A noite em que a Câmara de Deputados fez a mudança constitucional batizada como PEC da Bengala constitui uma típica jornada de tolos, episódio célebre da corte de Luis XIII no qual a rainha-mãe Maria de Medicis tentou dar um golpe palaciano mas terminou humilhada por uma manobra do Cardeal Richielieu, sendo forçada a mudar-se para o exílio.
Na noite de terça-feira passada os deputados de oposição fizeram uma festinha, porque a votação permitiu negar, a Dilma Rousseff, um direito que foi exercido pelos 16 presidentes que ocuparam o posto a partir de 1946, quando foi estabelecida a regra da aposentadoria obrigatória dos ministros do STF aos 70 anos de idade. Pelas regras em vigor até a véspera, Dilma teria direito a indicar cinco nomes para o Supremo — sempre sujeitos a aval ou recusa do Senado — até o fim do mandato.
Muito, ou pouco, é o que diz a lei e a mudança possui um óbvio caráter de casuísmo — até porque desde a década de 1990 o assunto é debatido no Congresso, cabendo perguntar por que só entrou em pauta anteontem, com rolo compressor já armado para garantir uma votação expressiva de 333 votos contra 144, não é mesmo?
Apesar da celebração, que reflete a posição minoritária do governo na Câmara, a decisão é acima de tudo uma medida contra o próprio Congresso e contribui para diminuir um pouco mais a estatura política do Legislativo. O principal efeito será diminuir o poder da Presidência da República e dos parlamentares — representantes eleitos do povo — na definição de rumos da Justiça brasileira, o que se faz, essencialmente, pela escolha dos ministros do Supremo.
É preciso entender, para começar, que o grande impulso para aprovar a PEC da Bengala residiu numa tentativa de autodefesa por parte dos parlamentares. Há muito tempo formou-se no STF uma a maioria favorável a ampliação do limite de idade. Em passado recente, muitos ministros costumavam percorrer gabinetes do Congresso para expor argumentos favoráveis à medida. Em 2015, a votação reflete um drama interno: o medo de perder a própria cabeça na guilhotina da Lava Jato.
A decisão ocorreu num momento em que 52 políticos — dos 21 deputados acusados, 17 são do PP , 2 do PMDB, 2 do PT — foi incluída no inquérito e luta desesperadamente para cair fora. Quem decide é o Supremo. Pode recusar uma denúncia e encerrar o caso no início. Ou pode aceitar a denúncia e absolver ou condenar o acusado, no final.
A decisão, que na última hora entrou na pauta de votação, ocorreu num momento em que as tensões entre o deputado Eduardo Cunha, e o PGR Rodrigo Janot atingiram seu ponto máximo, a ponto de incluir, no início da semana, uma operação de busca e apreensão nos arquivos eletrônicos do presidente da Câmara.
Numa declaração inusitada pelo vigor, um dia antes da votação Janot emitiu nota em que advertia: “Malgrado até o momento não tenha como precisar se os valores mencionados nos termos em questão foram en tregues diretamente ao deputado federal Eduardo Cunha, fato é que o colaborador Alberto Youssef reiterou, e com razoável detalhamento, que Eduardo Cunha era beneficiário dos recursos e que participou de procedimentos como forma de pressionar o restabelecimento do repasse dos valores que havia sido suspenso, em determinado momento, por Júlio Camargo”, escreveu, definindo o contexto real da decisão de terça-feira.
A ideia de que é possível seduzir ministros do STF com gestos de simpatia costuma ser tentadora mas vã. Estamos falando de pessoas que representam um Poder soberano, que dificilmente serão obrigadas a dar qualquer resposta na mesma moeda, até porque são inamovíveis e inatingíveis, a não ser em casos muito especiais. É errado imaginar que ministros podem ser colocados na posição de devedores, nem de quem os indicou para o posto. Podem ser leais, ou não, desde que isso não contrarie suas convicções e mesmo pontos de interesse.
Luiz Inácio Lula da Silva fez oito indicações em dois mandatos, um recorde em período democráticos. Aconselhado por auxiliares, pelo ministro Márcio Thomas Bastos e outras vozes com conhecimento real do Judiciário, buscou formar um plenário diversificado, que jamais poderia ser acusado de expressar, como conjunto, uma preferência partidária. O saldo foi a AP 470.
Após a decisão, cabe esquecer por um minuto o falso fantasma de uma corte bolivariana anunciado pelo ministro Gilmar Mendes — como já debati neste espaço — para entender o principal e o duradouro.
Pelas regras já em vigor, a escolha de cada ministro envolve uma decisão de dois poderes, o Executivo e o Legislativo, os únicos que tem como base o voto popular. Pela regra, a presidência faz a indicação e, caso fique descontente com a proposta, a oposição só necessita reunir maioria simples num plenário de 81 senadores para derrotar a escolha. Essa regra favorece o poder presidencial, obviamente. Mas estimula negociações prévias entre os dois Poderes, tão discretas como reais, impedindo qualquer decisão de unilateral. Imaginar, nas atuais condições de temperatura e pressão, que Dilma teria musculatura parlamentar para impor de cima para baixo cinco ministros até 2018, sem ouvir, negociar, ponderar, implica em fazer cálculos políticos delirantes, sem base real.
O problema é mais fundo, porém. A PEC da Bengala reduz o poder de intervenção dos parlamentares na composição da mais importante corte de Justiça do país e nesse sentido a aprovação equivale a uma forma de renúncia. Cada escolha de cada ministro é uma oportunidade para representantes eleitos definirem, ao longo dos anos, um caráter mais progressista ou conservador para a mais alta corte do país, definição de alta relevância para o futuro da nação e os direitos de cada um de seus cidadãos. Aplica-se aqui uma regra válida a todos os postos de natureza política, como são as vagas do Supremo.
Mandatos curtos estimulam a renovação de seus ocupantes, atualizando as instituições de acordo com o oxigênio sempre evolutivo de cada época. De forma direta ou indireta, dão espaço para a vontade do cidadão comum. E vice-versa. Em muitos países europeus, os ministros tem mandato, que podem durar onze anos, ou mesmo nove –os cinco anos obtidos na terça-feira representam a metade disso.
Não por acaso, os Estados Unidos, onde os mandatos para a Suprema Corte são vitalícios, é ali que reside, hoje, uma grande peça de resistência republicana contra avanços cobrados pelo voto democrata nas vitórias de Bill Clinton e Barack Obama. Importantes conquistas, cuja base são as lutas pelos direitos civis da década de 1960, podem ser revogadas, amenizadas e distorcidas, em 2015, porque a Suprema Corte reflete uma relação de forças de outro tempo.
No Brasil, país onde tantas pessoas discutem — erradamente, a meu ver — o fim da reeleição para cargos eletivos, até porque neste caso se debate uma decisão onde o eleitor sempre terá a palavra final, a Câmara resolveu ampliar, automaticamente, o prazo-limite para aposentadoria de ministros de tribunais superiores. Com isso, o Congresso deu um novo passo para a construção do Judiciário como um poder soberano, que não presta contas a ninguém, com direito a ultima palavra em decisões graves da República — na politica, no comportamento, em política econômica e decisões específicas de interesse primário das grandes empresas e corporações, como sabem lobistas e escritórios de advogados com uma variadíssima carteira de clientes no eixo Rio-São Paulo-Brasília.
A votação representa um novo passo em direção judicialização das decisões políticas, tendência que contraria uma das necessidades elementares das sociedades contemporâneas, que reside no esforço — expresso até nos protestos de rua — para ampliar a democracia e encontrar novos caminhos para a maioria da população canalizar direitos e exercer vontades.
Numa seleção de lugares-comuns para iludir os incautos, os aliados da PEC falaram sobre a necessidade de controlar gastos públicos, o que é uma estupidez. As despesas da mais alta corte de Justiça não podem ser medidas numa contabilidade de armazém de bairro, mas de acordo com as necessidades e prioridades de determinada sociedade, em determinada época. Houve quem falasse “em defesa dos velhos”, numa demagogia típica, pois não se trata agora de criar direitos corporativos de pessoas de mais de 70 anos – mas em entender de que forma os brasileiros podem contar com uma Justiça que atenda seus interesses.
Este é o ponto.
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Paulo Moreira Leite: Moro, MPF, doação ao Psdb é virtuosa?
- O que esperar de um juiz(?) que recebe prêmio da Globo? -
Segundo pesquisa, PSDB recebeu 42% das doações das grandes empreiteiras da Lava Jato aos partidos
A descoberta de que o conjunto das empreiteiras investigadas na Lava Jato responde por 40% das doações eleitorais aos principais partidos políticos do país – PT, PMDB, PSDB – entre 2007 e 2013 é uma dessas novidades imensas a espera de providências a altura.
Permite uma nova visão sobre as denúncias envolvendo a Petrobrás, confirma uma distorção absurda nas investigações e exige uma reorientação no trabalho da Justiça e do Ministério Público.
