Vamos entender melhor as razões da Polícia Civil do Rio de Janeiro ter firmado convicção de um envolvimento maior de Jair Bolsonaro nas trapalhadas de seus filhos.
Peça 1 – o fim da rachadinha
As revelações sobre Flávio Bolsonaro, divulgadas nos últimos dias, confirmam que, através de seu gabinete, ele financiava a família de Adriano Nóbrega (foragido), o chefe do Escritório do Crime, e Fabrício Queiroz, entre outros. Com os escândalos estourando, o esquema foi desfeito. E os parceiros aparentemente ficaram à míngua.
No dia 27 de outubro passado, os jornais divulgaram áudio de Queiroz.
“Resolvendo essa pica que está vindo na minha direção, se Deus quiser vou resolver, vamos ver se a gente assume esse partido aí. Eu e você de frente aí. Lapidar essa porra”, afirmou ele ao interlocutor.
Ele se referia à formação do PSL no Rio de Janeiro. A “pica vindo em minha direção (…) do tamanho de um cometa” são as investigações do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro.
O início do áudio é significativo do seu estado de espírito: “O cara lá está hiper protegido, mas não vejo ninguém mover nada para tentar me ajudar aí”.
Peça 2 – o cerco ao laranjal
O mesmo apuro está passando Adriano Nóbrega. Apesar de foragido, continua sócio de duas pizzarias em Rio Comprido, zona de atuação das milícias, o Tatyara e a Pizzaria Rio Cap.
Ambas as pizzarias repassaram dinheiro para Fabrício Queiroz. Um de seus sócios é Francisco da Rocha Veras – mesmo sobrenome da mãe de Adriano, Raimunda Veras Magalhães, que também aparece como sócia de uma das pizzarias.
Tanto a mãe de Adriano, Raimunda, como a esposa Danielle Mendonça, ficaram lotados no gabinete de Flávio Bolsonaro na ALERJ de setembro de 2007 a novembro de 2018.
O curioso é que, segundo a nota do G1, “o MP suspeita que Adriano da Nóbrega seja sócio oculto dos dois restaurantes”. Bastaria uma consulta ao CNPJ para constatar que Adriano aparece como sócio visível dos dois estabelecimentos.
As investigações foram fundo no esquema de lavagem de dinheiro de Adriano e Queiroz, sufocando-os financeiramente, no momento em que a “pica do tamanho de um cometa” parte em sua direção.
Peça 3 – os PMs que vendiam segurança
Outro modus operandi do grupo já havia sido atingido ainda na gestão do ex-Secretário de Segurança José Maria Beltrame. Era um esquema de PMs que cobravam para retirar moradores de rua das calçadas dos prédios da Zona Azul.
Uma das empresas é a Santa Vigilância, registrada como Santa Clara Serviços LTDA., que tem entre os seus sócios o cabo da PM Diego Sodré de Castro Ambrósio. Ontem, o PM, lotado na Diretoria Geral de Pessoal (DGP) da Polícia Militar, foi exonerado da Secretaria estadual de Direitos Humanos, para onde havia sido cedido em 2014.
Quem é Diego Sodré de Castro? É justamente o sargento da PM que pagou R$ 16,5 mil de um imóvel adquirido pela esposa de Flávio Bolsonaro.
Segundo matéria de O Globo de ontem:
Em 2014, o policial abriu a empresa de vigilância Santa Clara Serviços. Nos anos seguintes (2015 a 2018), foram identificados transferências bancárias e depósitos em cheque do próprio Ambrósio e da Santa Clara para a conta corrente da loja de chocolates de propriedade de Flávio Bolsonaro. Segundo a investigação, a contabilidade da loja era usada por Flávio para mascarar dinheiro devolvido por seus assessores na Alerj. Os promotores também identificaram, em 2016, transferências do policial para dois assessores de Flávio.
O esquema era claro.
Possivelmente a pedido de Flávio, um deputado (no caso o deputado estadual Pedro Fernandes) requisita o PM. Daí, ele é liberado para fazer bico e arrecadar dinheiro. Pedro Fernandes é de uma família de políticos, e, apesar de ser do PDT, foi nomeado Secretário de Educação do governo Wilson Witzel.
Em maio passado, a Receita anunciou a constituição de uma equipe especial para mapear o notável crescimento patrimonial de Flávio Bolsonaro e também as denuncias de que parte do dinheiro de Queiroz foi parar na conta da primeira dama. Até agora, nada foi divulgado.
