A DURA REALIDADE DA REALPOLITIK
Se aprendi alguma coisa ao longo de 50 anos de carreira no Jornalismo é que os fatos questionam e muitas vezes impugnam a realidade construída pela opinião publicada.
Diferentemente do que querem nos fazer crer, a opinião publicada tem lado e é rara a tentativa de turvar essa realidade que não acaba exposta.
Exemplos abundam na História recente.
Toneladas de tinta e papel foram gastas nos convencendo, por exemplo, de que Saddam Hussein representava uma ameaça global, com suas armas de destruição de massa que não existiam.
Até Nova York ele seria capaz de atingir usando um drone carregado de armas químicas. Deu no New York Times!
O Iraq Body Count documentou até 209.502 mortes de civis no Iraque entre 2003 e 2022, por causa da invasão e das consequências dela.
Há estimativas que ultrapassam os 500 mil mortos, incluindo aí combatentes, sem falar nos milhões de deslocados e na destruição da infraestrutura.
O Iraque, que tive o prazer de conhecer antes do Choque e Espanto como uma sociedade razoavelmente organizada, ainda que sob a ditadura do Saddam, foi na prática esquartejado, teve o tecido social completamente esgarçado e queda brutal em todos os indicadores sociais.
Como consequência do vácuo político, experimentou o fortalecimento do sectarismo religioso e legou-nos o ISIS, que se espalhou por toda a região com as consequências dramáticas que hoje todos conhecemos.
Se estas consequências tivessem sido tramadas em um laboratório do Pentágono, poderíamos concluir que foi um caso bem sucedido de destruir uma Nação para posterior pilhagem de seus valiosos recursos naturais.
Daí a ideia corrente de que é disso que se trata: implantar o caos como solução política. Falir Estados com o objetivo de usurpá-los.
Gaddafi não foi derrubado e assassinado na Líbia por seus eventuais crimes, mas pela pretensão de se tornar um ator regional em um espaço neocolonial.
Com o dinheiro do petróleo, incentivava a União Africana e fazia investimentos regionais importantes. Falava na "África para os africanos" nas barbas de interesses coloniais franceses, britânicos e estadunidenses.
Foi outra Nação demolida e esquartejada, mergulhada em guerra civil sem fim e, assim, sujeita a acatar decisões tomadas cada vez mais longe de Trípoli.
Não por acaso, assim como o Iraque, a Líbia é importante produtora de petróleo. Ou era.
Agora, com a rejeição da opinião pública às imagens do desembarque de caixões trazendo corpos de soldados, a estratégia se modernizou, no conceito da Guerra Híbrida.
Fazer o mesmo que se fez no Iraque e na Líbia, por exemplo, sem dar um único tiro.
Não haverá Corte Internacional de Justiça para os responsáveis pelas tragédias do Iraque, da Líbia, da Síria, do Iêmen e de tantas guerras sobre as quais poucos ouvimos falar, a não ser pela propaganda que passa por noticiário.
O que deixa explícito que a própria justiça internacional serve a alguns, enquanto abandona outros.
Por tudo isso, passei a insistir na busca dos contrarians, caso do ex-fuzileiro naval estadunidense Scott Ritter, inspetor de armas da ONU, alvo de assassinato de caráter por divergir do consenso forjado pela opinião publicada.
Ritter estava certo!
Como ele, há muitas outras vozes tentando furar o bloqueio. Se não conseguem mudar a realidade, pelo menos prestam um grande serviço expondo a hipocrisia.
Luiz Carlos Azenha