Até algum tempo atrás, uma das táticas mais bem sucedidas do jogo jornalístico consistia na demonização de personagens. Criavam personagens à altura dos filmes de terror classe B de Hollywood, passando para o leitor a sensação do perigo iminente, do vilão de sete vidas cujo único antídoto era o trabalho corajoso e pertinaz da mídia.
Depois da democratização, viveram esse personagem sucessivamente Orestes Quércia, Paulo Maluf, José Sarney, Fernando Collor, Sérgio Motta. Em caráter regional, Joaquim Roriz. Mais recentemente, Renan Calheiro e José Dirceu.
É só conferir o depoimento do leitor que foi pesquisado pelo IBOPE – com a pergunta sobre o que achava de José Dirceu – e a matéria de hoje da Folha, uma forçada de barra para colocar o nome de Dirceu na campanha.
um jogo tão óbvio que no ataque perpetrado pela Folha contra mim, a editora de Política Vera Magalhães colocou na matéria que, no tal episódio da Eletronet, eu tinha feito a defesa do Dirceu. Quem leu sabe que não houve nada disso, mas incluindo o nome do "maldito", julgava poder prescindir da necessidade de levantar argumentos consistentes sobre a cobertura que dei ao caso - e que comprometia a Folha.Embora a própria opinião pública considerasse vilão maior, ACM jamais entrou nessa lista. Sempre foi poupado mercê dos grandes favores prestados a grupos de comunicação, quando foi Ministro de Sarney; e também graças às ligações com grupos de influência entre jornalistas – pessoas que, mesmo sem ocupar cargos de direção, lograram montar um séquito de aliados nas diversas redações.
Na ponta do lápis, não há grandes diferenças entre os métodos de alguns capitães de mídia e alguns coronéis políticos.
No início da série sobre a Veja, mostrei a estratégia da manipulação de escândalos, comparando a uma gôndola de supermercado, na qual o jornal retira o pacote de escândalo conveniente a cada momento, se não tem fabrica, com o intuito de transformar em arma dos seus próprios interesses pessoais. O denuncismo da mídia não obedece a uma lógica de depurar a política e controlar os poderes, mas como ferramenta de seus próprios interesses.
Logo depois, esse jogo se escancarou de maneira inédita com os desdobramentos do caso Satiagraha, no qual a velha mídia fuzilou reputações de juízes, desembargadores, jornalistas, delegados de polícia de forma inédita. E tudo isso em defesa de Daniel Dantas.
Com as características da política brasileira, a indignação seletiva pe desmascarada instantaneamente. Aliançcas são inevitáveis. Lula se alia a Collor e Renan; Serra a Quércia e Maluf; FHC recebe Joaquim Roriz. Ou seja, demônios para todos os gostos e partidos. A velha mídia seleciona apenas os dos adversários, praticando o velho jogo dos tempos das cortinas fechadas. Só que a blogosfera inteira acompanha o jogo de dentro do palco. Algo ridículo.
Por isso mesmo, esse denuncismo tende a perder força a cada momento. E, insistindo nesse jogo aberto – porque escancarado hoje pelas novas mídias – a velha mídia arrisca-se a ser o próximo ator do personagem que ela escolheu: o demônio da hora.