Prestei consultoria financeira para um casal por 4 meses. Fernando e Paula. Noivos, queriam se organizar para sair da casa dos pais. Tinham outros objetivos menores também. Começamos no clichê. Uma viagem de férias, o término da pós-graduação da moça e uma reserva que garantisse um respiro caso algum imprevisto surgisse, mas a cada bate papo novos pontos surgiam. Era engraçado ver a surpresa de um ao escutar o relato do outro.
Encontrei o Fernando tempos depois e ele me agradeceu muito enfaticamente por todo o processo. Ele fez questão de me explicar o motivo de tanta gratidão. Os 90 minutos semanais falando sobre dinheiro eram o único período de conversa real que eles tinham. Todo o resto era só logística, só papo funcional.
Complementou dizendo que foi a primeira vez, em 5 anos de relação, em que eles tinham aberto um espaço para falar, de coração, sobre o que realmente chacoalha. Levavam a rotina conversando sobre amenidades, compromissos sociais e vida profissional, mas nunca tinham tido uma conversa realmente profunda, sem jogos, que tocasse o chão.
Parceria de verdade
A vida seguiu, acompanhei vários casais desde então e precisei ver isso acontecendo várias e várias vezes para entender que é comum a gente achar bonitinho dividir o sabonete, o copo de guardar escova de dente e o edredon, mas que cumplicidade é outra coisa. Dá pra passar a vida inteira achando que intimidade é saber que a cor preferida dela é roxo e que ela não gosta de orégano, sem nunca entender, de verdade, o que se passa do outro lado.
A verdade é que a gente faz tudo junto: come, sai, dança, briga, engorda, emagrece, trepa, corre, pede pizza, reclama e agradece, mas tem uma dificuldade imensa em se desmontar e falar sobre o que realmente importa.
O dinheiro coloca em xeque o que não está dito
Na primeira conversa que tive com o Fernando e com a Paula, lembro de estarmos sentados os três numa mesinha de café pequena e circular. Coloquei na mesa uma folha de sulfite com uma caneta do lado e, no meio do papo, falei: “bem legal isso! anotem aí pra gente não perder”. Não direcionei o pedido a nenhum deles, propositalmente. Os dois se olharam inseguros e desconfortáveis.
A Paula é claramente mais organizada e habilidosa com números, mas não queria tomar a frente sem que o Fernando sugerisse explicitamente. Deram uma risadinha sem graça e finalmente assumiram a configuração que parecia mais confortável: a Paula centrada, no papel, pé no chão, e o Fernando empolgado e caótico, com combustível infinito, atropelando um pitaco atrás do outro.
Fernando: Carro-seguro-1600-400-nãovaidaramor-aaahhhh-internet-250…Paula: DEVAGAR, FERNANDO, CALMA!
No fim dessa conversa comentei esse ponto com eles, já abalados por conta do desentendimento inicial.
Paula: Só agora que eu precisei anotar o que você estava falando que eu percebi que você não me dá tempo para tentar organizar as coisas do jeito que eu acho que tem que ser.
Não é sobre dinheiro, mesmo quando parece ser.
Sabotagem
Ela se sente inútil no trabalho. Não gosta do rumo que a carreira tomou, mesmo sendo bem paga. A relação deles também não anda bem. Para aplacar o tédio e o marasmo, planejam férias. Todo ano o marido a presenteia com uma grande viagem internacional. De coração, ele acredita estar ajudando.Já no avião de volta, ela se sente triste, mesmo tendo visitado um monte de paisagem bonita.
Da mesma maneira que o dinheiro evidencia o caos, ele pode ser utilizado para que a gente se mantenha inerte, vivendo uma vida pobre (mesmo que essa pobreza seja desfrutada num hotel com vista para a Torre Eiffel).
Muitas vezes o processo é inconsciente, feito na melhor das intenções. A gente consegue comprar um monte de coisas com dinheiro, mas dedicação e zelo não estão na lista.
Outras vezes, porém, a gente entra no jogo na maldade. A função de “cala-boca” do dinheiro é amplamente utilizada na relação pais-e-filhos, mas fica muito clara também entre os casais. É como se a grana (ou os luxos e mimos que ela é capaz de proporcionar) servissem para que não precisemos dar tanta atenção às demandas naturais de qualquer relação.
O exemplo acima é caricato, mas essa dinâmica ocorre com muita frequência em situações menores. Jantares, presentes, mimos. Tudo absurdamente válido, desde que na função de oferecimento, e não travestindo travas ou endossando uma relação de dominância velada.
E na prática?
Uma conta conjunta, cada um com sua conta, só um dos casados com conta, várias poupanças, uma poupança só, um fundo de investimento e uma conta corrente. Na teoria, qualquer arranjo consensual é válido, porém algumas configurações tendem a funcionar melhor na maior parte dos cenários. Quanto menos entrave e burocracia forem acrescidos ao processo, melhor.
Na maioria dos cenários em que acompanhei (exceto nos casos em que um dos casados ganha absurdamente mais que o outro), uma conta conjunta para o casal e uma conta particular para cada uma das pessoas é o que funciona melhor.
Todo mês, ambos depositam o valor acordado nessa conta conjunto (não há problema nenhum se os valores forem diferentes) e as despesas comuns são debitadas dali. Jantares, supermercado, programas feitos a dois, tudo isso sairia dessa conta. A ideia não é engessar.
Exemplos: aluguel, conta de luz, água, internet. Gosto da ideia porque ela deixa bem claro números bem interessantes: quanto custa nossa vida juntos? Quanto nossa moradia custa?
Como em qualquer aspecto da vida de um casal, é impossível determinar regras de funcionamento. Não tem receita, não tem passo a passo.
Como têm lidado com as finanças nas relações de vocês?
Para quem mora junto, como dividem? Quando existe a discrepância de salários, como fazem? Para quem tem filhos, o que mudou nas respectivas contas bancárias?
Convite feito para o papo nos comentários.
Curso com Eduardo Amuri em São Paulo
Nota do editor: pessoal, Eduardo Amuri vai oferecer o curso “Pó mágico: como mudar nossa relação com o dinheiro e torná-lo um aliado?” a partir de 11 de setembro, às quintas, na sala de prática do lugar, em São Paulo.
Serão 4 encontros para quem está precisando se estruturar financeiramente (assalariados, autônomos ou empresários), quem já tentou criar seu próprio planejamento, mas acabou desistindo, e para quem tem dificuldade em precificar seus sonhos e acaba usando o dinheiro como desculpa para não encarar outros obstáculos internos.
Ainda há vagas. Todas as informações estão aqui →
EDUARDO AMURI
Gosta de mudança. Estuda a relação do homem com o dinheiro e dedica-se a entender de que maneira nosso potencial financeiro pode ser utilizado para transformar nossas vidas. Está para o que vier. No G+.