É o caso de perguntar: e agora, Sérgio Moro? O que vamos fazer, Teori Zavaski?
Explico.
Conforme o Estado de S. Paulo, entre 2007 e 2013 as 21 maiores empresas da Lava Jato repassaram R$ 571 milhões a petistas, tucanos, pemedebistas. Desse total, 77% saíram dos cofres das cinco maiores, que estão no centro das investigações: Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, Camargo Corrêa, Grupo Odebrecht e OAS.
Segundo o levantamento, o Partido dos Trabalhadores ficou com a maior parte, o que não é surpresa. As doações ocorreram depois da reeleição de Lula. Cobrem aquele período do calendário político no qual Dilma Housseff conquistou o primeiro mandato e Fernando Haddad venceu as eleições municipais de São Paulo. Mas o PSDB não ficou muito atrás. Embolsou 42% do total. Repetindo para não haver dúvidas: conforme análise do Estado Dados, de cada 100 reais enviados aos partidos, 42 chegaram aos cofres tucanos.
Gozado, não?
Agora dê uma olhada na relação de beneficiários denunciados na Lava Jato e pergunte pelos tucanos. O personagem mais ilustre, senador Sérgio Guerra, já morreu. É acusado de ter embolsado dinheiro para inviabilizar uma CPI. Infelizmente, não está aqui para defender-se – o que permite imaginar até onde pode chegar a largura de suas costas.
O outro implicado é o senador Antônio Anastasia, aliado número 1 de Aécio Neves, forte candidato a um carimbo de “falta de provas” amigo nas próximas etapas do percurso.
Como chegaremos aos 42%? Alguém vai investigar, vai explicar? Ninguém sabe. Nem uma pista.
Onde estão as delações premiadas, as prisões preventivas?
Apoiado na delação premiada de Paulo Roberto Costa, que chegou à diretoria da Petrobras com proteção do lendário Severino Cavalcanti, do PP pernambucano, a investigação concentrou-se no condomínio Dilma-Lula e legendas aliadas. Esbarrou no PSDB, de vez em quando, quase sem querer, por acaso. E só.
A descoberta da fatia de 42% do PSDB na Lava Jato pode ser mais útil do que se imagina.
Deixando de lado, por um momento, a demagogia moralista que tenta convencer o país que todo político é ladrão cabe reconhecer um aspecto real e relevante.
Estamos falando de um sistema no qual todos os partidos se envolvem na busca de recursos financeiros para tocar as campanhas. Todos. São as mesmas empresas, com os mesmos clientes, com os mesmos doadores que se ligam às mesmas fontes.
Isso quer dizer o seguinte: ou todos são tratados da mesma forma, conforme regra elementar da Justiça, ou teremos, na Lava Jato de 2015, o mesmo tratamento preferencial dispensado aos tucanos do mensalão PSDB-MG. Não dá para dizer que um recebe “propina” e o outro ” verba de campanha,” certo?
Acho errado por princípio criminalizar as campanhas financeiras dos partidos políticos. Por mais graves que sejam suas distorções – e nós sabemos que podem ser imensas – elas envolvem recursos indispensáveis ao funcionamento do regime democrático. Mesmo a Nova República, que substituiu o regime militar, nasceu com auxílio de um caixa clandestino formado pelos maiores empresários e banqueiros do país, na época. Não conheço ninguém que, mesmo informado dessa situação, sentisse nostalgia da suposta — sim, suposta e apenas suposta — moralidade do regime dos generais.
Se queremos uma democracia emancipada do poder econômico, precisamos de novas regras – como financiamento público, como proibição de contribuições de empresas – para isso. E temos de ter regras transitórias para caminhar nessa direção, que não joguem fora a criança junto com a água do banho, certo?
Mas não é isso o que tem ocorrido. Pelo contrário. A tradição é criminalizar os indesejáveis, submetidos a penas rigorosas, e poupar amigos e aliados, através de uma prática conhecida.
Comparece-se a AP 470 com o mensalão PSDB-MG.Julgados pelo mesmo crime que conduziu importantes dirigentes do Partido dos Trabalhadores a prisão, os acusados da versão tucana sequer foram julgados – até hoje. Muitos já tiveram a pena prescrita. Não faltam acusados que dormem o sono dos justos com a certeza de que jamais correrão o risco de qualquer condenação. Os acusados tucanos que forem condenados – se é que isso vai acontecer um dia — terão direito a um julgamento com segundo grau de jurisdição, que foi negado aos principais réus do PT. A última notícia do caso é que a juíza que presidiu o julgamento em primeira instancia aposentou-se antes de terminar o serviço e ninguém foi nomeado para seu lugar. Se esse filme parece velho, lembre das denúncias que envolvem as obras do metrô paulista.
Muito instrutivo, não?
A crise, por Paulo Moreira Leite
[...] na fila do banco, nos aeroportos, nos betequins, na mídia, no Judiciário
Na fila do banco, uma senhora pergunta se está chovendo lá fora. Respondo que sim e apontado para umas vitrines próximas, pergunto: “A senhora vai fazer compras?”
— Não, ela diz, olhando a tela do celular. Vou me sentar e olhar minhas mensagens no Whatsap. Já chegaram mais de cem hoje de manhã.Todo mundo quer derrubar o governo, ela diz.
–Eu não quero, comento.
–Não quer?
–Eu não.
–Você quer que a corrupção continue? É a favor da roubalheira?, me diz, como se tivesse ouvido uma apologia ao crime.
— Me diga só uma coisa que esse governo fez de bom. Só uma, continua.
–Melhorou a vida dos pobres, respondo.
— Quem fez isso foi a mulher do presidente Fernando Henrique, argumenta a senhora. Ela começou tudo, até fez os estudos que permitiram tudo isso. O Lula só continuou.
Contesto. Falo do salário mínimo, das regiões mais pobres do país. Do desemprego baixo. Lembro que a história do Bolsa Família é muito diferente, demonstro algum conhecimento.
Sorrindo irônica, minha interlocutora pergunta com ar suspeito se trabalho no governo. Depois, onde estudei. Tem o olhar desconfiado, investigativo, quase policial.
Descubro através daquela senhora que a mentira não apenas triunfou na mente de muitos brasileiros. Milhões. Tornou-se opressora, perigosa.
À noite, num jantar entre eleitores de Lula e Dilma, um dos presentes fala do governo e do PT no passado. Tenta explicar “por que deu errado. ” Permite-se reescrever a história, ajeitando para seus pontos de vista desiludidos de hoje.
Lembra dos primeiros escândalos e, com um certo jeito de professor que me incomoda, diz que o partido não poderia ter sido tão complacente com o dinheiro, não podia ter agido como os outros. “Eu participei da campanha de 2002, eu vi como era. O dinheiro jorrava.” E repete: “jorrava.”
A lado, concordando, uma senhora presente argumenta: “Eu não sei porque o PT precisava de tanto dinheiro. Devia confiar na sua mensagem. Se desse para ganhar eleição, ganhava. Se não tivesse representatividade, perdia. Posso estar sendo idealista, utópica, mas pergunto: não é assim que deve ser a política
Interrompo para discordar:
— Eu não acho que estava dando errado. Apareceram muitos problemas, o governo parece parado mas a verdade é que estava dando certo, muito certo. Para a maioria dos brasileiros, nenhum governo deu tão certo. Talvez ainda possa continuar dando certo.
Como a senhora na porta do banco, os olhares se voltam para mim numa combinação de surpresa e solidariedade. Continuo, lembrando da conversa na fila do banco:
— O governo fez aquilo que deveria ter feito, o que era o mais importante: a vida dos mais pobres, dos trabalhadores, melhorou muito.
— A dos ricos também, corta uma voz. Os muito ricos nunca ganharam tanto dinheiro.
— Os pobres ganharam. É matemática, é saber fazer contas, usar os índices. O salário nunca subiu tanto, o consumo nunca cresceu dessa maneira.
E há outro argumento, prossigo:
— Os pobres não só ganharam dinheiro, mas ganharam direitos. E passaram a exigir o que têm direito. Ocorreu uma pequena insurgência no país, ao longo de todos esses anos, quando os pobres passaram a exigir o que era deles. Fizeram isso no trabalho, em casa, na rua. Hoje você não pode maltratar uma pessoa porque ela é pobre. Não pode mexer com negros porque vai dar confusão, eles reagem. Está certo. Eles viram o que o Lula fazia no governo, o que enfrentava, e copiavam. Os ricos não gostaram disso. Perderam um pouquinho de dinheiro, um pouquinho só, mas também perderam prestígio, conforto, auto-imagem. Por isso a Danuza escreveu que encontrar o mordomo de férias em Paris tira a graça de Paris. Os ricos estavam perdendo poder, disse, esquecendo de mencionar as eleições presidenciais.
