Diante do caso Coaf, o Jair Bolsonaro que apoiava as investigações ontem pode ser o crítico que desqualifica os investigadores hoje, e o país não está a salvo de um vice-versa —tudo está condicionado à conveniência política, não à busca da verdade.
Em 12 de dezembro do ano passado, antes de sentar-se no trono presidencial, Bolsonaro soava destemido. Chegava mesmo a enaltecer o fato de os dados bancários do amigo Fabrício Queiroz terem sido jogados no ventilador: "Não sou contra vazamento. Tem que vazar tudo mesmo. Nem devia ter nada reservado. Tem que botar tudo para fora e chegar à conclusão."
Nessa época, Bolsonaro dizia que nem ele nem o filho Flávio eram investigados. Achava que mesmo Queiroz, o ex-faz-tudo, estava imune a investigações. A despeito disso, colocava-se à disposição para pagar por eventuais erros. "Se algo estiver errado —seja comigo, com meu filho ou com o Queiroz— que paguemos a conta deste erro. Não podemos comungar com erro de ninguém."
Decorridos cinco meses, a investigação contra Queiroz, que Bolsonaro supunha não existir, foi estendida a Flávio Bolsonaro. Quebraram-se formalmente os sigilos bancário e fiscal da dupla. E aquele Bolsonaro que achava tudo natural desapareceu. Foi substituído por um Bolsonaro que contesta vorazmente a investigação.
"Estão fazendo esculacho em cima do meu filho", disse o presidente nesta quinta-feira. "Querem me atingir? Venham para cima de mim! Querem quebrar meu sigilo, eu sei que tem que ter um fato, mas eu abro o meu sigilo. Não vão me pegar."
Aquele Bolsonaro que achava que "tem que vazar tudo mesmo" deu lugar a um Bolsonaro que questiona até a abertura de dados sigilosos com ordem judicial. Chama de "jogadinha" a quebra dos sigilos do filho.
"Quebraram o sigilo bancário dele desde o ano passado e agora, para dar um verniz de legalidade, quebraram oficialmente. E de mais 93 pessoas, se não me engano. Nossa Senhora, tem uma Lava-Jato aí. Vai fundo, vai fundo."
No lugar daquele Bolsonaro que se dispunha pagar por eventuais erros, surgiu um sujeito que procura desesperadamente uma porta de incêndio, flertando com a defesa do arquivamento do inquérito: "Isso aí é ilegalidade. Eu não sou advogado, [mas parece] nulidade de processo."
A disposição de Bolsonaro de promover um encontro com a verdade diminui na proporção direta do aumento do mau cheiro. Bolsonaro ainda não é investigado. Mas parece ter uma boa noção da quantidade de balas perdidas que percorrem a conjuntura: "Não vão me pegar", apressa-se em dizer, antes mesmo que lhe perguntem.
Vida que segue