirando todos os direitos.
Governo e especialistas argumentam que uma modernização na legislação trabalhista é necessária. A senhora discorda disso?
Veja bem, no mundo inteiro você teve propostas deste tipo. Qual a constatação? Ninguém vai dizer que o FMI, o Banco Mundial, ou o BIS, o banco dos bancos centrais, são radicais de esquerda. Eles chegaram à seguinte conclusão: não há indicadores de que a desregulamentação do mercado de trabalho aumente a demanda, a produtividade ou algo do tipo. Então, me desculpa, mas estamos fazendo aqui no Brasil algo que começaram a descartar no mundo desenvolvido.
E quanto à reforma da Previdência? É necessária?
Outro absurdo, e duvido que os deputados irão aprovar um suicídio eleitoral como este. Aliás, até por isso, o governo golpista precisa deste processo de golpe, de tempo, porque isso será ligado a garantir que executem um programa que permita a eles vender a Petrobras, a Eletrobras e outras reformas tirando direitos. Eles precisam de tempo, não possuem legitimidade para tomar medidas assim, como vender a Petrobras.
Em seu governo já vinham ocorrendo concessões na Petrobras. Um novo governo petista não promoveria esse mesmo modelo?
Aí que está, o terceiro fator do golpe que falhou é que eles queriam destruir o PT, queriam inviabilizar o Lula e queriam também mudar inteiramente as condições para que um governo deles assumisse depois do Temer. Para eles poderem executar essa política. O que os frustrou é que eles não têm candidato, o nível de desgaste é imenso, é estratosférico, é um governo que passa o tempo inteiro ou tendo os principais componentes sendo presos, ou comprando votos de deputado para impedir que o presidente seja investigado. Há, por parte deles, uma grande preocupação com o golpe. O Lula tem de 36% a 42% dos votos. Depois tem apenas a extrema direita, com o (deputado federal Jair) Bolsonaro.
E os candidatos deles, seja o tradicional, que é (o governador de São Paulo Geraldo) Alckmin, seja aqueles que achavam que era uma experiência, como o João Doria. Não houve sustentação para ele. A Marina perdeu completamente fôlego pelos equívocos de suas posições políticas. E a variante Trump do outsider brasileiro não deu certo, e tampouco por Luciano Huck, que aí teríamos a política social de auditório, patrocinada pela Globo. Aí teríamos uma política social para 100 milhões, como era a nossa, ou de projeto piloto, como a do PSDB, uma política quando a necessidade é de milhões, eles faziam algo pra 10 mil.
Em sua opinião ainda tentam deter uma candidatura de Lula?
Sim, é uma situação de “lawfare”. A utilização de todos os princípios da guerra para liquidar um adversário político. No “warfare”, a arquitetura da guerra, vamos colocar assim, você destrói fisicamente o seu inimigo. No “warfare”, com armas, com bombardeio, destruição de seu adversário, de sua população.
E essa seria a estratégia utilizada para atacar Lula?
Sim, trata-se de acabar com Lula. Por algo fantástico, absurdo. Julgam por corrupção passiva, mas para haver corrupção passiva, é necessário ter duas coisas: o ato, que geralmente chama-se de “ato de ofício”, uma lei ou um decreto, um contrato, alguma ação assim. Algo que caracterize um benefício indevido para alguém. A contrapartida indevida para quem for é uma vantagem, seria essa a vantagem. No caso do Lula, não tem esse ato. O próprio juiz Sergio Moro reconhece que ele não participou de um contrato que permita dizer que ele teve um ato de ofício.
Mas, e o suposto recebimento de um apartamento triplex como forma de propina de empreiteiras?
É a segunda coisa necessária para haver corrupção passiva, que seria a vantagem. Mas o tal do triplex, que não é de propriedade do Lula, não tem a posse dele e integra as garantias dadas pela empresa dona do apartamento direto à Caixa Econômica Federal. Portanto, é algo que não subsiste, é fantasmagórico. Esse processo parece quando se condenou Mandela. O Mandela também foi condenado por processos fantasmagóricos. Esse processo tende a criar maior instabilidade ao país.
Uma possível condenação do Lula no TRF-4 para, depois, ele conseguir uma liminar que o permita ser candidato. Isso não geraria ainda mais instabilidade? Ter um presidente eleito, talvez, mas à base de uma simples liminar. Essa seria a melhor escolha para o PT? Lançá-lo mesmo sendo condenado?
Eu acho que a pior coisa que pode acontecer no país, que de fato cria instabilidade, que cria desconfiança, que não vai levar o Brasil a se reencontrar, é a perseguição e a injustiça. O que não podemos aceitar é que se pratique uma injustiça e que se instaure um regime persecutório. E outra coisa, isso (lançar candidatura ao Planalto) é mais certo porque mostra a importância do Lula no cenário nacional, por conta do fato de eles não terem conseguido destruí-lo. Uma campanha midiática monstruosa que ninguém sofreu igual. Cada vez que ele é perseguido, atacado, mais a popularidade dele cresce. As pessoas perceberam que se trata de uma injustiça.
Isso aconteceu com a senhora? A delação de Mônica Moura atingiu em cheio a senhora, por conta do e-mail que teria sido criado para comunicação entre vocês. A sua popularidade também cresceu após isso?