Uma pausa para a cerveja. A conversa é retomada. O assunto é corrupção. Falo:
— Vamos falar da realidade. O Lula estava certo em Paris, no tempo do mensalão, quando falou que o Partido dos Trabalhadores apenas fez aquilo que é feito, sistematicamente, pelos outros partidos. Foi uma afirmação histórica, dialética, e olha que eu não gosto muito dessas palavras. Alguém vai dizer que ele mentiu? Mas foi assim. Disseram que era um escândalo, que um presidente não podia falar aquilo. Mas Lula estava certíssimo.
No caminho de casa, lembro do Ricardo Semler. No final do ano passado, um mês depois da vitória de Dilma, o empresário-prodígio tentava virara mesa mais uma vez, agora contra a turma que pedia impeachment e denunciava a corrupção.
“Que fingimento é este?”, perguntou Semler. Ele mesmo, tucano assumido, respondeu: “Nunca se roubou tão pouco.”
“Os porcentuais caíram, foi só isso que mudou. Até em Paris sabia-se dos ‘cochons des dix pour cent,’ os porquinhos que cobravam 10% por fora sobre a totalidade de importação de barris de petróleo em décadas passadas.”
A Folha de hoje trata da Lava Jato, como sempre, mas contém uma informação rara na cobertura. Informa que, conforme vários advogados, “os tribunais estão amedrontados pelo clamor das ruas” como diz Alexandre Lopes, defensor do ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque, que foi solto pelo STF em dezembro, mas voltou para a cadeia dias atrás. Outros defensores dizem a mesma coisa ou até mais.
Eu penso na senhora da fila do banco.
Em agosto de 2007, a Folha registrou uma conversa do ministro Ricardo Lewandovski, ao telefone com o irmão. O ministro explicava como havia sido a votação em que o Supremo havia aceito a denúncia contra os acusados da AP 470. “A imprensa acuou o Supremo. Não ficou suficiente comprovada a acusação.” Concluindo, disse Levandowski: “Todo mundo votou com a faca no pescoço.”
Juízes com medo são a pior doença de uma democracia. Indicam uma situação que pode acabar perigosamente sem saída, como perceberam os habitantes daquele lugarejo fictício do velho Oeste norte-americano, onde se passa um filme inesquecível, “O Homem que Matou o Facínora.”
Mas a frase de Lewandovski não levou ninguém a se perguntar porque os juízes estavam com a “faca no pescoço.” Nem o que levou o magistrado, hoje presidente do STF, a acusar os jornais de terem feito isso.
A frase foi publicada, repetida, multiplicada, em tom de comemoração, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Necessária, até. Parecia que o ritual da Justiça brasileira deveria incluir o uso de uma lâmina afiada e cortante, nas proximidades da carótida de Suas Excelências, pois só assim seria possível garantir que os ministros fossem capazes de cumprir suas obrigações.
É sempre bom lembrar o que motivou a denúncia do uso da arma branca. Momentos antes, no plenário do STF, um fotógrafo do Globo capturou uma troca de emails entre Lewandovski e a ministra Carmen Lucia.
Lewandovski escreveu que o procurador-geral Antonio Carlos Fernando “está jogando para a plateia”. Carmen Lucia respondeu concordando e foi além. Disse que o PGR tentava “explicar o que a denúncia não explicou.” A faca foi empunhada quando dois ministros apontavam fraquezas na acusação contra os réus da AP 470. O nome de José Dirceu foi mencionado explicitamente.
Sete anos e oito meses se passaram depois da faca no pescoço. A AP 470 se encerrou com penas fortes para provas fracas. A maioria dos integrantes do núcleo dirigente do Partido dos Trabalhadores foi condenada, com penas agravadas artificialmente, para permitir que fossem conduzidos a regime fechado. De uma forma ou de outra, todos foram colocados fora de combate.
Em 2015 os advogados dizem que os juízes estão com medo na Lava Jato, com suas prisões preventivas, delações premiadas.
“Estamos vivendo um retrocesso e um obscurantismo. A delação é hoje o que foi a tortura na época da ditadura”, diz o advogado Nelio Machado, que foi assistente no escritório de seu pai durante o regime militar.
Nelio Machado lembra que, enquanto não tinham culpa formada, os réus da AP 470 respondiam às acusações em liberdade, como manda a lei, que só admite, em casos muito particulares, justificados de forma robusta, que uma pessoa fique presa ante de ser condenada.
Falecida na semana passada, a guerreira da luta contra a tortura Therezinha Zerbini chegou a ser condenada pela Justiça Militar durante a ditadura.
Com toda selvageria daquele tempo, os juízes da mesma Auditoria em que generais da Justiça Militar foram fotografados escondendo o rosto com as mãos julgamento de Vania, a guerrilheira Dilma Rousseff, Therezinha foi condenada a sete meses de prisão. Os acusados da Lava Jato já completaram quatro meses de cadeia. Nenhum foi julgado.
Impossível deixar de notar que o silêncio das togas contribui para o crescimento da mentira, para a confusão entre Justiça e Crime, e, especialmente, para aquilo que ninguém quer ver nem apontar — pois causa vergonha eterna na memória de um país.
A história elogia a atuação dos tribunais superiores, durante o ciclo militar, moderando e corrigindo decisões duras demais e até absurdas tomadas na primeira instância.
Mas infelizmente não há registro, entre 1964 e 1984, de uma única toga negra que tenha feito uso de suas prerrogativas constitucionais para entrar nos ambientes imundos do porão militar para interromper uma sessão de tortura, impedir talvez um assassinato, uma execução quem sabe um estupro. Milhares de denúncias de violência ficaram registradas nos arquivos da Justiça Militar. Isso permitiu que a memória fosse salva. Mas nenhuma acusação foi apurada em seu devido tempo, quando seria possível impedir crimes e salvar vidas.
Vivemos outro momento nas conversas de 2015. Mas cabe perguntar: desistir? Não!
Nos salões de beleza madames e dondocas protestam contra direitos indevidos que suas empregadas tiveram reconhecidos por causa dos governos petistas de Lula/Dilma.
"Um horror, tão usando o mesmo perfume que a gente usa. Assim não pode. Assim não dá"...
Paulo Moreira Leite - a caminho do terror econômico
Determinados acontecimentos históricos tem uma reconhecida capacidade de iludir seus contemporâneos.
O mais recente envolve a multa de R$ 4,47 bilhões que o Ministério Público pretende aplicar contra seis empresas envolvidas na Operação Lava Jato. O MP também pretende impedir que participem de licitações, que recebam benefícios fiscais e juros subsidiados em seus investimentos.
Diante da estatura dessas empresas, entre as maiores do país, estamos falando de propostas que extrapolam o universo jurídico.
São medidas que, se forem aceitas pela Justiça, envolvem um caso de terrorismo, que consiste em manipular fatos econômicos para se obter objetivos políticos, gerando efeitos que vão muito além dos cidadãos acusados, prejudicando os trabalhadores e suas famílias, afetando ainda o nível de emprego e o desenvolvimento do país.
O absurdo reside aqui. Não bastassem as delações premiadas, as prisões prolongadas para forçar confissões, o cerco criminal ao ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, agora se tenta atingir o pão e a tranquilidade dos brasileiros.
Não é só. Na sexta-feira, o Ministério Público entrou com uma ação cautelar junto ao Tribunal de Contas da União que pretende impedir a celebração de acordos de leniência entre o governo e as empreiteiras. A preocupação é simples: sem prejudicar as investigações, os acordos de leniência — instrumento jurídico empregado nas democracias mais saudáveis do planeta — tem como finalidade impedir que a atividade econômica de empresas sob suspeita seja inviabilizada pelo trabalho de apuração. O Ministério Público quer prosseguir sua atividade que, mesmo quem imagina que é embalada pelas melhores intenções, sabe que terá um impacto destrutivo sobre o país.
Surpresa? Nem tanto.
Principal estudiosa da construção de regimes totalitários no século XX, Hanna Arendt nunca deixou de homenagear o estudioso Franz Borkenau, para quem “o mal, em nosso tempo, exerce uma atração mórbida.”
Quem não esqueceu que a operação Mãos Limpas italiana é o roteiro de trabalho da Lava Jato, como o juiz Sérgio Moro admitiu em artigo escrito em 2004, só precisa ter clareza sobre um aspecto. Além de procurar, assumidamente, a “deslegitimação” do sistema político — o que também se busca no Brasil — a Mãos Limpas inaugurou um período de empobrecimento e recessão na economia.
Foi assim que destruiu um sistema que garantiu o mais prolongado regime democrático da Italia ao longo de sua história republicana, colocando em seu lugar um condomínio de partidos e lideranças frágeis e dóceis, ideais para serem alvo das maiores economias da União Européia e dos Estados Unidos.
O saldo econômico da Mãos Limpas é uma tragédia. Como informa a Economist na edição de 31 de janeiro de 2015, o desempenho da Italia nos anos posteriores à Mãos Limpas foi pior até que o da Grécia, aquela que enfrentou uma recessão de 25% em cinco anos, no mesmo período: “em valores constantes, a economia italiana afundou nos primeiros 14 anos do século (mesmo o PIB da Grécia é maior hoje do que era em 1999). ”
No Brasil de 2015, a multa de R$ 4,47 bilhões pode abrir processo destrutivo de longa duração e consequências nocivas para o conjunto do país.
