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Por que artistas que nos fazem rir se suicidam?

Quando um artista morre de forma trágica muitas questões são levantadas na mente das pessoas. Quais suas motivações? Por que os artistas acabam morrendo (ou vivendo) envolvidos em tragédias?

Bem, toda profissão tem seu ônus e bônus, já que normalmente são escolhidas pelas características de personalidade e habilidades de uma pessoa que se identifica com os atributos de um engenheiro, advogado, médico, administrador e/ou artista. Cada ofício parece ter seus próprios vícios de comportamento e traços em comum e as escolhas ainda que muitas vezes inconscientes são feitas por aspectos saudáveis ou fraturados da nossa personalidade.

O universo da arte parece ter coagulado com alguma frequência notória personalidades intensas, expressivas e emocionalmente vivazes que não vemos com tanta frequência em outros meios profissionais. É como se o artista conseguisse metabolizar as emoções de uma maneira específica que traduz, representa e até intensifica hiperbolicamente o que acontece em tons pasteis na vida da maior parte das pessoas.

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A arte de modo geral, por contemplar as regiões abismais do ser humano no que há de mais puro e obscuro costuma, por isso mesmo, atrair personalidades que se acreditam capazes de dominar seus impulsos mais primitivos e expressá-los esteticamente nos livros, nas telas em branco, numa massa de argila ou diante de câmeras.

Não é incomum ouvir depoimentos de artistas como Clarice Lispector que retratam sua arte como uma catarse para seus demônios:

“Tenho períodos de produzir intensamente e tenho períodos-hiatos em que a vida fica intolerável. (…) Podem ser longos e eu vegeto nesse período ou então, para me salvar, me lanço logo noutra coisa, por exemplo, eu acabei uma novela, estou meio oca, então estou fazendo histórias para crianças.”

Ou Kurt Cobain:

“Desde os sete anos de idade passei a ter ódio de todos os humanos em geral. Apenas porque parece muito fácil se relacionar e ter empatia. Apenas porque eu amo e sinto demais por todas as pessoas, eu acho.”

A arte também sempre teve um caráter político de explicitar as contrariedades das sociedades ao longo da história e reunir pessoas que vivem como outsiders. Estes inconformados, que não conseguem se adaptar às estruturas de poder vigentes, vêem na arte um caminho para lidar com a inconformação, talvez por se sentirem inábeis em jogar o jogo ou por serem verdadeiros gênios e visionários.

Esse caráter de outsider dessas pessoas vanguardistas sempre acolheram muitos segregados da sociedade ao incentivar um tipo de mentalidade menos engessada e mais liberal seja em relação a moralidade, sexo, drogas ou festividades.

Conter essa densidade psicológica em si provavelmente não é tarefa fácil, especialmente num universo de muita exposição, fama, pressão por performance, alto desempenho e excentricidade. No meio artístico tudo precisa ser mais dramático, potencializado e até caricato às vezes.

Ao participar de programas de TV, eu notava nos bastidores que os comentários variavam em torno do mesmo argumento de que o artista de modo geral se comporta como uma estrela, hipersensível, carente de atenção, vaidoso, egomaníaco, instável e não raro usuário frequente de drogas lícitas e ilícitas.




Sem nenhum embasamento científico eu arriscaria dizer que não é impossível imaginar nesse cenário muitos diagnósticos de transtornos mentais poderiam ser feitos com alguma facilidade, como pontos fora da curva estatística e maior incidência.

Muitos transtornos de humor, ansiedade e de personalidade carregam como marca fundamental vários comportamentos excêntricos, intensos, grandiloquentes, de superficialidade e emocionalidade eufórica e disfórica. Longe de ser uma patologização da arte, é possível conjecturar uma afluência de pessoas que não compreendiam a si mesmas e seus humores buscando na arte uma maneira de extravasar sua fúria ou pureza.

Os meios artísticos, tão democráticos à toda diversidade de comportamentos, parecem dar guarida a essa faceta do inusitado humano. Ainda assim, seria também um erro crasso afirmar que a totalidade de artistas seria portadora de algum tipo de transtorno, afinal existem motivações variadas até mesmo para arte.

A união de vários desses fatores, como intensidade, meios para expressar seus conflitos, liberdade de ação, fama, legitimação popular e emoções instáveis pode explicar uma grande quantidade expressiva de ícones que, se não morreram atentando contra a própria vida, se colocaram em situações de risco, seja em acidentes ou abuso de substâncias como Robin Williams, Amy Winehouse, Chorão, Champignon, Walmor Chagas, Phillip Seymour Hoffman, Fausto Fanti, Vincent Van Gogh, Marylin Monroe, Michael Jackson, Ernest Hemingway, Virginia Woolf, Kurt Cobain, Maria Callas, Elvis Presley e Heath Ledger.

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A arte e a tragédia da maioria desses artistas espelha em muita medida a nossa própria loucura coletiva. Parece que a lente de aumento que os holofotes colocam sobre eles nos tranquiliza sobre os nossos próprios desequilíbrios, como se fossem bodes expiatórios que aplaudimos do lado de fora das grades.

O artista, em essência, é aquele capaz de sair de si mesmo e traduzir o intraduzível, o incompreensível da vida. E, do ponto de vista pessoal, ser um mediador da contradição humana pode custar um preço muito alto.

Portanto, o fato terrível quando uma pessoa como Robin Williams tira a própria vida é que tentamos nos colocar pobremente no lugar das suas motivações. Cada um ao seu modo consegue sentir por alguns segundos aquela sensação de amargo na boca de quem já passou por situações que beiravam o impossível.

É desse abismo diante de uma vida que pode se arrastar cheia de incertezas e fragilidades que fugimos no cotidiano. É como se uma parte nossa condenasse a fragilidade de quem abandonou o barco (deixando os demais nas suas embarcações inseguras) e a outra compreendesse por saber que não é tão simples sustentar intacta a película de sanidade em certos embates da vida.

Mesmo diante dessa morte trágica é possível refletir muito sobre como cultivamos as nossas mentes e de como podemos nos colocar distraída e silenciosamente em caminhos que em algum momento viram miragens de ruas sem saída.

Frederico Mattos
Sonhador nato, psicólogo provocador, autor do livro "Como se libertar do ex". Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas cultiva a felicidade, lava pratos, medita, oferece treinamentos de maturidade emocional no Treino Sobre a Vida escreve no blog Sobre a vida. No twitter é @fredmattos.