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Tirania togada

É preciso repetir: sem provas, Moro condenou Lula com base em delação [combinada e premiada]
Todos sabem por que o TRF-4 acelerou seu calendário e marcou para o dia 24 o julgamento do recurso do ex-presidente Lula contra a condenação do juiz Sérgio Moro. A coalizão do golpe, não tendo produzido um candidato conservador capaz de derrotar Lula, precisa tirá-lo da disputa presidencial. Seu retorno representaria não apenas o fracasso completo do golpe mas a interrupção de seu programa neoliberal anti-povo e anti-nacional. Parece também claro que não se pode esperar um julgamento justo e imparcial dos três togados de um tribunal cujo presidente já considerou “a priori” a sentença de Moro como irretocável, e  em que a chefe de gabinete faz proselitismo contra o ex-presidente em rede social. Mas, para ampliar a compreensão popular sobre a perseguição orquestrada contra Lula, sobre o que seja o lawfare de que falam seus advogados, não basta proclamar que ele foi condenado sem provas, por um crime inexistente: a posse de um apartamento que não possui, nem de fato nem no papel. É preciso recordar que Moro, não tendo provas, condenou-o baseando-se unicamente  na palavra de um delator. Em uma delação que foi arrancada a fórceps, numa prolongada tortura moral e psicológica contra o ex-presidente da OAS, Leo Pinheiro. 
 Uma enxurrada de denúncias contra Lula foi atirada contra a população nos últimos anos, através de um  noticiário caudaloso na televisão e em todas as mídias. As acusações foram sendo lançadas em série, de modo que ele fosse percebido como o grande malfeitor, embora o quadrilhão esteja no governo  e o próprio presidente do golpe siga sendo investigado por ilícitos graves. Agora, por favorecimento a empresas de portos, depois de escapar de duas denúncias comprando votos. Neste torvelinho, muitos já não sabem de que trata a sentença que estará em discussão no dia 24, e mesmo assim, declaram a preferência por Lula nas pesquisas eleitorais. É preciso recordar que, para garantir sua condenação, a Lava Jato  buscou caprichosamente  a delação de Leo Pinheiro, numa sequência de fatos já esquecidos que não deixam dúvidas sobre o objetivo: sem provas, só a delação permitiria a condenação de Lula, e por decorrência, sua inelegibilidade.
         Recordemos a sequência que levou Léo Pinheiro, até então amigo do ex-presidente, a se tornar um delator-traidor.
  1. Ele foi preso pela primeira vez em novembro de 2014 mas em abril de 2015 o STF determinou que fosse posto em prisão domiciliar.  Condenado a 16 anos de prisão por Moro, começou a negociar um acordo de delação premiada que permitiria a redução de sua pena.
  2. Em junho de 2016 Pinheiro prestou depoimento a Moro e aos procuradores da Lava Jato, em que antecipou as linhas gerais da delação que faria, revelando pagamentos da empreiteira a muitos políticos. Mas como não haveria nenhuma referência a Lula,  o acordo proposto foi recusado.  Em agosto as negociações sobre delação foram encerradas. A defesa de Lula requereu esclarecimentos sobre notícias de que isso teria ocorrido porque o delator não se dispôs a incriminá-lo.
  3. Duas semanas depois, Leo Pinheiro foi novamente preso, segundo Moro em nome da “garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal e segurança da aplicação da lei penal”. Começava aí a pressão para que ele delatasse Lula e o apontasse como dono do apartamento do Guarujá.
  4. Em novembro, sua pena foi aumentada em 10 anos, subindo para 26 anos.
  5. Em abril de 2017, finalmente Leo Pinheiro se rende a Moro e atende à Lava Jato. Ele declara que, quando a OAS adquiriu o empreendimento, soube que o tríplex estava reservado ao ex-presidente e que só tratou do assunto com João Vacari, nunca com Lula. Que na OAS, só ele tratou deste assunto. Que foram feitas as reformas e abatidas da propina que o PT tinha a receber da OAS.
A defesa de Lula apresentou o documento pelo qual a OAS havia dado o apartamento como garantia a uma instituição bancária. Esta era uma prova viva de que a OAS continuava sendo a dona do imóvel mas não foi levada em conta. Mesmo dizendo que o apartamento era de Lula, Pinheiro diz que não o consultou a emitir do documento em que o dava como garantia.
Com base unicamente na delação de Pinheiro, ignorando outros depoimentos de funcionários da OAS e as 87 testemunhas de defesa apresentadas por Lula, Moro o condenou por corrupção passiva e lavagem de dinheiro a 9,5 anos dee prisão. Somou o valor do apartamento com o das reformas para apontar o valor da suposta propina.
Leo Pinheiro fez ainda outra acusação a Lula. A de que, tendo perguntado se havia feito pagamentos ao PT, e diante da resposta afirmativa, mandou que destruísse as provas e registros que tivesse.
Seu depoimento ainda não tinha terminado quando os portais de notícias em tempo real começaram a publicar trechos de sua delação, especialmente o que se relacionava com o apartamento. Faltaram apenas os fogos.
Agora, falta a confirmação da sentença, baseada unicamente numa delação, pelo TRF-4,  para que o jogo seja concluído e Lula esteja fora da disputa eleitoral.  A fragilidade da sentença de Moro, assentada unicamente na delação de um homem desesperado para reduzir uma pena de 26 anos de prisão, precisa ser recordada e denunciada aos quatro cantos do mundo, ampliando a insurgência  contra a injustiça e a perseguição, como fazem os juristas, intelectuais, políticos e artistas que assinaram o  manifesto “Eleição sem Lula é fraude”.
O uso da delação premiada como prova única para condenar é criticado por  juristas de renome mas vou pinçar apenas a citação do processualista Geraldo Prado:
“Não há, na delação premiada, nada que possa, sequer timidamente, associá-la ao modelo acusatório do processo penal. Pelo contrário, os antecedentes menos remotos deste instituto podem ser pesquisados no Manual dos Inquisidores. Jogar o peso da pesquisa dos fatos no ombro de suspeitos e cancelar, arbitrariamente, a condição que todas as pessoas têm, sem exceção, de serem titulares de direitos fundamentais, é trilhar o caminho de volta à Inquisição. Em tempos de neofeudalismo,  isso não surpreende."
Não surpreende, mas deve indignar os que não compactuam com a tirania, mesmo togada.
Tereza Cruvinel - colunista do site Brasil 247. É uma das mais respeitada e qualificada jornalista do Brasil.
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