Parece difícil enxergar isso agora mas esse tipo de adormecimento das consciências é mais frequente do que se imagina.
Deposto em 1 de abril de 1964, João Goulart deixou o país convencido de que logo voltaria à presidência. Já uma parcela respeitável de seus adversários, na base social do golpe militar, tinha certeza de que a ditadura estava programada para durar um ano. Foram vinte anos.
A leitura de outros relatos históricos mostra que esta dificuldade está longe de ser uma peculiaridade brasileira.
Na maior parte da Segunda Guerra Mundial, o Partido Comunista Frances desempenhou um papel reconhecido na resistência ao nazismo. Nem sempre foi assim, porém.
Lembrando os primeiros anos de ocupação da França pelas tropas nazistas, quando Stalin e Hitler tinham assinado um pacto de não agressão, o dirigente comunista Adam Rayski registra uma constrangedora convivência do PCF com os nazistas.
Em “Nos ilusions perdues”, Rayski recorda documentos que pregavam: “Abaixo o capitalismo ariano e judeu”. No jornal do partido, então publicado com outro nome, também se pedia pela expropriação “de grandes capitalistas judeus”, num comportamento que leva Rayksi a se perguntar se essa visão era simples expressão da visão de mundo de determinados jornalistas do partido ou se traduzia um esforço “de acomodação entre comunistas e nazistas.”
Você já sabe que nas ultimas semanas, no Rio Grande do Sul, 7 000 empregos ligados a Petrobras já foram eliminados, em empresas que acusam um rombo de R$ 5 bilhões nos pagamentos a receber. Este é o sinal de alerta para a judicialização da economia.
Do total cobrado pelo Ministério Público, a maior parcela — R$ 3,1 bilhões — encontra-se na categoria sempre subjetiva dos “danos morais,” envolvendo dez vezes o valor estimado das propinas, o que não é comum.
Repetindo um mantra que os brasileiros ouviram até enjoar durante a AP 470, os procuradores da Lava Jato falam em “punição exemplar”. Exemplo de que mesmo?
Pedindo auxílio a metáforas da medicina, que envolvem uma realidade que nada tem a ver com o funcionamento da Justiça e muito menos com a política, fala-se ainda em “câncer”, em “metástase.”
O que se busca é esconder medidas jurídicas que colocam em risco o emprego dos brasileiros, seu salário, o futuro de suas famílias.
Para começar, falta provar que todas as denúncias contra essas empresas são verdadeiras e podem ser demonstradas a partir de provas robustas. Quem sabe? Na página 36 da denuncia contra a OAS, por exemplo, chamada a pagar uma multa de R$ 988 milhões pelo pagamento de propinas, admite-se singelamente que “as transações bancárias até o momento não identificaram o montante de 1% nos contratos firmados entre a construtora e a Petrobras.” Na página 8, cita-se uma delação premiada, produto das circunstâncias que todos conhecemos, que afirma que “todos sabiam” do pagamento de um “porcentual” ao Partido dos Trabalhadores. Em outro cúmulo se precisão, se diz: “o que se rezava dentro da companhia é que esse valor seria integral para o PT.”
A questão política e jurídica, na verdade, é outra. Consiste em perguntar quem deve pagar a conta.
Teve razão a presidente Dilma Rousseff ao lembrar, ontem, que o país estaria muito melhor se as denuncias que envolvem a Petrobras tivessem sido investigadas há quase 20 anos, quando o gerente Pedro Barusco começou a montar um esquema na empresa.
Errou Fernando Henrique Cardoso, quando, horas depois, deu uma resposta torta: “como alguém serio pode responsabilizar meu governo pela conduta imprópria individual de um funcionário se nenhuma denúncia foi feita na época?”
Há exatamente 18 anos, durante primeiro mandato de FHC, o Brasil inteiro tomou conhecimento de uma denúncia do jornalista Paulo Francis de que havia um esquema de propina na Petrobras, pela qual diversos diretores mantinham contas de 50 e 60 milhões de dólares em contas secretas na Suiça. Francis repetiu a denúncia mais de uma vez, pela TV.
Inconformada, a diretoria da Petrobras decidiu acionar Francis na Justiça, numa ação por danos morais no valor de US$ 100 milhões. Estimulado por José Serra, o presidente tentou convencer os executivos da empresa a desistir da ação. Protegeu um amigo do governo mas não demonstrou a mesma atenção pela Petrobras.
Se tivesse mandado investigar o caso, como era dever de um presidente, poderia — eu disse poderia — ter descoberto um universo paralelo que seria denunciado quase duas décadas depois.
Meu palpite — mas é só um palpite — é que não se pretendia fazer nenhum movimento que gerasse ruído em torno de um projeto maior, de privatizar a maior empresa brasileira. Um ano depois da denuncia de Francis, FHC assinou decreto que permitia que a Petrobras fosse dispensada de licitações para definir seus investimentos. Curioso, não?
Em 1996, quando Paulo Francis fez a denuncia, Ministério Público já havia conquistado a autonomia de investigação garantida pela Constituição de 1988. Fez alguma coisa? E a Polícia Federal?
Aprende-se, mais uma vez, uma boa e velha lição: a primeira medida para se impor medidas que prejudicam o conjunto da população e comprometem o destino do país é apagar sua memória. Deu para entender, certo?
Paulo Moreira Leite - política, opinião e cultura em parceria com Brasil 247
O encontro de Lula com a bancada de senadores foi um evento amigo e caloroso, que permitiu a celebração de uma vitória disputada até o último voto. Lula é o líder histórico e patrono da carreira de todos eles — inclusive nas vitórias de 2014 — o que autoriza diálogos com uma franqueza rara no universo político brasileiro.
Paulo Moreira Leite: Dilma sobe e Aécio vai atrás de bode expiatório
PML - Quando falta menos de 24 horas para uma eleição que teve altos e baixos mas, de seu ponto de vista, entrou na reta final em céu de brigadeiro, a campanha de Dilma Rousseff tem duas preocupações no caminho das urnas.
A primeira é impedir que o surto lacerdista dos aliados de Aécio Neves, que enfrenta o risco real de uma dupla derrota no primeiro turno — em Minas Gerais e no plano federal — possa criar um clima desnecessário de tensão política, acima dos padrões aceitáveis de convívio democrático e civilizado. A presidente enxerga a tentativa de impugnar sua candidatura — e até sua posse, nas palavras do deputado tucano Carlos Sampaio — como simples operação para disfarçar um fracasso eleitoral de dimensão histórica, que parecia impensável, quando a campanha começou.
Entre auxiliares de Dilma, a denúncia contra os Correios, acusados de manipular a distribuição de material pago para prejudicar os adversários, nunca foi levada a sério: faltam qualquer indício para dar substância a acusação. ” É a clássica tentativa de criar um bode expiatório. Nosso adversários vão sofrer muito até encontrar uma explicação para a derrota em Minas Gerais, até mais surpreendente que o desempenho na campanha presidencial.”
A outra preocupação de Dilma é evitar um ambiente de festa antes da hora — que pode se transformar em decepção e desmobilização caso as urnas não confirmem aquilo que dizem as pesquisas. Na tarde de sexta-feira a pesquisa telefonica da campanha presidencial — chamada de trakking entre especialistas — marcava um placar que, se for confirmado no domingo, indica que Dilma já pode ter alcançado o mínimo de 50 + 1 dos votos necessários para liquidar a fatura no domingo. Conforme os dados apurados pela campanha do PT, e que devem ser vistos com cautela redobrada pois se trata de pesquisa feita pela parte interessada, a candidata do PT chegou a 44% das intenções de voto. Aécio Neves possui 20% e Marina, em queda, encontra-se em 18%. Outro levantamento mostra números mais modestos: 43, 23 e 20, respectivamente.
A questão é o impulso do PT na chegada. Acredita-se que entre a noite de sexta e a manhã de domingo aquela massa de militantes que vive a anos-luz de qualquer coisa que possa ser chamada de vida partidária mas que não perdeu compromisso com o governo Dilma poderá se colocar de pé na tentativa de garantir os votos que faltam. Um dado da matemática da campanha é que Marina tem perdido votos que Aécio não consegue recuperar e boa parte deles acabam no cesto de Dilma, contribuindo para aproximar a candidata dos 50% = 1.
A agenda de Dilma até domingo está definida. A presidente vai a Belo Horizonte, no sabado, onde fica até o começo da tarde. Em seguida, toma o avião para Porto Alegre. Aproveitará para reforçar a campanha de Tarso Genro, que ultrapassou a adversária Ana Amélia e irá para o segundo turno com boa vantagem. Dilma toma o café da manhã na capital gaúcha, em companhia de Tarso e de Olívio Dutra, candidato ao Senado, que também enfrenta uma posição de empate técnico com o principal adversário. Em seguida, retorna para Brasília, para aguardar pela apuração. A campanha prevê que depois das oito da noite de domingo será possível ter uma ideia da votação, quando deve ser convodada uma entrevista coletiva.