Olha, meu querido, podem me virar de cabeça para baixo. Não tenho conta no exterior, não tenho grandes recursos, moro num apartamento modesto, não sou rica. Sou classe média. E mais, neste caso, é algo interessante. Acho que fui vítima. Vi blogs e a própria CPMI levantando a questão do mercado de delação premiada. E posso falar com muita clareza e tranquilidade, porque ninguém vai dizer que sou contra isso, contra investigação. O senador (Romero) Jucá foi gravado dizendo que tinham que me tirar para estancar uma sangria. Depois, fui eu que assinei (a lei) que instituiu o crime do corruptor, como também a delação premiada. Mas há uma distorção da lei que assinei para o que ocorre hoje. Porque sempre vão buscar uma coisa principal, que é a liberdade. E uma segunda coisa também, dinheiro. Ficou claro que há negociações, como o senhor Tacla Duran, que depôs na CPMI e disse claramente que várias contas secretas do casal (João Santana e Mônica Moura) ainda não foram descobertas.
Mas, e o e-mail de Mônica Moura? A senhora nega que tenha feito?
Aquilo é falso, fantasma. O e-mail foi registrado em um cartório em Curitiba. Quem é que registrou? Um estagiário do escritório Castor. Quem é esse? Um advogado, irmão de um procurador. Acredito, então, meu querido, que se discuta essa questão das delações. Não para impedir a investigação, não a punição dos corruptos, mas para impedir que se transforme em um mercado. E que se impeça que isso seja usado como arma política. Me diga: você tem visto alguém preso que não seja do PT?
O ex-ministro Geddel.
É o único. Mas aí, né, meu querido, um apartamento com R$ 51 milhões é algo exagerado, né?
A senhora se arrepende de ter nomeado Rodrigo Janot como procurador geral da República? Ele teve uma atuação envolta da Lava Jato na promoção das delações.
Sabe o que aprendi na minha vida? Aprendi que não há arrependimento retroativo. Não tem como resolver o “e se”. “E se eu não tivesse feito”. Nunca na minha vida pude fazer isso. Até porque teve um dia que fui presa, pela ditadura. Já imaginou se eu passasse a minha vida pensando “ah, se eu não tivesse ido naquela hora, naquele dia, 16 de janeiro de 1970, ali”, eu não teria sido torturada, visto gente morrendo. Na vida não podemos pensar em arrependimento. Mas é fundamental que eu perceba que não há garantia quando se nomeia quando há essa situação da corporação. Tenho que olhar o sistema que permite que certas distorções ocorram.
Muitos membros deste atual governo participaram de sua administração. É necessário que se façam alianças assim para que tenha força no Congresso? Para ganhar eleição?
Eu acho que não devia ser necessário. Acho que há uma explicação para isso. Na verdade, não acredito que esse grupo do PMDB da Câmara, como Temer, Geddel, Padilha e Moreira Franco, sejam eles os dirigentes. Acho que o dirigente está preso em Curitiba e dirige esse grupo de lá. O Renan uma vez disse isso, que estava rompendo com o governo porque não é possível mais que ele seja dirigido de Curitiba por Cunha. Por que digo isso? Porque o PMDB no Brasil foi um centro democrático importante. E veja que há setores que se comportam como sendo progressistas e democráticos. Mas na história do PMDB há pessoas como Ulysses Guimarães. Esse centro democrático foi crucial para a governabilidade do país.
E a senhora considera que há uma parte “boa” no PMDB? Uma parte que a senhora toparia se coligar?
Eu coligaria com o senador (Roberto) Requião, de olhos fechados. Sei a trajetória dele.
E o que aconteceu com o PMDB?
Ele foi homogeneizado pela direita, por figuras como Eduardo Cunha. Infelizmente aqueles que apoiavam meu governo se transformaram em golpistas. Então, digo isso: se tem algo que foi um erro, que tenho que ver como erro, foi não ter percebido que a direção do PMDB havia sido homogeneizada pela direita. A direita mais conservadora, mais golpista, mais sem critério. E que ela levou à frente o impeachment. Ele sai não por conta desse pessoal que hoje está no Palácio, mas por conta da liderança nefasta, criminosa, que comprou votos para o impeachment. O Brasil precisa de relações sérias entre os partidos, que não passem pela compra de emendas. Não ter partidos que são sanguessugas, que não têm projetos de governo. Isso é grave e não é fruto da maldade dos homens, mas a cláusula de barreira que possibilitou, com sua queda, uma proliferação de partidos que é um absurdo. São 35 partidos com 35 programas distintos.
A solução seria uma mudança de sistema? Há quem defenda o semipresidencialismo ou o parlamentarismo.
Esse seria o quarto passo do golpe. Parlamentarismo e semipresidencialismo é simplesmente tentar tirar a possibilidade de eleições presidenciais nas quais se dão os maiores processos de transformação e submeter o governo a um Parlamento que sempre foi conservador. Muito mais conservador do que o Executivo, sempre.
Em Minas, ocorre algo parecido, um vice do PMDB que está rompido com o governador e que apoia o governo Temer. A senhora daria alguma dica ou sugestão a Fernando Pimentel para lidar com essa situação? Há uma parte do PMDB mineiro que defende a continuidade da aliança.
Não tenho a pretensão de dar dicas a governador. Não é correto. Mas, como eu disse, há PMDBs e PMDBs. Essa parte que você citou do PMDB mineiro é uma parte em que há uma aliança legítima a se realizada. Ela é importante e é preciso ter uma liderança progressista do PMDB. No Brasil, ou em qualquer Estado, não há como governar sem coalização. E se tem gente de qualidade, como é o caso do PMDB mineiro, que você citou, então é necessariamente uma grande oportunidade para uma boa coligação.
Publicado originalmente no Tempo