Peça 4 – a armação do COAF
Como mostram as investigações do MPE, o esquema era amplo, pegando vários parentes próximos dos Bolsonaro. Já em janeiro, se soube que o COAF havia identificado R$ 7 milhões em movimentação nas contas de Queiroz, e não apenas o R$ 1,2 milhão divulgados. Evidentemente a interrupção do fluxo de recursos de tal ordem desestruturou a organização e abriu flancos perigosos nos laços de lealdade do grupo.
Além disso, as investigações do MPE trouxeram à tona outro possível crime administrativo cometido em 2018, para blindagem da candidatura de Jair Bolsonaro.
Até agora já se sabe que na conta do Queiroz foram depositados, no mínimo, mais de R$ 2 milhões (a suspeita final é de R$ 7 milhões). Significa que a movimentação financeira dele é no mínimo R$ 4 milhões, pois a movimentação é a soma de débitos e créditos na conta da pessoa.
O primeiro relatório do COAF sobre Queiroz apontou uma movimentação de apenas R$ 1,2 milhão. Obviamente foi fraudado.
O relatório COAF é um resumo de um conjunto de indícios de irregularidades que apontam para as autoridades investigativas uma situação que precisa ser esclarecida. Se uma parte desses relatórios são manipulados para esconder das autoridades investigativas a real situação de uma pessoa, seja para blinda-la, ou para colocá-la em evidência, então as autoridades investigativas são enganadas e induzidas ao erro.
Trata-se de um erro gravíssimo cujo objetivo foi deixar Queiroz e Flávio Bolsonaro de fora da lista de alvos da Operação Furna da Onça, comandada pela Lava Jato do Rio de Janeiro.
No Caso Queiroz, está evidente. Se o primeiro relatório COAF estivesse correto, é possível que todo o resultado eleitoral de 2018 teria sido diferente
Quem foi a autoridade que encomendou aquele relatório COAF manipulado?
A coordenação da Lava Jato
O Ministério Público do RJ?
O núcleo de inteligência fiscal da Receita Federal que tinha acesso direto ao COAF?
Recorde-se que o chefe da inteligência da Receita Federal de Curitiba, Roberto Leonel, seria nomeado por Sérgio Moro para presidente do COAF. E o chefe da inteligência fiscal do Rio de Janeiro, Marco Aurélio Canal, também homem de confiança da lava jato, foi preso naquela operação extorquindo empresários alvos da Lava Jato
Peça 5 – o desmanche da ORCRIM
O modelo financeiro ruiu. Os principais parceiros – Queiroz e Adriano – ficaram desamparados. Ao se retirar da defesa de Fabricio Queiroz, o advogado Paulo Klein deu sinal de debandada final do sistema.
É aí que se entra na parte mais delicada.
Tudo tem a ver com a falta de dinheiro no esquema. Vários assessores tiveram que ser demitidos. Queiroz teve que ser mantido e tiveram que bancar todas as suas despesas.
Há os milicianos que perderam suas tradicionais fontes de renda. Há os foragidos que nem o Adriano do escritório do crime que têm que ser bancado.
De onde vem o dinheiro?
Peça 6 – o pedido de quebra de sigilo
Vamos desbastar mais um ponto da história.
Ontem à tarde, o Ministério Público Federal do Distrito Federal, a pedido do Ministro Sérgio Moro, divulgou uma denúncia contra o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil Felipe Santa Cruz. Moro havia entrado há tempos com a representação. A divulgação foi ontem, horas depois de uma nota em O Globo, na qual Felipe havia pedido abertura do sigilo de Jair e seus filhos Flávio, Carlos e Eduardo.
— As acusações são muito graves, mas devemos garantir aos Bolsonaro a presunção de inocência. Agora seria a hora do presidente e seus filhos abrirem seu sigilos e dos gabinetes da família provando que são inocentes. É hora de o presidente Bolsonaro abrir o sigilo e provar que não deve nada. É o momento do presidente desmonstrar que a prática não era sistêmica nos gabinetes da família.
Santa Cruz vai mais longe.
Acha que deveriam ser abertos também os sigilos dos parentes de Bolsonaro que moram no Vale da Ribeira, em São Paulo. Completa Santa Cruz:
— Tem que abrir inclusive do núcleo do Vale do Ribeira que explora atividades comerciais. Só assim Bolsonaro pode acalmar o país. À mulher de Cesar não lhe basta ser séria, tem que parecer séria. Basta que o presidente apresente ao ministro Sérgio Moro e ao MP a documentação necessária para auditoria.