O crescimento da candidatura Dilma parece ocorrer em vários lugares. Na sexta-feira, Lula e Dilma fizeram uma mobilização pela região central de São Paulo, à frente de entidades sindicais e outras lideranças do movimento popular. “Não sei se vai dar primeiro turno mas o clima é de vitória,” afirma o metalúrgico João Carlos Gonçalves, o Juruna, secretário geral da Força Sindical, que mobiliza uma parcela da central — oficialmente comprometida com Aécio — no apoio a Dilma. A campanha em Minas Gerais, que até agora era vista como um cartão de visitas do candidato do PSDB, aponta para uma definição favorável a Fernando Pimentel no primeiro turno. É a grande tragédia tucana e, do ponto de vista do PT, o resultado mais espetacular de uma campanha onde as urnas de São Paulo prometem castigar Alexandre Padilha com uma das piores votações da história.
Em terceiro lugar nas pesquisas presidencias em Minas, de onde chegou a imaginar que poderia sair com uma vantagem de até 4 milhões de votos, o próprio Aécio Neves foi obrigado a reforçar a presença em seu berço político, sob o risco de um vexame de consequencias imprevisíveis. No Rio Grande do Sul, a campanha para o governo de Estado confirmou a virada de Tarso Genro, que vai para o segundo turno para uma disputa sempre difícil, mas com uma liderança isolada.
Na reta final do primeiro turno, era difícil não suspeitar de algo estranho no ar da campanha presidencial de 2014 — e não são simples aviões de carreira.
O esforço ridículo para denunciar o uso dos Correios na campanha eleitoral Durante oito horas, um cidadão chamado Jac de Souza Santos manteve um ambiente de tensão em Brasília, na semana passada. Armado de um revólver de brinquedo e de cartuchos de plástico, ele fez um funcionário de refém diante de câmaras de TV e dos jornais. Era uma pegadinha clássica e delirante mas a polícia deu um novo tratamento ao caso. Informou aos jornais que se tratava de um sequestro político.
O delegado, que poderia ter empunhado um binóculo que permitiria a qualquer cidadão identificar o tipo de armamento usado por Jac de Souza Santos, fez sua parte para elevar o clima de ensão artificial na última semana da campanha presidencial. Lembrou que a cena se passou no hotel Saint Peter, aquele que chegou a oferecer um emprego de R$ 20 000 a José Dirceu, quando ele procurava um lugar para cumprir pena em regime semi-aberto. O delegado também disse que a varanda onde Jac exibiu-se em companhia da sua vítima ficava no 13o andar e logo associou esse número ao PT. Em breve, Jac era tratado como ” terrorista. “Tchan, tchan, tchan, tchan…
O caso estava destinado a se tornar uma anedota policial, fugaz e inofensiva, mas as autoridades decidiram levar a serio o revolver de plástico de Jac de Souza Santos. Depois de ficar preso “em flagrante” por dois dias, ele foi transferido para a penitenciária Papuda, onde irá cumprir um regime de prisão preventiva. Seu advogado recorreu para que possa defender-se em liberdade, mas isso deve ocorrer dentro de duas semanas, em pleno calor intenso do segundo turno da campanha presidencial — se Dilma não tiver feito 50% + 1 neste domingo.
Acusado de cárcere privado e de submeter sua vítima a sofrimento psicólogo, Jac está sendo ameaçado de pegar uma pena de dois a oito anos de prisão, se for condenado. Com antecedentes políticos curiosos — foi filiado ao PP, esteve próximo de uma prefeitura do PSDB — trata-se de um cidadão ideal para ser convencido a fazer uma delação premiada, disparando acusações convenientes em alvo a ser definido por seus algozes, nas próximas semanas. Alguma dúvida?
Será possível esquecer o que se fez no sequestro de Abílio Diniz, em 1989?
A campanha de Dilma age corretamente em sua postura de esvaziar toda tentativa de aquecer a temperatura política sem necessidade. A presidente tem o dever constitucional de proteger a democracia, que deu uma prova de vigor numa campanha que enfrentou uma tragédia como a morte de um dos principais correntes — e nem por isso perdeu o rumo. Cabe seguir neste caminho, evitando interferências alheias a vontade do eleitor, que tem na urna chance de provar sua soberania.
Paulo Moreira Leite: Voto em Dilma
A minha razão para votar em Dilma tem origem na convicção fundamental de que o dever principal do Estado e dos governantes é defender os humildes e os desprotegidos, os que não tiveram oportunidade. Também se baseia nas melhores estatísticas, que podem ser lembradas sempre que necessário, e ajudam a entender quem fez o quê, quando, para quem.
Estou falando da distribuição de renda, para lembrar que queremos viver num Brasil de cidadãos iguais, homens e mulheres. Acredito que é preciso manter a prioridade no emprego e no salário, no mercado interno, porque sabemos que só progresso no bem-estar da população de baixo gera melhoras reais para o conjunto da sociedade.
- Não tenho religião mas tenho uma fé política: creio que numa democracia todos os poderes emanam do povo. Não imagino um país de cabeça baixa, refúgio de escravos tristes e senhores de sorriso amarelo pelo excesso de esperteza.
- Não acredito em contos de fada nem admiro heróis de álbum de figurinha.
- Não creio num futuro de privilégios nem de favores. A hierarquia não eleva. A inferioridade incomoda.
Só a luta pela igualdade é ética.
Penso em Dilma quando tentam nos assustar com o medo ridículo de mais uma queda na Bolsa, querendo ligar o destino do país ao enriquecimento de tubarões de um cassino pobre e podre, habituados a embolsar seus lucros e transferir suas desgraças para a maioria da população.
Penso em Dilma quando vejo um candidato aparecer na TV sem conseguir — apesar de muito treinamento — disfarçar sua conversa vazia. Nada consegue dizer porque muito tem a esconder.
Penso nela quando até um ator de Hollywood, envergonhado, sentiu-se no dever de informar que fez papel de bobo e retira o apoio a uma concorrente.
Os analistas de gabinete estão atônitos, os economistas de encomenda e os consultores milionários fogem de clientes inconformados. Faltam poucos dias para o povo ir às urnas e tudo que imaginaram, prometeram, deu errado. Mentiram, apenas mentiram, mentiram de novo.
Apesar do massacre cotidiano, das cortinas de fumaça, das trapaças, das demonstrações de má fé, milhões de brasileiros foram capazes de compreender aonde estão seus interesses, distinguir quem zela por suas necessidades e tem disposição de lutar por elas. Não é de hoje que aprenderam o que é classe social.
Por vários caminhos, com as idéias mais exóticas, incongruentes na origem mas idênticas na finalidade, formou-se uma grande aliança para tentar fazer a roda da história andar para trás. Deu errado.
Dilma só é chamada de agressiva, e suas críticas são chamadas de ataques, porque é assim que acontece com quem desafia o coro das ideias dominantes.
Nunca os mais pobres conseguiram vencer tantos enganos, tantas ilusões.
Nunca tiveram a mesma oportunidade de arrumar o país para ficar um pouco do seu jeito, onde possam fazer valer sua vontade e serem tratados com dignidade.
Nunca foi tão necessário derrotar o preconceito, a ideologia nefasta dos senhores de sempre, o pensamento conservador do eterno obscurantismo — marcas daquilo que muitos anos atrás nosso maior poeta do século XX chamou de mundo caduco.
Em meio a tanta dificuldade, tanta injustiça, tanta mudança a ser feita, vivemos num país onde 94% dos favelados dizem que estão felizes com a vida que levam.
Por isso, voto e peço voto em Dilma.
Paulo Moreira Leite: De que lado tu tá?
Luciana Genro certamente vai deixar a campanha presidencial de 2014 como uma das revelações do primeiro turno.
A candidata do PSOL calou o discurso de mudanças de Eduardo Jorge, ontem, ao lembrar sua participação, subordinada, em governos conservadores, a começar pelo PSDB de José Serra, em São Paulo, explicando que vivemos numa sociedade dividida em classes, na qual é preciso escolher um lado.
No debate no SBT, Luciana Genro discutiu política econômica para fazer uma pergunta curta e direta para Marina Silva: “Tu és a segunda via do PSDB?” Diante da firmeza evasiva que tem pontuado as respostas da candidata do PSB, Luciana Genro acrescentou: “Não dá, Marina. Tem que escolher um lado.” Desta vez, foi ainda mais clara: lembrou que existe “o lado do capital e o lado dos trabalhadores.” No debate promovido pela Igreja Católica, Luciana desvendou a hipocrisia do discurso moralista de Aécio Neves.
Na reta final da campanha, os candidatos estão escolhendo seus lados, até Levy Fidélix que ontem se definiu como centro-direita.
Mas resta uma pergunta:
— De que lado tu tá, Luciana Genro?, perguntou, pelo twitter, a deputada Maria do Rosário, que foi ministra dos Direitos Humanos.
A experiência de homens e mulheres ensina que o engajamento político não consiste numa declaração verbal — mas envolve compromissos políticos, dentro de cada situação concreta de perspectiva de poder.
A história não se faz por atos de vontade mas dentro de condições dadas, como ensinam estudiosos aplicados e brilhantes. É um produto da experiência das classes sociais, que forjam projetos e definem seus líderes.
No Brasil de 2014, nem é preciso ler os jornais para saber onde se encontra “o lado do Capital e o lado dos trabalhadores,” para empregar a definição que Luciana. Basta consultar o Manchetômetro.
A prioridade para o “lado do capital”, em 2014, é derrotar o acordo progressista que assumiu o governo brasileiro em 2003 e, ao longo de três mandatos consecutivos, acumulou uma série de mudanças — inegáveis — em benefício dos trabalhadores e da população pobre. Falando do essencial:
* O Brasil conseguiu sair do mapa da fome da ONU, 68 anos depois que o médico Josué de Castro escreveu a obra Geografia da Fome. Isso aconteceu depois que Lula transformou a fome em questão de Estado. Um número resume a prioridade. Em 2002, final do governo FHC, os gastos sociais do governo federal chegavam a R$ 1804 per capita. Em 2011, sem que o governo tivesse alterado um centavo na carga tributária deixada pelo PSDB — ao contrário do que afirma a turma do impostômetro — chegavam a R$ 3444, uma elevação superiour a 80% (1).
* Em dezembro de 2002, final do governo Fernando Henrique, uma cesta básica consumia 68% do salário mínimo. Hoje, consome 47,7%. Apesar do crescimento baixo em 2014 a economia gera empregos. Foram acumulados 3 milhões de novos postos de trabalho no governo Dilma e em junho de 2014 projetava-se a criação de mais 563 000. A média de desemprego no Brasil, entre 2008 e 2013, é de 6,3% — a mesma da Alemanha no mesmo período. A da Espanha é de 22%, da França, 10%, da Itália 9,5% e da Grécia 18,2%. A proporção de empregos formais dobrou entre 1994 e 2012.
* É gracioso dizer que Lula-Dilma têm a mesma política econômica do que o PSDB e Marina Silva para favorecer os bancos. Mas é falso. Nos oito anos do governo Fernando Henrique, a média da taxa de juros foi de 26,6%. No governo Lula, caiu para 14,8%. No governo Dilma, é de 9,4%. A insistência em nivelar todos os governos no mesmo patamar só beneficia quem precisa esconder o que fez, certo?
* Oferendo oportunidades nunca abertas para os brasileiros negros, excluídos entre os excluídos, o programa Pro-Uni assegurava 1 milhão de matrículas em universidades, em 2012. Se em 2002 apenas 140 estabelecimentos ofereciam educação profissional tecnológica, em 2014 esse número chegava a 562.
Esses dados formam um conjunto que mostra que a partir de 2003 o país teve um governo capaz de dar início a um conjunto de mudanças favoráveis a maioria dos brasileiros.
Um grande número de eleitores já percebeu isso, como demonstra a liderança de Dilma Rousseff nas pesquisas. Apesar do massacre absurdo que sua candidatura tem sofrido cotidianamente, uma parcela crescente de brasileiros dá sinal de que pretende resistir e defender o que conquistou de 2003 para cá.
Este é o sentido da eleição. O lado. E é nesta situação, diante de alternativas reais de poder, que é possível fazer opções.
Com argumentos muito semelhantes àqueles que Luciana Genro emprega hoje, em 1950 o Partido Comunista Brasileiro (PCB) fez campanha contra Getúlio Vargas. Pregou voto branco, com o argumento de que Vargas representava o imperialismo norte-americano. Por mais absurdo que isso possa parecer nos dias de hoje, era coerente com a lógica da Guerra Fria. Quem não era aliado incondicional de uma das superpotência era considerado como inimigo, e o nacionalista Getúlio se encaixava nesta categoria tanto em Washington como em Moscou.
Nessa perspectiva, o PCB se engajou numa oposição radical a Vargas e não perdia uma oportunidade para hostilizar o governo, assumindo o papel da sigla esquerdista que faz o jogo conveniente a direita.
Não enxergou conquistas importantes — como aumento do salário mínimo congelado após cinco anos, a criação da Petrobras. Na crise de 1954, seus jornais pediam a renuncia do presidente — e, depois do tiro no peito, foram atacados e empastelados por uma multidão indignada.
Eu era correspondente em Washington, em 2000, quando assisti a campanha pela sucessão de Bill Clinton. Não há comparação possível entre os universos políticos dos dois países, até porque não há equivalente ao Partido dos Trabalhadores nos Estados Unidos.
Mas a eleição daquele ano guarda lições úteis para o Brasil de 2014.
Havia dois concorrentes na disputa. George W. Bush, o republicano que deixou a Casa Branca como o pior presidente desde a Independência, em 1776, e o vice Al Gore, o democrata que parecia uma versão mais bem comportada e centrada do que o antecessor. Al Gore foi derrotado no tapetão da Suprema Corte, que suspendeu a recontagem de votos na Florida, medida que equivalia a dar posse a George W Bush.
O que ninguém gosta de lembrar é que havia um terceiro candidato na campanha, um advogado chamado Ralph Nader. Inventor do movimento de defesa do consumidor, quando levou executivos da industria automobilística para os tribunais, nos anos 1960, Nader tornara-se uma personalidade conhecida, simpática e respeitável. Candidato pelo Partido Verde, falar com ele era uma delícia, como pude comprovar em várias entrevistas curtas durante a campanha. Nader denunciava os bancos e as grandes empresas, falava da industria bélica sem receio, empregando uma tonalidade radical que jamais seria ouvida mesmo entre a ala mais esquerda do Partido Democrata, com ligações com o movimento sindical muito mais profundas do que eu imaginava antes de morar nos EUA. Contava com apoio entre universitários e intelectuais, inclusive Noham Chomsky.
Nós sabemos como foi a campanha norte-americana de 2000. Al Gore venceu no voto popular por meio milhão de votos. Mas era uma disputa apertada, num sistema indireto em que os partidos precisam ganhar a eleição em cada Estado para fazer maioria no Colégio Eleitoral que tem a última palavra na escolha do presidente. Foi aí que o voto em Ralph Nader teve um papel importante — para a vitória de Bush.
Com um discurso à esquerda de Al Gore, mas dentro de um campo político definido — o “lado” — ele conseguiu receber 2,8 milhões de votos no país inteiro. Se tinha eleitores que teriam votado em Bush como segunda opção, não havia dúvida que a preferência por Al Gore era mais acentuada, numa proporção de 38% contra 25% para cada um dos candidatos, conforme uma pesquisa feita no dia da eleição. Ninguém pode imaginar quantos votos Nader tomou de Al Gore naquele pleito, impedindo que fizesse um número maior de delegados aqui ou ali. Mas todo mundo sabe que na contagem final, a disputa concentrou-se na Flórida, de ali o estrago foi grande. Aceitando como verdadeiros os números oficiais, divulgados após uma longa batalha nas apurações, medidas judiciais de um lado e de outro, afirma-se que Bush ganhou por uma diferença de miseráveis 537 votos. Mas a apuração mostrou que Ralph Nader ficara com 97.421 votos na Florida — um oceano eleitoral que teria assegurado a Al Gore os votos de que necessitava para vencer.
O que veio a seguir todos se recordam. Bush reorientou o Estado americano para um conservadorismo puro e duro, abandonando qualquer concessão de natureza moderada deixada por Clinton. Depois do 11 de setembro, iniciou a invasão do Afeganistão e a Guerra do Iraque, terminando por gerar uma bolha financeira-militar que ajudou a cavar o túmulo da grande crise de 2008.
Claro que Ralph Nader não tem a menor responsabilidades pelas medidas estúpidas de George W Bush. Não era o presidente nem estava no comando.
Mas, quatro anos depois, quando voltou a disputar a eleição, seus 2,8 milhões de votos haviam se reduzido a 465 000. Em nova tentativa, quando Barack Obama foi eleito pela primeira vez, cresceram só um pouquinho. Mas equivaliam a quinta parte daquilo que ele recebera na campanha de 2000.
É importante escolher seu lado, como afirma Luciana Genro em 2014.
(1) A fonte da maioria dos dados deste texto é o levantamento “Vinte Anos de Economia Brasileira — 1994-2014,” de Gerson Gomes e Carlos Antônio Silva da Cruz
A candidata do PSOL calou o discurso de mudanças de Eduardo Jorge, ontem, ao lembrar sua participação, subordinada, em governos conservadores, a começar pelo PSDB de José Serra, em São Paulo, explicando que vivemos numa sociedade dividida em classes, na qual é preciso escolher um lado.
No debate no SBT, Luciana Genro discutiu política econômica para fazer uma pergunta curta e direta para Marina Silva: “Tu és a segunda via do PSDB?” Diante da firmeza evasiva que tem pontuado as respostas da candidata do PSB, Luciana Genro acrescentou: “Não dá, Marina. Tem que escolher um lado.” Desta vez, foi ainda mais clara: lembrou que existe “o lado do capital e o lado dos trabalhadores.” No debate promovido pela Igreja Católica, Luciana desvendou a hipocrisia do discurso moralista de Aécio Neves.
Na reta final da campanha, os candidatos estão escolhendo seus lados, até Levy Fidélix que ontem se definiu como centro-direita.
Mas resta uma pergunta:
— De que lado tu tá, Luciana Genro?, perguntou, pelo twitter, a deputada Maria do Rosário, que foi ministra dos Direitos Humanos.
A experiência de homens e mulheres ensina que o engajamento político não consiste numa declaração verbal — mas envolve compromissos políticos, dentro de cada situação concreta de perspectiva de poder.
A história não se faz por atos de vontade mas dentro de condições dadas, como ensinam estudiosos aplicados e brilhantes. É um produto da experiência das classes sociais, que forjam projetos e definem seus líderes.
No Brasil de 2014, nem é preciso ler os jornais para saber onde se encontra “o lado do Capital e o lado dos trabalhadores,” para empregar a definição que Luciana. Basta consultar o Manchetômetro.
A prioridade para o “lado do capital”, em 2014, é derrotar o acordo progressista que assumiu o governo brasileiro em 2003 e, ao longo de três mandatos consecutivos, acumulou uma série de mudanças — inegáveis — em benefício dos trabalhadores e da população pobre. Falando do essencial:
* O Brasil conseguiu sair do mapa da fome da ONU, 68 anos depois que o médico Josué de Castro escreveu a obra Geografia da Fome. Isso aconteceu depois que Lula transformou a fome em questão de Estado. Um número resume a prioridade. Em 2002, final do governo FHC, os gastos sociais do governo federal chegavam a R$ 1804 per capita. Em 2011, sem que o governo tivesse alterado um centavo na carga tributária deixada pelo PSDB — ao contrário do que afirma a turma do impostômetro — chegavam a R$ 3444, uma elevação superiour a 80% (1).
* Em dezembro de 2002, final do governo Fernando Henrique, uma cesta básica consumia 68% do salário mínimo. Hoje, consome 47,7%. Apesar do crescimento baixo em 2014 a economia gera empregos. Foram acumulados 3 milhões de novos postos de trabalho no governo Dilma e em junho de 2014 projetava-se a criação de mais 563 000. A média de desemprego no Brasil, entre 2008 e 2013, é de 6,3% — a mesma da Alemanha no mesmo período. A da Espanha é de 22%, da França, 10%, da Itália 9,5% e da Grécia 18,2%. A proporção de empregos formais dobrou entre 1994 e 2012.
* É gracioso dizer que Lula-Dilma têm a mesma política econômica do que o PSDB e Marina Silva para favorecer os bancos. Mas é falso. Nos oito anos do governo Fernando Henrique, a média da taxa de juros foi de 26,6%. No governo Lula, caiu para 14,8%. No governo Dilma, é de 9,4%. A insistência em nivelar todos os governos no mesmo patamar só beneficia quem precisa esconder o que fez, certo?
* Oferendo oportunidades nunca abertas para os brasileiros negros, excluídos entre os excluídos, o programa Pro-Uni assegurava 1 milhão de matrículas em universidades, em 2012. Se em 2002 apenas 140 estabelecimentos ofereciam educação profissional tecnológica, em 2014 esse número chegava a 562.
Esses dados formam um conjunto que mostra que a partir de 2003 o país teve um governo capaz de dar início a um conjunto de mudanças favoráveis a maioria dos brasileiros.
Um grande número de eleitores já percebeu isso, como demonstra a liderança de Dilma Rousseff nas pesquisas. Apesar do massacre absurdo que sua candidatura tem sofrido cotidianamente, uma parcela crescente de brasileiros dá sinal de que pretende resistir e defender o que conquistou de 2003 para cá.
Este é o sentido da eleição. O lado. E é nesta situação, diante de alternativas reais de poder, que é possível fazer opções.
Com argumentos muito semelhantes àqueles que Luciana Genro emprega hoje, em 1950 o Partido Comunista Brasileiro (PCB) fez campanha contra Getúlio Vargas. Pregou voto branco, com o argumento de que Vargas representava o imperialismo norte-americano. Por mais absurdo que isso possa parecer nos dias de hoje, era coerente com a lógica da Guerra Fria. Quem não era aliado incondicional de uma das superpotência era considerado como inimigo, e o nacionalista Getúlio se encaixava nesta categoria tanto em Washington como em Moscou.
Nessa perspectiva, o PCB se engajou numa oposição radical a Vargas e não perdia uma oportunidade para hostilizar o governo, assumindo o papel da sigla esquerdista que faz o jogo conveniente a direita.
Não enxergou conquistas importantes — como aumento do salário mínimo congelado após cinco anos, a criação da Petrobras. Na crise de 1954, seus jornais pediam a renuncia do presidente — e, depois do tiro no peito, foram atacados e empastelados por uma multidão indignada.
Eu era correspondente em Washington, em 2000, quando assisti a campanha pela sucessão de Bill Clinton. Não há comparação possível entre os universos políticos dos dois países, até porque não há equivalente ao Partido dos Trabalhadores nos Estados Unidos.
Mas a eleição daquele ano guarda lições úteis para o Brasil de 2014.
Havia dois concorrentes na disputa. George W. Bush, o republicano que deixou a Casa Branca como o pior presidente desde a Independência, em 1776, e o vice Al Gore, o democrata que parecia uma versão mais bem comportada e centrada do que o antecessor. Al Gore foi derrotado no tapetão da Suprema Corte, que suspendeu a recontagem de votos na Florida, medida que equivalia a dar posse a George W Bush.
O que ninguém gosta de lembrar é que havia um terceiro candidato na campanha, um advogado chamado Ralph Nader. Inventor do movimento de defesa do consumidor, quando levou executivos da industria automobilística para os tribunais, nos anos 1960, Nader tornara-se uma personalidade conhecida, simpática e respeitável. Candidato pelo Partido Verde, falar com ele era uma delícia, como pude comprovar em várias entrevistas curtas durante a campanha. Nader denunciava os bancos e as grandes empresas, falava da industria bélica sem receio, empregando uma tonalidade radical que jamais seria ouvida mesmo entre a ala mais esquerda do Partido Democrata, com ligações com o movimento sindical muito mais profundas do que eu imaginava antes de morar nos EUA. Contava com apoio entre universitários e intelectuais, inclusive Noham Chomsky.
Nós sabemos como foi a campanha norte-americana de 2000. Al Gore venceu no voto popular por meio milhão de votos. Mas era uma disputa apertada, num sistema indireto em que os partidos precisam ganhar a eleição em cada Estado para fazer maioria no Colégio Eleitoral que tem a última palavra na escolha do presidente. Foi aí que o voto em Ralph Nader teve um papel importante — para a vitória de Bush.
Com um discurso à esquerda de Al Gore, mas dentro de um campo político definido — o “lado” — ele conseguiu receber 2,8 milhões de votos no país inteiro. Se tinha eleitores que teriam votado em Bush como segunda opção, não havia dúvida que a preferência por Al Gore era mais acentuada, numa proporção de 38% contra 25% para cada um dos candidatos, conforme uma pesquisa feita no dia da eleição. Ninguém pode imaginar quantos votos Nader tomou de Al Gore naquele pleito, impedindo que fizesse um número maior de delegados aqui ou ali. Mas todo mundo sabe que na contagem final, a disputa concentrou-se na Flórida, de ali o estrago foi grande. Aceitando como verdadeiros os números oficiais, divulgados após uma longa batalha nas apurações, medidas judiciais de um lado e de outro, afirma-se que Bush ganhou por uma diferença de miseráveis 537 votos. Mas a apuração mostrou que Ralph Nader ficara com 97.421 votos na Florida — um oceano eleitoral que teria assegurado a Al Gore os votos de que necessitava para vencer.
O que veio a seguir todos se recordam. Bush reorientou o Estado americano para um conservadorismo puro e duro, abandonando qualquer concessão de natureza moderada deixada por Clinton. Depois do 11 de setembro, iniciou a invasão do Afeganistão e a Guerra do Iraque, terminando por gerar uma bolha financeira-militar que ajudou a cavar o túmulo da grande crise de 2008.
Claro que Ralph Nader não tem a menor responsabilidades pelas medidas estúpidas de George W Bush. Não era o presidente nem estava no comando.
Mas, quatro anos depois, quando voltou a disputar a eleição, seus 2,8 milhões de votos haviam se reduzido a 465 000. Em nova tentativa, quando Barack Obama foi eleito pela primeira vez, cresceram só um pouquinho. Mas equivaliam a quinta parte daquilo que ele recebera na campanha de 2000.
É importante escolher seu lado, como afirma Luciana Genro em 2014.
(1) A fonte da maioria dos dados deste texto é o levantamento “Vinte Anos de Economia Brasileira — 1994-2014,” de Gerson Gomes e Carlos Antônio Silva da Cruz
Acordando a memória perdida de FHC, por Paulo Moreira Leite
A leitura de “Brasil Privatizado — Um balanço do desmonte do Estado” ajuda a reconstruir uma memória essencial para o debate da campanha de 2014.
Numa conjuntura em que a candidatura de Aécio Neves começa a dar sinal de vida, e Marina Silva mantem-se de pé graças a transfusão permanente de apoio de lideranças do PSDB, é sempre útil lembrar como se encontrava o Brasil no final de dois governos de Fernando Henrique Cardoso e entender por que o último presidente tucano deixou Brasília com 13% de popularidade negativa.
Em 254 páginas, Aloysio Biondi (1936-2000), mestre maior do jornalismo econômico brasileiro, deixou um trabalho único para se desfazer mitos criados naquela época. Enquanto os principais jornais e revistas atravessaram os oito anos de FHC multiplicando elogios de natureza ideológica — e também interesseira — à gigantesca transferência de empresas estatais para o setor privado, Aloysio Biondi enfrentava, há uma década e meia, o debate que interessava a maioria dos brasileiros.
Da mesma forma que foi um dos críticos mais competentes do milagre do regime militar, brigando com a esquerda que não queria enxergar o crescimento, e com direita que não admitia contradições que iriam gerar a década perdida de 1980, Aloyisio Biondi foi atrás dos fatos em vez de privilegiar opiniões e convicções. O livro mostra números e medidas de natureza política que permitiram a transferência de uma parcela imensa da riqueza construída por várias gerações de brasileiros para bolsos privados, em grande parte estrangeiros — a preços amigos e saldo em suaves prestações,além de muitas acrobacias contábeis que permitiram transformar perdas reais em ganhos fictícios.
Debatendo, em oito páginas de números e tabelas, aquilo que o governo dizia ter arrecadado com as privatizações — R$ 85,2 bilhões — e aquilo que era possível contabilizar como favorecimento aos novos proprietários na forma de investimentos prévios, dívidas perdoadas, juros não cobrados, e outros benefícios, Biondi mostra o seguinte: no final, se chegou a uma conta negativa — R$ 87,6 bilhões. Na prática, sustenta, o país perdeu R$ 2,4 bi. Você pode até achar que o investimento valeu a pena, que não havia outro jeito, que somos mesmo um país de vira-latas e botocudos. Também pode explicar que, mais uma vez, o que se queria era fazer o bolo crescer — com a farinha do povo e o fermento do contribuinte — para depois ser dividido, e que isso não aconteceu porque, sabe como é….Mas o dado está lá.
Na dúvida, o mestre escreve um artigo chamado “Como falsificar balanços.” Ajuda.
O livro permite acompanhar um processo de desnacionalização que não tornou o Brasil nem mais rico nem mais próspero, ainda que tenham ocorrido, mudanças, como a telefonia celular, que estavam na agenda do capitalismo global e dificilmente deixariam de chegar a um mercado como o brasileiro, de uma forma ou de outra. Biondi faz o favor de combinar a economia e a política. Fala de um país que tornou-se mais dependente e submisso, num processo que foi muito além dos negócios para envolver os poderes da nação definir seu destino com soberania. “Queremos o Brasil de volta”, proclamava Biondi, como lembra Janio de Freitas, autor do prefácio.
Para quem gosta de criticar Lula/Dilma pelos empréstimos do BNDES para empresas brasileiras investirem no Porto de Mariel, em Cuba, há uma surpresa desagradável. Ao mesmo tempo em que mantinha a proibição das estatais receberem empréstimos do BNDES, medida que tinha o efeito óbvio de contribuir para sua asfixia e sucateamento, em 1997 Fernando Henrique Cardoso, assinou decreto — que Biondi trata ironicamente como “revolucionário” — autorizando o BNDES a conceder empréstimos a grupos estrangeiros. Dias depois, recorda, um grupo norte-americano usou dinheiro do BNDES para tornar sócio da CEMIG, a estatal mineira de energia.
Em outra medida de última hora que mostrou-se de inteiro agrado aos novos proprietários, e logo se revelaria uma péssima ideia para consumidores, o governo decidiu mudar o modelo das empresas de energia. A novidade principal é que o Estado deixou de participar ativamente da gestão das empresas privatizadas, ampliando a liberdade dos novos proprietários para definir prioridades e políticas de crescimento conforme suas metas de lucro. Abandonando qualquer função interna — salvaguarda que fora prometida ao Congresso Nacional — o Estado ficou na função de fiscalização, assegurando “autonomia total para as multinacionais agirem de acordo com seus interesses,” diz Biondi, que registra a medida como um “passa-moleque” dos novos proprietários nas autoridades brasileiras. ” Curiosidade. Você pode nem acreditar mas os textos do livro se encerram dois anos antes do Brasil enfrentar o apagão e os rigores do racionamento.
“A sociedade brasileira ainda não acordou para uma “brutal realidade”, escreve Biondi, refletindo o pessimismo da época: “o Brasil já se tornou um país inviável.”
Antecipando o ambiente de velório que marcou os anos finais de Fernando Henrique, ele afirma: “o Brasil já está com o futuro comprometido. Já foi colocado num beco sem saída pela política de terra arrasada a que se deu o nome de plano Real.”
Um ponto relevante do livro é mostrar que o governo FHC estava longe de receber apoio unânime à política de privatizações, ainda que ela fosse apresentada como único caminho possível para o desenvolvimento e a atualização tecnológica.
Enquanto os aliados de FHC tratavam protestos de vários setores da sociedade como puro folclore de “dinossauros do Muro de Berlim”, Biondi reproduz longos trechos de um artigo do ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira que ajuda a dar realismo a discussão. Ele próprio fundador do PSDB, interlocutor dos principais debates econômicos de sua geração, em janeiro de 2000 Bresser faz afirmações que ajudam a entender por que, em 2014, ele declarou que irá votar em Dilma Rousseff. Três frases de Bresser, há 14 anos:
“Não percebemos que o liberalismo econômico é muito bonito em teoria mas que na prática nenhum país desenvolvido o pratica integralmente.”
Ou ainda: “O princípio seguido pelos países ricos é simples: faça como eu digo, não como eu faço. E o princípio adotado por nossas elites é igualmente simples: ‘Faça como eles dizem que eu eu devo fazer, não como eles fazem.”
E mais: “Nós permitimos a desnacionalização de grandes empresas brasileiras e de grandes bancos. Decididamente, enlouquecemos.”
Falando de um governo que ainda se encontrava no início do segundo mandato, Biondi acusou FHC de destruir a alma nacional, o sonho coletivo.” Foi um dos primeiros a registrar que, do ponto de vista social, a privatização a brasileira mostrou-se mais iníqua que o processo conduzido por Margaret Tatcher na Inglaterra — onde trabalhadores e parcelas menos endinheiradas da população puderam ficar com uma parcela considerável do bolo, enquanto no Brasil os subsídios foram utilizados para permitir o controle de grandes grupos econômicos sobre as empresas privatizadas, com poucas concessões para a plebe, em casos bem específicos. Mais conservadores do que Tatcher? Pois é.
Num artigo escrito em junho de 2000, poucos meses antes de sua morte, Aloysio Biondi fala do ambiente político do país. Denuncia matérias pautadas pelo governo para desmoralizar a oposição. Adverte: “quem quiser saber realmente o que está acontecendo com a economia do país deve ler sempre as últimas quatro linhas das notícias. É ali que os jornalistas escondem o que é importante.”
Mas o mestre se permite algum otimismo. “Pode-se sentir que há mudanças no ar,”escreve, antes de acrescentar: “O longo período de passividade — de longe, muito mais tenebroso do que os anos da ditadura militar — parece aproximar-se do fim. ”
A primeira edição de Brasil Privatizado foi lançada pela Fundação Perseu Abramo, ligada ao Partido dos Trabalhadores, e atingiu uma venda espetacular, de 126 000 exemplares. Aloysio Biondi era um jornalista sem partido político, mas este fato ilustra as dificuldades para se travar um verdadeiro debate de ideias no Brasil daquele tempo. Em 2014, o livro é publicado pela Geração Editorial, que também publicou me livro A Outra História do Mensalão.”
Depois de assumir funções executivas nos principais jornais do país, Aloysio Biondi tinha uma coluna no Diário Popular, escreveu textos na Bundas, de Ziraldo.
Na Caros Amigos ele publicou o texto em que dizia que “o longo período de passividade parece encontrar-se no fim.”
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